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Educação Exemplo de um valor universal

Capitulo II – Educação Tradicional e Contemporânea

5. Perspetiva Universalista

5.1. Educação Exemplo de um valor universal

Um dos exemplos mais óbvios e consensuais de um valor universal é a própria educação, isto é, todas as pessoas, independentemente da cultura, religião, raça ou etnia, de viverem no Ocidente ou Oriente, têm o direito à educação e esta, por sua vez, é a garantia para que haja direito (Muniz, 2002).

A educação é um dos direitos fundamentais do ser humano, intimamente ligado ao direito à vida e constitui um instrumento fundamental para a realização humana. A educação, enquanto direito universal, tem sido enfatizada na Declaração Universal dos Direitos do Homem, conforme previsto no seu artigo 26º:

Toda a pessoa tem direito à educação. (…) A educação deve visar à plena expansão da personalidade humana e ao reforço dos direitos do Homem e das liberdades fundamentais e deve favorecer a compreensão, a tolerância e a amizade entre todas as nações e todos os grupos raciais ou religiosos, bem como o desenvolvimento das atividades das Nações Unidas para a manutenção da paz.

A Declaração Universal dos Direitos do Homem reforça ainda a necessidade da utilização da educação como meio para promover o reconhecimento e a aceitação de outros direitos humanos, que é da responsabilidade de todos os Estados:

A presente Declaração Universal dos Direitos do Homem, como o ideal comum a ser atingido por todos os povos e todas as nações, com o

objetivo de que cada indivíduo e cada órgão da sociedade, tendo sempre em mente essa Declaração, se esforcem, através do ensino e da educação, por promover o respeito a esses direitos e liberdades (n.g.), e pela adoção de medidas progressivas de caráter nacional e internacional, por assegurar o seu reconhecimento e a sua observância universal e efetiva, tanto entre os povos dos próprios Estados-Membros quanto entre os povos dos territórios sob sua jurisdição.

A utilização da educação como fundamento para a realização de outros direitos, como a liberdade, segurança, bem-estar, desenvolvimento humano, entre outros (Annan, 1999), está também referida na Declaração de Viena (1993):

Todos os direitos humanos são universais, interdependentes e interrelacionados. A comunidade internacional deve tratar os direitos humanos globalmente, de modo justo e equitativo, com o mesmo fundamento e a mesma ênfase. Levando em conta a importância das particularidades nacionais e regionais, bem como os diferentes elementos de base históricos, culturais e religiosos, é dever dos estados, independentemente de seus sistemas políticos, económicos e culturais, promover e proteger todos os direitos humanos e as liberdades fundamentais (p. 4).

Delors (2004) considera a educação um bem coletivo e o instrumento mais importante para a construção da cidadania e do desenvolvimento integral da pessoa. Apenas uma educação universal e igualitária pode cumprir as obrigações do Estado e garantir a dignidade da pessoa humana. Existe uma estreita ligação entre o Estado Democrático de Direito e a educação, pois sem a educação não seria possível a sua existência e manutenção (Teixeira, 1996).

A educação, e qualquer direito universal, ultrapassa qualquer nação e é anterior à existência do próprio Estado, isto é, os direitos universais não têm como autor nenhum Estado ou organização, apenas se exige deles a defesa, o respeito, a proteção, a promoção e não a destruição de algo criado pela natureza e pelas suas leis que todos herdamos, de forma a garantir o seu pleno exercício por todos os cidadãos, sem qualquer distinção étnica, racial, social ou geográfica.

Vários filósofos, desde o tempo da Grécia antiga, têm defendido que a origem dos direitos universais está no direito natural, que significa algo estabelecido pela natureza e que tem como fundamento a lei natural, que é possível de ser descoberta na natureza das coisas e é distinta das leis humanas que são variáveis e fundamentam-se nos contratos sociais (Bedin, 2014). Trazemos, de seguida, alguns exemplos de filósofos que têm defendido e definido o direito natural. Heráclito, por exemplo, defendia uma lei natural e eterna, comum a todos, que regulava todo o Universo e Aristóteles, por sua vez, defendia um Direito Natural Cosmológico, equivalente à Lei Natural que reflete as leis da natureza, tem validade universal, e não precisa de ser sujeito à validação do homem (Magalhães (sd)7, Bedin, 2014). Na doutrina dos Estoicos8, o direito natural representava a força da natureza que regulava tudo. De igual modo, Cícero, considerava-o como inquestionável, imutável, eterno e universal, válido para todas as nações em todos os tempos (Trindade, 2007) e para Aquino, o direito natural tinha um carácter universalista, pois estabelecia a ordem do universo e aplicava-se a todos (Trindade, 2007).

O carácter universalista do direito natural foi reforçado nos séculos XVI e XVII, com Francisco de Vitoria e Suarez que consideravam que apenas através do respeito e da responsabilidade que cada um deve ter em relação aos outros, seria possível uma evolução da civilização (Trindade, 2007).

Locke (1954) considerava que os direitos naturais fazem parte da categoria dos direitos válidos para todos os seres humanos, anteriores à existência do Estado, ou poder político, e ultrapassam qualquer vontade de homem. Segundo Locke, o direito natural tem um caráter transcendental, sendo nesta transcendentalidade que se fundamenta o reconhecimento da lei da natureza pelo homem. Para Locke todas as pessoas são iguais e todos têm direito à vida e à liberdade, sendo ambas, segundo ele, parte do direito natural, que é a condição necessária para uma convivência pacífica entre os seres humanos. Locke considerava a existência da

7 Quando os artigos ou documentos consultados não tem referência do ano, colocou-se (sd), significando “sem data” no caso da língua portuguesa e (nd) “no date” no caso da língua inglesa. 8 A filosofia estoica desenvolveu-se a partir do século III a.C. e defendia que a felicidade podia ser conseguida em reconciliação com a natureza, sendo o próprio homem também natureza, que ao mesmo tempo a interpreta e modifica por meio dos seus pensamentos, palavras e ações.

diversidade de opiniões sobre um determinado assunto, um reforço da sua existência. As dúvidas sobre a existência das leis da natureza apenas se colocam quando há a presença de egoísmo, ou de princípios de conduta errados que, segundo Locke, podem causar um estado de guerra. Se todo o universo é governado por leis, o ser humano enquanto parte dele, segundo Locke, também não poderia ser exceção. Sem a lei da natureza, o ser humano não seria capaz de reconhecer a virtude ou de agir de acordo com o bem, mas viveria apenas de acordo com a sua vontade e procurando o seu prazer.

Kant define o Direito Natural como “o conjunto de princípios universais, absolutos, perfeitos e imutáveis, derivados da própria razão humana, que regem a conduta do homem” (Kant, 2001, p. 102). Inspirado no Direito Natural, Kant desenvolve o conceito da “máxima universal” que entende como princípios subjetivos de conduta, que têm como objetivo dar orientações acerca da forma como devemos agir (Kant, 2007). As leis universais que estão na origem de todos os fenómenos, para Kant, são proposições que apresentam uma ação como objetivamente necessária para todos os indivíduos dotados de razão. Para Kant torna-se imprescindível que as leis universais deviam tornar-se um imperativo que pudesse ser respeitado por todos os seres humanos, sem nenhuma exceção, traduzindo-se da seguinte forma: “Age como se a máxima da tua acção se devesse tornar, pela tua vontade, em lei universal da natureza” (Kant, 2007, p.59). Desta forma, Kant pretende demonstrar que as leis universais podem ser definidas a priori e constituem a condição da moralidade das ações e atitudes que podem ser consideradas como aplicáveis universalmente, ou seja, válidas de modo geral para todos e não condicionadas pelas circunstâncias (Kant, 2007).

Mais recentemente, Jullien (2014) considera o direito natural como a fonte de todos os outros direitos e, apesar das diversas implicações que teve a liberdade de agir do homem no surgimento de vários direitos subjetivos, sustenta que o propósito dos direitos humanos é inteligível nas diversas culturas.

Todas estas referências demonstram claramente que a educação, enquanto processo contínuo e multidimensional, é o instrumento por excelência para a promoção dos direitos humanos, comuns a todas as culturas e sociedades, e apresenta a garantia para uma vida pacífica, igualitária e convivência harmoniosa.

Sendo o dever e a responsabilidade de todos os Estados respeitarem a Declaração Universal dos Direitos do Homem, é também da responsabilidade da ONU apoiar e exigir dos Estados o investimento na educação como meio que garanta o respeito dos princípios universais aplicáveis a todos, não devendo tolerar qualquer tentativa ou intenção de desrespeito por parte de indivíduos, organizações ou Estados que coloquem em risco a sua existência, fragilizem um convívio pacífico e harmonioso e não promovam o combate à exclusão e injustiças sociais.

Apesar daquilo que se diz e que se propõe, atualmente ainda continuamos a testemunhar situações em que as orientações da Declaração Universal dos Direitos do Homem não são respeitadas. Não são poucos os casos em que podemos verificar a falta de coerência entre a teoria e a prática, entre a promessa e o dever dos Estados em criar condições que garantam que todas pessoas gozam dos seus direitos universais, sendo, frequentemente, os próprios Estados aqueles que mais desrespeitam os direitos humanos.

Como consequência da educação contemporânea, que muito tem investido nas tecnologias e nos meios de comunicação, as pessoas estão cada vez mais próximas, física e virtualmente, mas ao mesmo tempo estão cada vez mais distantes, emocionalmente e espiritualmente, pela ausência de princípios universais que as unam, sendo vista a diversidade como uma lacuna e obstáculo de convivência. Veremos de seguida qual é a justificação sobre a necessidade da abordagem dos valores universais na educação, quais os cuidados a ter e os possíveis desafios, considerando esta necessidade ainda maior na sociedade atual globalizada.