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Capitulo II – Educação Tradicional e Contemporânea

4. Perspetiva Relativista

A cultura ocidental foi desenvolvida na base do pensamento racional e crítico, materialista e determinista, que a partir do século XVII foi utilizado pela ciência moderna, como estrutura para a abordagem da realidade. Este pensamento afastou cada vez mais o ser humano da sua dimensão ontológica, que atingiu o seu extremo com o positivismo do século XIX. A perspetiva relativista dos valores surge precisamente como consequência do Positivismo Jurídico que teve na sua origem defensores do poder dos Estados e da sua soberania absoluta, que pretendiam o poder pleno sobre a natureza e sobre as pessoas (Trindade, 2007). O positivismo, no qual o dever e o direito se reduzem aos factos, deu origem à perspetiva relativista dos valores, que defende a existência dos valores

relacionados com uma forma particular de vida, dentro de uma determinada sociedade.

De acordo com o Departamento da Informação Pública das Nações Unidas, a perspetiva relativista afirma que os valores humanos variam de acordo com as diferentes perspetivas culturais. Apesar de se considerarem defensores dos direitos humanos, os relativistas consideram que os direitos não são universais, caso contrário seriam insensíveis às diferenças culturais transformando assim em instrumentos de opressão (Shanawez, 2010).

Os relativistas acreditam que o sentido da existência humana deve derivar da relação que se estabelece entre os indivíduos, isto é, da relação estreita entre os valores e o sujeito (Patrício, 1993), o que significa que as preferências das pessoas devem refletir, antes de mais, a identidade individual de cada sociedade. Os pragmáticos e os existencialistas, conforme já vimos, defendem as duas perspetivas filosóficas que podem estar na origem da perspetiva relativista dos valores. Para os relativistas, qualquer visão que está acima da sociedade, ao qual o indivíduo pertence, significa destruir a sociedade com que o indivíduo se identifica (Chih-yu Shih, 2002).

Uma das razões que leva os relativistas a não aceitar os valores universais é o facto de que nenhum indivíduo ou grupo de indivíduos se pode considerar capaz e qualificado para decidir o que é bom ou correto para todas as pessoas (Kinner, et al, 2000), considerando, por isso, a ideia do universalismo uma fantasia. Os relativistas defendem a ideia de nenhuma cultura ter o direito de impor os seus valores aos outros, invalidando, desta forma, o carácter universal dos valores (Barreto, Wasem, 2012, p. 7187). Os relativistas consideram ainda que a promoção de certos valores como universais, frequentemente, significa promover os valores de uma cultura dominante (Hick, 1992 em Kinner et al, 2000, p. 5). Se tivermos em consideração a história do Ocidente, esta perspetiva é bastante válida. De qualquer forma a história do Ocidente não representa nem pode substituir a história de toda a humanidade.

Tendo em consideração as suas principais prioridades, os relativistas parecem estar mais preocupados com questões políticas do que filosóficas e, frequentemente, não procuram entrar em discussão para analisar questões mais

específicas que servem para encontrar soluções para uma vivência harmoniosa no mundo, mas antes focam-se nas críticas que dirigem a outras culturas.

Se procurarmos analisar mais em detalhe a perspetiva relativista, ela pode ser vista como bastante frágil e pode dar lugar a fanatismos de diversos grupos, que na ausência dos valores comuns, se sentem livres de fazer as leis de acordo com os seus próprios interesses. A perspetiva relativista, ao focar nos interesses do indivíduo, não se mostra capaz para encontrar soluções que abrangem toda a humanidade, para uma convivência harmoniosa, pelo contrário dá origem a sociedades ou sistemas culturais fechados, que apenas se interessam no bem dos indivíduos daquela determinada sociedade, tornando-se assim indiferentes em relação a problemas que afetam o resto das culturas e países (Mannheimer, 2009, p. 14).

Segundo os relativistas, a validade do direito não depende da validade de uma norma ou princípio de justiça, considerando, por isso, as normas universais como inválidas (Bedin, 2014). Se aplicarmos este princípio aos direitos humanos, os relativistas teriam assim de afirmar que apenas algumas pessoas podem gozar os direitos humanos sendo que eles se opõem ao caráter universal dos valores, pensamento este que pode dar origem a conflitos e abrir espaço para o acolhimento de uma perspetiva etnocêntrica, através da qual seria impossível o processo da universalização dos direitos humanos, invalidando, assim, a possibilidade de um diálogo intercultural, no qual seriam integradas e refletidas as perspetivas de todas as culturas. Uma perspetiva etnocêntrica nunca seria capaz de defender os direitos humanos, pois entra em conflito com os fundamentos de culturas, uma vez que, para a definição dos direitos humanos, é importante identificar os valores que se aplicam a todos os seres humanos e não apenas à cultura ocidental (Barreto, Wasem, 2012).

A perspetiva relativista abriu espaço para os regimes autoritários, ditatoriais e totalitários, segundo os quais o direito acaba por ser reduzido a uma ordem estabelecida. Através desta perspetiva abriu-se espaço para o aparecimento de sistemas fechados, que apenas procuram servir a sua população e onde os outros não tem lugar (Droit, 2008). Assim escreve o jurista Trindade, sobre as consequências do poder do Estado:

Qualquer pretendida renúncia pelo Estado dos direitos inerentes à pessoa humana seria contrária (…) à ordre public internacional, e estaria desprovida de quaisquer efeitos jurídicos. Afirmar que isto ainda não estava reconhecido à época da II Guerra Mundial (…), - uma visão própria da velha postura positivista, com sua inevitável subserviência ao poder estabelecido, - seria, a meu ver, infundado. Equivaleria a admitir que os Estados poderiam perpetrar crimes contra a humanidade com total impunidade, que poderiam sistematicamente perpetrar massacres, humilhar e escravizar grupos de pessoas, deportá-las e submetê-las a trabalho forçado, e então escudar-se por detrás de uma cláusula de renúncia negociada com outro(s) Estado(s), e tentar resolver todas as contendas por meio de tratados de paz com seu(s) Estado(s) contraparte(s) (Trindade, 2007, p.54).

No fim da década de 60, após a Europa ter perdido o direito das colónias, como resultado da revolução estudantil que foi apoiada por vários intelectuais ocidentais, a perspetiva realista deu origem a uma nova forma de colonialismo ocidental dos valores conhecido como Eurocentrismo (Mannheimer 2009), que reconhece a Europa como o centro da cultura do mundo. Segundo Goody (2008), o eurocentrismo é um sistema ideológico que procura sustentar o processo da passada colonização territorial e da atual colonização cultural. No entanto Goody defende que muitas das invenções e criações conhecidas como europeias, foram na verdade copiadas e até roubadas pelas outras civilizações.

Embora seja frequente observar no mundo atual movimentos políticos que defendem as culturas regionais, e apesar da relevância da perspetiva relativista sobre a promoção de um pensamento flexível e a possibilidade de conhecermos as diferentes realidades entre as culturas e sociedades, que são parte do mundo em que vivermos, a perspetiva relativista tem-se mostrado injustificável (Trindade, 2007), e “condiciona como limita a visão do inteligível, a identidade com o objeto, a sensibilidade estética, a noção de alma, de consciência e de lei natural, ou seja, a experiência transpessoal” (Torres, 2006 em Di Biase, 2006, p.84).

Se partirmos do pressuposto que os parâmetros universais são inválidos, e neste caso a ética e moralidade são relativas, que critérios morais podem ser utilizados para condenar o holocausto, as bombas nucleares, a poluição atmosférica, as

guerras entre os países, o abuso infantil, a escravatura, os regimes ditatoriais, a tortura, a criminalidade, etc.?

Não parece errado concluir que a perspetiva relativista nega a existência da paz, do amor, da felicidade, da tolerância, do respeito, da compaixão que são vistos e considerados como princípios universais e necessários para a vida de todas as pessoas. Apesar dos seres humanos manifestarem estes valores de forma diferente na forma de estar e nas relações que estabelecem com as outras pessoas e a natureza, variando a sua forma de expressão, de pessoa para pessoa, na sua essência eles são procurados por cada um e são inseparáveis da vida.

No que diz respeito particularmente à educação, Patrício (1993) refere que o relativismo é visto como um obstáculo no quotidiano do trabalho do professor. Devido à dificuldade de escolhas, entre os valores relativos e universais, os professores vivem numa tensão e ansiedade que dificulta o seu trabalho relativamente às escolhas a fazer e às práticas que devem adotar. Por isso, a educação, segundo Patrício, ficou esvaziada de valores, “Sob o pretexto de que é perigoso endoutrinar, inculcar valores, pugna-se pelo esvaziamento axiológico da acção educativa” (em Carvalho, 2013, p. 22 - 23). Desta forma, segundo Pring, o sistema educativo não tem conseguido afirmar um consenso sobre que valores devem ser promovidos na educação, realçando que a dificuldade não está relacionada com o desacordo sobre o consenso em si, mas tem a ver com a afirmação pública do reconhecimento e deliberação institucional sobre esse consenso ético para a educação (Carvalho, 2013). Todas as escolas promovem e estabelecem regras e valores para o seu bom funcionamento e o cumprimento do seu propósito como: não-violência, respeito, pontualidade, obediência, etc., que não são vistas pelos agentes educativos como um processo de endoutrinamento ou imposição moral, considerando desta forma, de incoerência pragmática assumir a existência deste tipo de regras desprovidas de moralidade.

A adoção da perspetiva relativista pela filosofia da educação significa dar prioridade e focar-se nas escolhas de cada sujeito, deixando ao critério de cada professor e das suas referências valorativas e subjetivas, a abordagem de temas associados à ética e aos valores, negando a existência de um código de conduta que orienta o comportamento e a atitude de todos os agentes educativos e alunos. Ao mesmo tempo, a filosofia da educação ficaria sujeita a um relativismo que leva o aluno a

acreditar que, na ausência dos princípios universais, ele pode adaptar a sua atitude e o comportamento, à sua hierarquia pessoal de valores, pois não lhe é apresentada uma hierarquia dos mesmos, associada a princípios éticos de ordem superior (Marques, 1997).

As críticas que aqui dirigimos à perspetiva relativista não pretendem invalidar a sua relevância em todos os contextos, mas pretendem fazer refletir acerca das suas limitações e inaplicabilidade em contextos que ultrapassam a escala nacional ou europeia, ou quando procuramos refletir sobre o propósito da educação para contribuir com a preparação de cidadãos do mundo que olham para a humanidade como um sistema único e inseparável com as suas próprias regras e leis.