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Filosofia da Educação Budista – Breve abordagem

Capítulo I – Filosofia da Educação

1. Filosofia da Educação

1.3. Perspetivas da Filosofia da Educação no Oriente

1.3.1. Breve Abordagem da Filosofia da Educação da India

1.3.1.2. Filosofia da Educação Budista – Breve abordagem

A filosofia budista representa um dos pensamentos mais marcantes da filosofia indiana. Tem como fundador, Gautama Buddha, conhecido como Siddhartha Gautama ou simplesmente como Buddha, é considerado um professor preocupado com os problemas da vida e dedicou a maior parte da sua vida a ajudar as pessoas a acabar com o sofrimento.

A filosofia budista fundamenta-se no Dharma, visto como o espelho que reflete as nossas mais profundas verdades interiores, as mesmas verdades que governam o universo (Yun, 2012), e mostra o caminho da libertação das ilusões. A filosofia budista tem como fundamento as leis da natureza que são aquelas que servem como padrões para medir o certo e o errado, o que é justo / verdade (dhamma) ou injusto (adhamma). Segundo os budistas, estas leis sempre existiram desde o início e não são leis estabelecidas pelos seres humanos, fazendo-nos lembrar o pensamento de Kant ou Rousseau que compreendiam da mesma forma a sua existência. Mesmo que ninguém consiga descobrir a verdade, isto não significa para os budistas que a verdade não existe ou desapareceu, ou mesmo que os seres humanos pretendam descobrir a verdade, ela pode corresponder ou não à verdade real.

No centro da filosofia budista estão as “quatro nobres verdades”, que seguem uma relação de causa-efeito, sendo a primeira e a terceira efeitos causados pela segunda e quarta verdade, respetivamente:

- verdade do sofrimento (dukkha); - verdade da origem do sofrimento; - verdade da cessação do sofrimento;

- verdade do caminho que leva à cessação do sofrimento (Yun, 2012).

O objetivo último da filosofia da educação budista é atingido seguindo as quatro verdades que contribuem para o desenvolvimento pleno da pessoa e levam a pessoa ao nível da perfeição (arahanta) e que se traduz na realização da felicidade eterna (Nibbana). Por isso, a educação é vista como o meio através do qual os alunos desenvolvem a sua sabedoria, que é parte da nossa natureza e não algo que pode ser obtido de fora. Segundo a filosofia budista, todas as pessoas têm a capacidade de desenvolver a sabedoria, através do investimento que cada um deve fazer em si, refletido na resposta que um mestre budista deu a um aluno quando este perguntou sobre qual seria o caminho a seguir.

O mestre respondeu: “A não-mente é o caminho. O aluno disse: Então estou perdido! Ao que o mestre replicou: Então, encontre alguém que não esteja perdido. O aluno questionou: Mas quem é que não está perdido? O mestre disse: Não existe ninguém além de si. Encontre-se a si mesmo!” (Yun, 2012, p.30).

A sabedoria que não pode ser memorizada é aquela que ajuda as crianças a resolverem os problemas e a prepararem-se para a vida, transformando o sofrimento em felicidade (Meshram, 2013). A diferença entre a sabedoria e o conhecimento é que a primeira é sinonimo de “ver a verdade” e o segundo significa “conhecer a verdade” (Yun, 2012, p. 22). Assim, o conhecimento é importante mas não suficiente para a libertação do indivíduo dos problemas da vida.

Uma das leis mais importantes da filosofia budista, que constitui um ponto crucial na educação, é a lei da impermanência (anicca), que subentende que nada no universo é permanente, existindo 3 condições comuns de fluxo presentes em todos os seres: o aparecimento, a existência e a desintegração. Desta forma, a educação budista explica aos estudantes que, se a lei da impermanência aplica-se a todos

os seres, não há razões para o ser humano tentar mudar o seu fluxo, procurando torná-lo permanente ou agindo como se a existência humana fosse permanente, feliz ou infeliz. Pelo contrário, a vida humana é um processo composto por uma série de flutuações, que têm como fim último atingir o estado espiritual mais elevado, que corresponde à felicidade eterna – nibbana.

Um outro aspeto fundamental da educação budista e que contribui para o aperfeiçoamento das qualidades da pessoa, é o desenvolvimento da capacidade de ver as coisas como elas são, verdadeiramente (Yathabhuta gnana). Trata-se de um estado da consciência, de não-mente (Yun, 2012) que leva a pessoa a um estado de transcendência, e que se desenvolve através da compreensão, esforço e prática de cada um. Este processo não se atinge durante um período curto de tempo. Assim como a árvore precisa de tempo e condições apropriadas para dar flores e frutos, o ser humano precisa, também, de ter as condições e o tempo necessário para progredir internamente (Ratanasara, 1995).

A filosofia budista identifica três características, que representam três estados mentais, que o indivíduo deve ultrapassar para atingir a felicidade eterna:

- o desejo (lobha) para obter as coisas do mundo exterior, que são consideradas como necessárias para satisfazer a vida e os sentidos; - a má vontade (dosa) que se traduz na atitude de realizar ou fazer algo que

leva a um estado de impureza e sofrimento interno que é projetado também nas outras pessoas;

- a ignorância (moha) que significa fazer as coisas sem compreender a sua natureza de forma correta.

Neste sentido, segundo a educação budista, apenas a aquisição do conhecimento sob a luz da sabedoria possibilita a eliminação dos três estados da mente que é percursora de todas as ações, isto é, desenvolver as qualidades opostas que abrem caminho para o alcance da felicidade, relacionadas com: i) a ausência do desejo (alobha); ii) desaprovação da má vontade (adosa); iii) desaprovação da ignorância (amoha) (Ratanasara, 1995).

Para o desenvolvimento das qualidades acima referidas, na educação budista são três os caminhos que devem ser promovidos nos estudantes:

i) Generosidade (dana) é um dos passos mais importantes da prática budista e vista como o caminho para ajudar a sair do egocentrismo. Ajuda na eliminação de estados mentais que provocam sofrimento e é uma forma de paz e felicidade.

ii) Disciplina (sila) diz respeito ao código de conduta que orienta a pessoa para um comportamento ético que pode ser traduzido em virtude, boa conduta e moralidade. É a condição para atingir o próximo passo que diz respeito à tranquilidade da mente (samadhi) que significa o desenvolvimento da capacidade para conseguir o foco da mente sem oscilações. O fim da sila representa a entrada no caminho do progresso.

iii) Meditação (bhavana) é o instrumento que permite desenvolver a sabedoria, que se divide em dois grupos principais: i) Meditação Tranquila (Samatha) que implica a concentração da mente num objeto, procurando não distraí-la com outras coisas; ii) Meditação de Insight (Vipassana) que não consiste no foco em nenhum objeto mas procura-se ficar simplesmente a observar, de forma a compreender as coisas conforme elas são. Quando a samatha é praticada, a mente atinge o estado de tranquilidade, pois consegue-se eliminar as impressões captadas pelos sentidos, e prepara a pessoa para entrar na próxima fase de vipassana. Vipassana permite à pessoa atingir a sabedoria relacionada com a natureza real dos fenómenos e a sabedoria transcendental que vai acima de qualquer conhecimento e ajuda a experienciar a lei da impermanência (Sumedho, 2013).

Por outro lado, a educação budista baseia-se em três grandes campos: i) individual, que tem por objetivo ajudar a pessoa no processo da purificação do corpo e mente para desenvolver todas as suas faculdades (kusala-indriya) em condições favoráveis para atingir a liberdade final; ii) mosteiro (monastically), que é a fundação para todas as atividades e constitui um apoio único para o desenvolvimento sobre os ensinamentos budistas no mundo; iii) social, que permite o desenvolvimento da personalidade, incluindo o desenvolvimento mental, moral, físico e intelectual e contribui para o alcançar da felicidade e da paz na comunidade (Meshram, 2013).

A educação budista é aberta e considerada um direito para todas as pessoas. O professor é alguém muito qualificado e com muita experiência na prática budista, apresentando pureza no carácter, nos pensamentos e na generosidade. O professor é responsável pelo desenvolvimento moral, físico, espiritual e mental dos estudantes, colaborando com os alunos na realização das tarefas e para ele se sentir livre, inteligente e não-violento (Meshram, 2013).

Considerado como aspeto crucial na filosofia do Yoga e do Ocidente, a liberdade ocupa um lugar central, também, na educação budista, representando o único caminho para as crianças conseguirem ver o mundo como ele é na realidade, livres de qualquer projeção mental criada pelos pensamentos ou emoções. O alcance da liberdade contribui para as pessoas agirem de forma afetiva e compassiva em relação aos outros, ajudando assim a serem mais felizes e livres. A liberdade é vista como possível de ser promovida começando no interior de cada pessoa, isto é, qualquer atitude que procure forçar a pessoa para alcançar a liberdade utilizando meios externos, para a filosofia budista, é uma contradição em si. Esta forma de cultivar a liberdade é semelhante com a filosofia do Yoga. Neste sentido, a força não é um método utilizado e tolerado na filosofia oriental indiana. A promoção da bondade, justiça, igualdade e liberdade através de métodos externos, pela regulação social, segundo a filosofia indiana, não tem valor verdadeiro. Neste sentido, a filosofia da educação indiana tem sido criticada por ser considerada uma filosofia que se opõe ao Estado, uma vez que a existência do Estado implica o uso da força para o cumprimento das leis. Sendo que os Estados recorrem a métodos externos para alcançar os seus objetivos, a filosofia do Yoga e a budista, consideram que o Estado apenas poderia contribuir para ajudar as pessoas a atingir os bens materiais. De acordo com ambas as filosofias, independentemente do nível do desenvolvimento, os Estados nunca poderiam contribuir para a disciplina da mente, pois o treino da mente não é possível recorrendo a métodos externos, mas apenas através do investimento que cada um dos indivíduos faz em relação ao treino da mente. Este investimento representa a solução para melhorar a sociedade na qual vivemos, uma vez que ambas as filosofias consideram que os problemas humanos nunca podem ser resolvidos no sistema, sem primeiro serem resolvidos e corrigidos dentro do ser humano. Por isso, uma boa sociedade não é aquela que tem um bom sistema, mas aquela que tem bons líderes e

administradores, que se preocupam com o bem-estar de toda a população (King, 2011). Esta é uma das críticas dirigidas à filosofia indiana, pelo facto de ela procurar caminhos e soluções que alimentam apenas o progresso do indivíduo, mas apresenta lacunas na relação que os indivíduos estabelecem com os Estados. Apesar de o budismo ser conhecido no Ocidente, frequentemente, como uma das tradições religiosas principais do mundo, poderíamos dizer que se trata de uma das tradições milenares mais flexíveis, uma vez que, se tivermos em consideração a forma com a religião é conhecida no Ocidente, ela relaciona-se sobretudo com um tipo de tradição dogmática e crente, uma entidade criadora e transcendente. Os ensinamentos de Buda, por sua vez, não se relacionam com nenhum ser divino e o próprio Buda era um homem comum que, conforme referimos, dedicou a sua vida à reflexão e à contemplação do mundo e todos os seus ensinamentos resultam da sua experiência e das suas capacidades contemplativas que foram analisadas e experienciadas ao longo de mais de 2500 anos de estudos monásticos e laicos. O Buda deixou uma alternativa de autoconhecimento e autocompreensão, um método experiencial que leva as pessoas compreenderem que não vivemos isolados no planeta e que tudo está interligado numa teia cósmica. Assim, a nosso ver, o budismo distancia-se das religiões monoteístas ocidentais, que baseiam a sua crença num Deus criador, num dogma enviado por Deus e divulgado por um profeta, que representa a personificação do próprio Deus, como é o caso do Cristianismo. Neste sentido, quanto mais familiarizados ficarmos com os ensinamentos de Buda, nomeadamente com o Dharma, é possível compreender a razão por que lhe é atribuída, frequentemente, a denominação de agnóstico ou não teísta (Denys, 2002).

Neste sentido todas as referências que fazemos ao longo deste trabalho sobre o budismo, procuram refletir uma perspetiva de filosofia da educação laica, mais do que uma filosofia de tradição religiosa.

É desnecessário referir a dificuldade que implica a análise das duas correntes da filosofia indiana. De qualquer forma, a breve análise que acabamos de fazer, abordando apenas alguns dos aspetos da filosofia do Yoga assim como Budista, ajudam a nos familiarizarmos com perspetivas que muito pouco são conhecidas no Ocidente. Neste sentido surge naturalmente a questão: Fará sentido filosofar sobre a educação apenas do ponto de vista ocidental ou oriental, se a filosofia da

educação se fundamenta nos mesmos princípios, no Ocidente, assim como no Oriente? Conhecendo agora os princípios mais importantes das duas filosofias orientais, uma reflexão sobre a possível integração das diferentes filosofias que trazem soluções para a pessoa, independentemente do lugar onde ele vive, considera-se relevante e imprescindível. No ponto que segue tentaremos ver uma outra característica da filosofia da educação, defendida por diferentes filósofos, que diz respeito ao seu carácter intercultural.