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Natureza do Ser Humano – A Sua Ligação com o Universo

Capitulo IV – Ciência e Tradições Espirituais

5. Natureza do Ser Humano – A Sua Ligação com o Universo

Quando perguntaram para Krishnamurti - “Por que você ensina?”, ele respondeu: “Por que um pássaro canta?” (Crema, 2006, p.108) Os antigos filósofos orientais definiram o ser humano como um microcosmos dentro do macrocosmos, isto é, como a parte que contém o todo ao mesmo tempo, ou como o todo que é mais do que a soma das suas partes. Assim como o macrocosmos é governado por leis, sem as quais a sua existência não seria possível e sabendo que ele está organizado em padrões que se repetem em diferentes níveis hierárquicos, o ser humano, como a sua parte integrante, também é regido por princípios que orientam o comportamento no nível microcósmico e são um reflexo dos princípios que estão na origem e governam o macrocosmos (Gerber, 1988). A compreensão e testemunho das “leis universais, tal como elas se manifestam na matéria no nível do microcosmos” segundo Gerber, ajudará o ser humano a conseguir chegar “muito mais perto de compreender a natureza do Universo” (Gerber, 1988, p.28) e a existência da energia da qual fazemos parte (Portela, 2013).

Neste sentido, o ser humano não é um ser isolado, mas tem a origem na natureza básica constituindo exemplos de "inteirezas relacionais" (Zohar & Marshal, 1990, p.59). O seu carácter relacional está refletido, também, no pensamento de John Donne, segundo o qual, o homem não é nenhuma ilha e, apesar de possuir identidade, significado e propósito, cada um representa uma manifestação de uma particularidade, que está correlacionada com todas as outras particularidades. Por isso, todos os seres humanos são responsáveis pelos acontecimentos no mundo, e todos têm “a capacidade de beatificar ou manchar as águas da eternidade” (Zohar & Marshall, 1990, p.61), dependendo tudo da relação que se estabelece com todos os seres, o mundo e o cosmos. Era esta mensagem que Krishnamurti nos queria deixar quando referia que o ser humano é o mundo, ou de Jung quando refere que “Se as coisas vão mal no mundo, isso é porque algo vai mal com o indivíduo” (Zohar & Marshall, 1990, p.62).

Chardin (1970) afirma que o objetivo dos seres humanos é o seu aperfeiçoamento, o qual apenas poderá ser realizado pela busca de sentido que se encontra no interior de cada um, onde habita a sua essência. Assim, para o ser humano

compreender o seu sentido de vida, necessita de aperfeiçoar a dimensão interior, ou seja, investir na dimensão espiritual, que constitui o fundamento da vida e se concretiza pela aceitação e prática dos valores espirituais. Este investimento, segundo Chardin (1970), é o único caminho para atingir a plenitude.

Kant também entende o ser humano como não isolado, uma vez que as suas capacidades inerentes permitem que ele saia do seu individualismo através das obrigações morais, não só para consigo mesmo, mas para todos os seres racionais. Kant compreende o ser humano como um fim em si mesmo e não como um mero meio, representando os seus fins, também, os fins alheios, para conseguir sentir todos os benefícios (Kant, 2007). Segundo Kant, os seres humanos têm um valor absoluto “porque têm consciência de colocar seu agir sob o ditame da razão prática” (Herrero, 2001, p. 19).

Segundo Chardin (1970), o facto de todos os seres humanos terem os mesmos objetivos e procurarem o mesmo sentido para a vida, relaciona-se com a existência da única unidade que está na origem do todo o universo, a que chamou a unidade na coletividade. Segundo Chardin, toda a pluralidade das coisas existentes no universo formam o Sistema, e à unidade que deu origem ao universo este autor atribui o nome de Totum. Para além do Sistema e Totum, Chardin identifica ainda um terceiro elemento que é a Energia ou o Quantum, que não pode ser negado, pois é aquele que move o universo e possibilita a unidade homem-natureza na direção da sua evolução. Esta Energia ou Quantum que Chardin defende, está também refletida no âmbito da Teoria das Cordas (TC), conhecida e definida como a teoria unificada do universo (Morão, 2005). De acordo com esta teoria, se pudéssemos examinar as partículas que compõem a matéria, com um grau de precisão além da nossa capacidade tecnológica atual, verificaríamos que elas têm a forma de um laço, que contém um filamento, comparável a um elástico infinitamente fino, que vibra, oscila e dança, tendo chamado os físicos de “corda”. Segundo Einstein (1949), são as diversas maneiras em que uma corda pode vibrar que compõem as propriedades das partículas. De uma forma semelhante ao que acontece com as cordas do piano ou violino, as quais vibram de maneira especial, o mesmo se verifica com as cordas da TC, mas neste caso em vez de produzirem notas musicais, os tipos de vibração são determinados pelo padrão oscilatório da corda, ou seja, a "música" dos laços fundamentais das cordas. Segundo Green

(2011) e Schwarz (1982), a mesma ideia aplica-se também às forças da natureza, isto é, tudo o que existe, toda a matéria, incluindo o ser humano, e todas as forças, estão unidas sob o mesmo princípio das oscilações e vibrações microscópicas das cordas, as "notas" que as cordas tocam. Esta teoria ajuda-nos a compreender melhor a composição e o funcionamento do ser humano (Wolinsky, 2000), a ligação entre a mente e a matéria. Tendo em consideração que a “energia segue a atenção” (Cetin em Portela 2013, p.24), através da consciência humana, podemos ter acesso à energia universal, canalizando-a mentalmente e usando-a para o benefício de todos.

Os antigos filósofos definiram o ser humano também como uma possibilidade, um potencial de florescimento (Crema, 2006), a consciência em constante transformação (Barreto, 2006), o espaço onde o próprio universo pode aprender a autoconhecer-se e a amar-se (Goswami, 1998, Chardin, 1970). Para Boff (2000), o ser humano é um ser que se caracteriza pela sua abertura, pelo seu potencial, é um ser utópico e transcendente. É sonhador, curioso, e procura sempre inovação. Ele transcende aquilo que lhe é dado, através do qual encontra a liberdade criativa. Segundo Maslow, para compreender melhor o ser humano seria necessário estudar aqueles que foram bons exemplos e contribuíram para a evolução da humanidade (em Crema, 2006).

Na filosofia budista, o indivíduo é definido como uma combinação de energias físicas e mentais, em constante mudança e interdependência, ou seja, o ser humano não é permanente, singular ou independente, nada existindo em si e por si. Isto porque, nada é em si mesmo, sem conter ao mesmo tempo o todo, pois no cosmos “nada é, tudo coexiste” (Borges, 2017, p.35). Por isso, o ser não pode ser definido apenas pelo uso da razão, atribuindo “qualquer característica, predicado ou atributo intrínseco”, mas pela verificação direta, que representa a “combinação da meditação analítica com a concentração meditativa – do ser” (Borges, 2017, p.35).

Segundo Borges, as definições que procuramos fazer sobre o ser, são sujeitas ao uso da linguagem e do pensamento e resultam como consequência das representações culturais, sociais e políticas dominantes, assim como são resultados de construções mentais e linguísticas, que distanciam o ser da sua essência, tornando muito redutora a sua riqueza, que lhe é inerente.

Se na flor vemos o ar, a terra, o sol, a água e a consciência que a perceciona como “flor”, se vemos que a flor é apenas constituída por elementos não-flor, se vemos na flor todo o universo, vemos realmente a flor vendo que ela não é “flor”, vendo que é vazia no sentido de desprovida do conceito de “flor”. Se vemos na flor apenas a “flor”, vemos apenas o conceito de “flor”, vemos apenas uma convenção linguística e social, vemos apenas uma ficção, ou seja não vemos nada (Borges, 2017, p.52).

O exemplo da forma como procuramos entender a flor é um simples teste da definição que procuramos fazer do ser humano, sujeitos e dominados pelas influências científicas, religiosas, culturais, ou inspirada simplesmente na nossa experiência da unicidade com tudo e todos. Segundo Boff (2000), o ser humano não precisa que ninguém o defina, nem os governos, a ciência, a religião, a ideologia ou a revelação, pois cada um de nós representa um projeto sem limites, transcendente, impossível de ser enquadrado.

As experiências desenvolvidas na Universidade de Princeton e de Amsterdão têm comprovado a existência da forte interligação entre o ser humano e a natureza (Campbell, 2005). As mesmas experiências demonstraram que as pessoas podem afetar o mundo físico de forma inesperada, assim como a mudança da mente humana provoca também mudanças na matéria, não havendo nenhuma mudança mental que não seja acompanhada por alterações no corpo. Os resultados destas experiências confirmaram aquilo que os antigos filósofos orientais afirmavam há séculos, reconhecendo o ser humano como parte de um todo unificado e inseparável, no qual todas as partes estão fortemente conectadas (Radin, 1989; Di Biase, 2006), através de uma relação natural entre “mind and matter, physics and metaphysics, love and fear and demonstrates how time, space and consciousness are interconnected” (Radin, 1989, p.30). Esta relação tem sido confirmada não só entre os seres humanos mas também entre os animais, através das experiências do conhecido biólogo Rupert Sheldrake que ao estudar os campos morfogenéticos, chegou à conclusão que a aprendizagem entre os animais transmitia-se de um lugar para o outro, sem haver contacto direto entre eles (Vigne, 2010).

O momento que enfrentamos, atualmente, caracteriza-se por dois grandes contrastes onde, por um lado, experiencia-se um materialismo extremo refletido

pelos grandes níveis de consumo e, por outro, nunca antes na história conseguimos chegar tão perto de compreender o ser humano e a sua natureza, como agora.

Como resultado do materialismo, vivemos hoje um dos grandes problemas, relacionado com aquilo que Crema (2006) denominou como o fenómeno da normose, sinónimo da patologia da normalidade, onde as pessoas se transformaram em normóticos, pessoas egoístas, que não sabem escutar, que veem o mundo desconectado, fragmentado, isolado, mostrando-se indiferentes perante os outros. Os normóticos, de acordo com Crema (2006), vivem separados do resto do universo, preocupados com os seus próprios desejos e com as pessoas que lhes são mais próximas. Para que o ser humano possa autocompreender-se melhor, compreender os outros seres e a natureza, da qual é parte integrante, Crema considera necessário desenvolvermos as seguintes competências: i) saber ouvir; ii) compreender, e não apenas intelectualmente, que tudo está ligado com tudo; iii) que tudo está em transformação e iv) que a terra não nos pertence, pelo contrário, nós é que pertencemos à terra.

O sistema educativo atual pouco ou nada tem investido ou investe para a promoção destas competências, reforçando ainda mais a grande necessidade da ciência se aproximar da espiritualidade para, conforme refere Chardin (1970), se tornar mais humana.

Toda a evolução humana, que temos conseguido até agora, tem demostrado que qualquer problema causado nas pessoas de uma parte do planeta tem consequências, também, nas pessoas no resto do planeta. O objetivo da educação holística é ajudar o ser humano a compreender que o universo e ele próprio, são resultados da sinergia cósmica que, conforme Weil (1990), contribui para despertar consciências e preparar os seres humanos para sair da prisão do individualismo, acumulando e utilizando a energia necessária para atingir um outro patamar de equilíbrio dinâmico e aberto, através da cooperação universal e da solidariedade cósmica que gera uma nova utopia e contribui para a sustentabilidade da natureza na qual habitam todos os seres.

Apesar das dificuldades que temos enfrentado e que, ainda, continuamos a encontrar pelo caminho que percorremos, a época que vivemos representa uma

época de transformação em relação à nossa visão sobre o mundo e sobre nós mesmos, uma vez que nunca tivemos uma vasta oportunidade de aprendizagem, de evolução, de crescimento, de descoberta, assim como nunca estivemos tão perto da vontade para querermos saber mais, sobre a nossa natureza, sobre o universo, sobre a consciência que nos levou mais próximo da nossa missão, da nossa realização, do nosso sentido de vida. Por isso, o momento que vivemos é, também, conhecido como a era da consciência (Di Biase, 2006) que nos permite transitarmos para um novo estado do ser que, segundo Crema, não deve ser entendido como “a morte da lagarta”, mas como, “o nascimento da borboleta” (Crema, 2006, p.104). Conforme Kabat-Zinn afirma, a sociedade encontra-se no meio de uma profunda revolução cultural e social conduzida por um forte desejo interior na direção do bem-estar, sentido e conexão (Kabat-Zinn, 1982).