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PARTE I – OS VALORES DA ARTE

CAPÍTULO 1 – ARTE, ECONOMIA E TRABALHO IMATERIAL

1.2 O trabalho imaterial

Nas décadas de 1950 e 1960, a criatividade despontava como uma possibilidade de recursos para o desenvolvimento social e econômico, ao mesmo tempo em que as mídias tomavam o centro da produção e da difusão de signos, nas mais diversas linguagens. Esses acontecimentos coincidiam com mudanças sociais mais amplas. Segundo Moulier-Boutang (2011), até então, a política econômica ocidental era baseada no uso de energia e de matérias-primas baratas, na importação de mão de obra, no pleno emprego, na adoção de taxas de câmbio fixas e no aumento dos preços, dos salários e da produção. Além disso, o emprego formal nas indústrias e nos escritórios absorvia grande parte dos trabalhadores do setor agrícola. Esse modelo, contudo, logo se tornou insuficiente.

Houve, então, um processo de desaceleração econômica, embora a crise não tenha sido generalizada como a anterior, a da década de 1930. Os preços também não entraram em colapso, pelo contrário, a situação abriu o caminho, entre outros aspectos, para o aumento da interdependência global. O Mercado Comum Europeu, criado na década de 1950, fortaleceu-se; e surgiram novas entidades, como o Tratado Norte-Americano de Livre Comércio – NAFTA, criado em 1994, e o Mercosul (Mercado Comum do Sul), fundado em 1991. Se, nas décadas de 1950 e 1960, a internacionalização refletiu-se na presença crescente de corporações transnacionais, as décadas seguintes foram marcadas pela exposição das economias nacionais ao mercado mundial, o que se intensifica até os dias de hoje.

Tendo em vista esse cenário, dois fatores são apontados com frequência como as principais características do capitalismo contemporâneo: a globalização e a economia financeira. No entanto, para Moulier-Boutang (ibidem), esses elementos não são suficientes para explicar as transformações pelas quais o mundo vem passando. É verdade que a economia financeira tem um papel importante no processo de globalização, mas isso não é novidade para o sistema capitalista. Situações semelhantes já foram vividas em épocas anteriores. O que diferencia o cenário atual, na visão do autor, é uma mudança no próprio trabalho, que se “desmaterializa”. Com isso, as relações nas empresas tornam-se mais efêmeras; em vez de funcionários e investidores estáveis, as corporações e os governos lidam agora com diversos públicos e com interesses distintos; os limites entre o trabalho e

29 a vida pessoal também se tornam mais fluidos. Dessa forma, elementos intangíveis passam a ser centrais para uma nova fase do capitalismo, que o autor chama de "capitalismo cognitivo":

Por capitalismo cognitivo, nós queremos dizer, então, um modo de acumulação, cujo objeto consiste principalmente em conhecimento, o qual se torna a fonte básica de valor, assim como o ponto principal do processo de valorização. (ibidem, p.57, tradução nossa)4

Como mostra a citação, o conceito de "economia cognitiva", proposto por Moulier-Boutang (ibidem), refere-se principalmente ao "conhecimento", que, de fato, é um componente fundamental nas relações de troca da atualidade. Já outros autores preferem expandir essa noção de maneira a abranger todas as formas de produção "imaterial", o que engloba a educação, a prestação de serviços, o cuidado com a saúde, a criação artística ou midiática, entre outros exemplos. Alguns dos primeiros pesquisadores a tratar do assunto foram Toni Negri e Maurizio Lazzarato (2001). No artigo Trabalho imaterial e subjetividade, que escreveram em 1991, os autores apontavam para a difusão dessa forma de trabalho como uma tendência "irreversível". Segundo eles, com a decadência do modelo fordista, elementos como a inteligência e a personalidade dos trabalhadores assumiram o protagonismo nos processos de produção. Nessa fase, mais do que a exploração do tempo e da força física, o que se busca é capturar a potência de criação e sua capacidade de integração social.

Mais de duas décadas se passaram desde que esse texto foi publicado pela primeira vez e, nesse tempo, o conceito de "trabalho imaterial" começou a ser revisto, uma vez que, de fato, não é possível separar o pensamento, o sentimento ou as emoções da materialidade do corpo. Por isso, segundo Christine Greiner (2010, p.106), a discussão deve ser repensada "para além do binômio material- imaterial". De qualquer maneira, a avidez capitalista persiste, principalmente em áreas como cultura, saúde e educação, e expande seus alcances, tentando envolver até mesmo os processos de subjetivação dos trabalhadores e, em última instância, a própria vida. Em um livro mais recente, Multidão, Hardt e Negri (2005) aprofundam essa análise. Para os autores, o trabalho imaterial envolve não só o conhecimento, mas também a comunicação e o afeto. É uma forma de trabalho que cria e difunde signos e novos sentidos por meio da comunicação, ao mesmo tempo em que

4 By cognitive capitalism we mean, then, a mode of accumulation in which the object of accumulation

consists mainly of knowledge, which becomes the basic source of value, as well as the principal location of the process of valorisation.

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manipula sentimentos, como os de tristeza ou alegria, de satisfação ou bem-estar. Para Rogério da Costa (2008, p. 64), já não é mais suficiente "escavar da terra seus recursos naturais", nem "extrair energia do corpo humano". É preciso buscar outras fontes de riquezas. Com isso, há uma "espécie de aprofundamento" no uso da "subjetividade" e passa-se a extrair cada vez mais "os recursos psíquicos que fazem a produção econômica funcionar".

São vários os exemplos: a transmissão de uma notícia triste por uma repórter em um telejornal; o atendimento, com um sorriso, de um garçom em um restaurante; o cuidado de uma enfermeira em um hospital. A demanda por recursos imateriais também se manifesta no discurso das empresas em busca de "inovação" e no declínio do modelo fordista, uma vez que a economia de escala vem sendo substituída por uma "economia da variedade" e por estratégias mais flexíveis de produção. Os exemplos são distintos, mas, na base de todas essas mudanças, há uma dimensão comum: a cooperação entre as pessoas (MOULIER-BOUTANG, 2011).