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Educação contemporânea e as suas limitações

Capitulo II – Educação Tradicional e Contemporânea

2. Educação contemporânea e as suas limitações

O sistema atual de educação pública continua a seguir o modelo newtoniano- cartesiano, fundamentado nos processos de reprodução da informação, da memória e de práticas que compartimentam o conhecimento. A educação contemporânea baseia-se num modelo analítico mecanicista, que compreende o mundo e a natureza como máquinas, numa mentalidade orientada por leis matemáticas necessárias e onde as suas estruturas pré-determinadas funcionam de forma mecânica. Estas perspetivas tiveram graves consequências na formação das mentalidades das pessoas, nomeadamente, na separação entre o ser humano e natureza, entre o corpo e a mente entre sujeito e objeto, na forma de pensar, na prioridade de ter em vez de ser, na perspetiva reducionista de compreender a verdade, na compreensão do conceito da felicidade, considerando, entre outras, a ciência e a tecnologia como fatores mais importantes para a sua realização. O modelo mecanicista de ensino tem ignorado o diálogo entre as diversidades, e a qualidade é reduzida em quantidades (Araújo, 1999).

O foco da educação contemporânea tem sido investir principalmente no desenvolvimento de competências profissionais, na formação de técnicos e especialistas, que contribuíram para o avanço científico e tecnológico, transformando as pessoas em máquinas e distanciando o indivíduo da natureza. O método educativo alimenta e promove a comparação, considerando os alunos que melhor se adaptam ao método mecânico, melhores que os outros. A diversidade da aprendizagem tem sido ignorada e o método mecanicista tem dado espaço a

situações de agressão, violência, indisciplina, vandalismo e conflitos, que são muito frequentes de testemunhar nos ambientes escolares. A educação contemporânea tem contribuído para o aumento da competição, por vezes agressiva, entre os alunos, que tem originado atitudes relacionadas com a inveja, a ganância, o consumismo, o ego, etc.

A escola atual fundamenta-se num pensamento racional, que deixou espaço para uma visão unilateral de mundo, priorizando a dimensão intelectual, distanciando- se cada vez mais das emoções, sentimentos e valores, fatores imprescindíveis para nutrir a dimensão humana (Crema, 2006) contribuindo, assim, para a formação de pessoas civilizadas, mas não moralizadas. Os alunos são ensinados a obedecerem às regras da escola por obrigação, e não para as compreenderem como fatores importantes para as suas vidas, ou para aprofundarem o significado do seu respeito, benefício para eles e para todos os outros (Menezes, 2001). Desta forma, Agostinho da Silva considera que a educação não está a contribuir para conservar a pureza e a liberdade que a natureza nos ofereceu, assim como não está a contribuir para a formação integral do indivíduo. O contributo da educação tem sido instruir em vez de educar, “instruídos para não crermos em nós, mas para nos submetermos, para obedecer, não para criar, que foi ao que viemos” (em Manso, p. 366). A escola tem aberto o caminho para o vício, transformando os alunos em adultos revoltados. Em vez de promover uma aprendizagem baseada na experiência, a educação está a contribuir para os alunos se relacionarem e dialogarem mais com a televisão e os computadores, aumentando a dependência pela máquina.

A educação contemporânea continua a apostar na transmissão de informações, sem espaço para o desenvolvimento da criatividade, para o acolhimento de novas ideias. Campbell (2005) refere que o processo de transmissão de conhecimento de uma pessoa para a outra não é difícil. O maior desafio da educação é transformar o conhecimento em experiência, o que necessita uma sabedoria que apenas é possível através da experiência de cada um e que, por sua vez, não pode ser transferida para os outros.

Ao contrário do que seria desejável, a educação continua a ser um processo de fora para dentro, apostando no desenvolvimento da dimensão intelectual em

detrimento de competências ligadas com a dimensão emocional e espiritual, fator este que está na origem dos problemas que a sociedade enfrenta hoje (Torres, 2006).

O investimento dos últimos anos foi caracterizado por um avanço científico e tecnológico bastante significativo, o qual tem sido utilizado para aumentar cada vez mais as posses materiais, tornando o mundo mais fragmentado e desvinculado da dimensão espiritual (Chardin, 1970). Como resultado, a educação tem produzido indivíduos cada vez mais materialistas, preocupados com a riqueza e bens materiais, os prazeres do corpo, que por sua vez tem originado os problemas sociais que todos testemunhamos, como a desigualdade, exclusão, discriminação, corrupção, conflitos e violência, problemas ecológicos como a poluição ambiental e o rápido esgotamento de recursos naturais, que ameaçam a sobrevivência da humanidade neste planeta. Por tudo isso, Einstein refere que não permitia que a educação influenciasse a sua aprendizagem, assim como considera que o aluno aprende com a educação moderna tudo aquilo “que resta depois de ter esquecido tudo que se aprendeu na escola” (Santos, 2010, p.10). Einstein considera que todas as pessoas são génios, apenas é a prática do julgamento da educação contemporânea, que se baseia no mesmo critério de avaliação para todos os alunos, que faz sofrer, desnecessariamente, vários alunos, conforme refletido abaixo, metaforicamente, por Crema:

Você pode imaginar um horticultor exigindo de todos os seus organismos vegetais o mesmo desempenho? Você pode imaginar um horticultor comparar um tomate com um pepino e desejar que um seja como o outro, apresente o mesmo resultado? Vocês podem imaginar um jardineiro exigir de todos os organismos da biodiversidade de um jardim o mesmo currículo? Isso é um absurdo (Crema, 2006, p.105).

Os frutos que colhemos desta educação, refletem uma civilização, que Swimme (1984) considera doentia, e que está a espalhar-se por diversos continentes. A memória é uma das competências mais trabalhadas na escola, mas o desenvolvimento do pensamento crítico, que ajuda os alunos a questionarem o mundo que todos partilhamos, é desencorajado. A escola ensina os alunos para serem obedientes, seguindo todos os mesmos passos e o mesmo modelo

materialista, considerando os bens materiais como os mais importantes para o sucesso dos alunos. Os alunos que não conseguem atingir o nível desejado de acordo com as metas estabelecidas, são sujeitos e apresentam mais tendência para o desenvolvimento do medo, por serem considerados menos aptos e com resultados menos satisfatórios que os outros.

A educação contemporânea tem contribuído para os alunos serem bons seguidores, mas não os prepara e ensina como serem grandes líderes. Como resultado, conforme Flanagan (2013) refere, os alunos aprendem a viver de acordo com as opiniões dos outros, e deixam de ser autores das suas próprias vidas. “We lose our voice — we lose the desire planted in our souls and the very unique way in which we might live out that desire in the world. We get used by the world instead of being useful in the world”.2

Segundo Nussbaum (2010), vários países considerados desenvolvidos têm ignorado as competências essenciais para a sobrevivência das democracias, alertando para as consequências que estes países poderão vir a enfrentar num futuro próximo. As próximas gerações serão compostas por pessoas vistas como objetos, que se assemelham a máquinas, tecnologicamente qualificadas, mas sem qualquer sentido de responsabilidade para com os outros e o planeta, esquecendo, de uma forma geral, a sua dimensão principal, a dimensão humana. Para Damásio (2017), os países que “celebram a ciência e a tecnologia modernas, e que mais lucram com elas, parecem estar numa situação de bancarrota “espiritual”, tanto no sentido secular como religioso do termo”3 e se tivermos em consideração o nível

de felicidade nestas sociedades, as pessoas não se mostram mais felizes.

O paradigma mecanicista da educação introduziu uma visão dualista na compreensão do ser humano, separando a dimensão material e espiritual, apesar de, segundo Miller, vários cientistas “pursue their rational approach towards nature while remaining devoutly religious in their personal and social beliefs” (1997, p. 12). A educação contemporânea utiliza o método científico como resposta para todos os mistérios do universo e dos problemas da sociedade. O materialismo introduziu

2Disponível em https://www.huffingtonpost.com/kelly-m-flanagan/the-reason-every-kid-should-talk- back-to-their-parents_b_4226417.html

3 Disponível em https://www.publico.pt/2017/11/02/ciencia/prepublicacao/o-alerta-de-antonio- damasio-para-a-bancarrota-espiritual-e-moral-das-sociedades-1791125

na educação a perspetiva de uma realidade composta, essencialmente, por matéria física que é possível de ser medida e manipulável, ignorando desta forma a dimensão transcendente, espiritual. Para explicar diferentes fenómenos tem sido utilizada uma abordagem reducionista, com métodos que se baseiam na repartição de qualquer coisa para ser estudada. Desta forma, ainda hoje, continuam a ocupar um papel importante no estudo do ser humano e dos problemas sociais, os métodos comportamentais e quantitativos (Miller, 1997).

A educação contemporânea tem dado origem aos vários problemas que as sociedades enfrentam atualmente. Como consequência, a educação tem investido mais na destruição do que na proteção da raça humana e do planeta, fragmentando, cada vez mais, o mundo:

Quebramos a unidade do conhecimento e distribuímos os pedaços entre os especialistas. Aos cientistas, demos a natureza; aos filósofos, a mente; aos artistas, o belo; aos teólogos, a alma. Não satisfeitos, fragmentamos a própria ciência, espalhando-a pelos domínios da matemática, da física, da química, da biologia, da medicina e de tantas outras disciplinas. O mesmo ocorreu com a filosofia, a arte e a religião, cada um desses ramos se subdividindo ao infinito. Como consequência, o mundo do saber tornou-se uma verdadeira “torre de babel”, em que os especialistas falam cada qual a sua língua e ninguém se entende (Weil, 2007, p. 26).

Através desta visão fragmentada, a educação contemporânea não dividiu só o mundo, mas também o ser humano. Einstein demonstrou que tudo no universo, incluindo os seres humanos, é formado pelo mesmo elemento, a energia, assim como o gelo e o vapor que, apesar de parecerem diferentes, ambos são compostos por apenas água. Esta fragmentação, que apenas existe no pensamento humano, cria fronteira e dá origem a conflitos, egoísmos e medos que, por sua vez, causam emoções destrutivas, como a desconfiança, a inveja, a agressão, o orgulho e a depressão (Weil, 2007).

Segundo Miller (1997), a educação ocidental tem sido influenciada pelo sistema político e de outros grupos com interesses ideológicos, relacionado este facto com a cultura e a história do Ocidente, que tem exercitado controlo sobre o sistema

educativo, enraizando a ideia de que a educação recebida na escola tem por objetivo a transmissão de algum conhecimento e de certas regras aos alunos que se consideram importantes para a vida futura na sociedade. Esta ideologia, segundo Miller (1997), relaciona-se com o facto de a economia ser considerada como o setor mais importante na sociedade moderna, por isso, um dos objetivos principais da educação tem sido contribuir para que os jovens consigam emprego. O capitalismo teve uma influência significativa na educação. Sendo que um dos princípios mais importantes do capitalismo é a meritocracia, a educação nas escolas tem-se focado na promoção de competências que contribuem para aumento da produtividade. Como consequência, o sistema educativo tem contribuído para o aumento do individualismo e da arrogância, uma vez que a preocupação das pessoas é alcançar um bom estatuto social e económico (Miller, 1997). Na perspetiva do capitalismo, os problemas sociais serão melhor resolvidos estimulando as pessoas a serem mais ambiciosas para conseguirem ter mais oportunidades para o seu crescimento pessoal. O modelo capitalista, que influenciou a educação, está assim a contribuir para produzir mais trabalhadores, forçados a dedicar cada vez mais tempo ao trabalho, para garantir uma boa qualidade de vida que é sinonimo de aquisição de bens materiais. A educação contemporânea tem sido, assim, utilizada como a panaceia para resolução dos problemas sociais e culturais, desvalorizando e deixando fora das suas abordagens os aspetos relacionados com a parte emocional e espiritual, por não serem consideradas qualidades importantes para o mercado de trabalho ou para a realização pessoal. Conforme Thurman refere:

Commercial interests, with their advertising industry, do not want people to develop contentment and less greed. Military interests in economic, political, ethnic, or nationalist guises, do not want people to develop more tolerance, nonviolence, and compassion. And ruling groups...do not want the ruled to become too insightful, too independent, too creative on their own, as the danger is that they will become insubordinate, rebellious, and unproductive in their allotted tasks (Thurman em Duerr, 2004, p.125) Neste sentido, as escolas distanciaram-se das pessoas porque têm sido utilizadas como instrumentos políticos, que tem como fim produzir forças de trabalho para aumentar a economia. A Educação tem contribuído para produzir pessoas que se

afastam da comunidade devido à incongruência entre aquilo que é ensinado nas escolas e aquilo que são as exigências da comunidade (Wisadavet, 2003).

A educação não tem contribuído para os alunos compreenderem a sua natureza, e a natureza do universo, mas tem-nos distanciado da dimensão emocional e espiritual que contribui para que eles consigam lidar com o seu próprio ego, com as emoções, gerir o stress ou outros problemas de foro emocional (Crema, 2006). Como consequência, a educação tem seguido um caminho que se tem afastado do cumprimento do seu propósito, e que todos procuram.

Apesar de se proclamar que, por um lado, as pessoas são livres para procurar a felicidade e a sua realização, se analisarmos a verdade da história do mundo ocidental podemos compreender que a realidade está mais complexa e ambígua do que aquela que nos tem sido transmitida e que conhecemos (Miller, 1997). Tentaremos nos pontos que se seguem compreender o significado do conceito “Ocidente” e conhecer um pouco da sua história, as consequências e a influência que o Ocidente teve e continua a ter no mundo.