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Capitulo II – Educação Tradicional e Contemporânea

5. Perspetiva Universalista

5.2. Valores Universais na Educação

Tendo em consideração que a educação assume um papel central e constitui uma das ferramentas mais importantes e poderosas para tornar o mundo melhor e mais pacífico (Dalai Lama, 2001), falar da educação não seria possível sem incluir os valores universais, se o objetivo é desenvolver nas crianças o sentido de responsabilidade para com os outros, não se concentrando apenas nos interesses individuais, mas expressando-se em ações, através do exemplo que damos.

Apesar das dificuldades enfrentadas em relação à forma de abordagem dos valores universais na educação, elas não podem servir de razão ou justificar a sua exclusão, uma vez que isso representaria, de acordo com Egan (1979), um ato que descaracteriza a prática educativa e “to believe that you can educate in a value- free environment is to believe that you can love non-emotionally” (em Carvalho, 2013).

Hiebert & Hiebert (1991) têm defendido que a educação deve ter uma perspetiva neutra em relação à abordagem dos valores. Se defendermos esta perspetiva e se estivermos preocupados em não cometer nenhum juízo de valor em relação à inclusão dos valores universais na Educação, devemos também lembrar que, mesmo a crença que defende a sua não inclusão na educação, é por si baseada num juízo de valor. Como consequência, não é de estranhar que os estudantes acabem por abraçar a opção mais fácil, isto é, o padrão do hedonismo e do relativismo moral, que contribuem para os alunos serem educados na base de valores que dependem da crença de cada um dos professores (Hiebert & Hiebert, 1991).

Algumas das consequências resultantes dos avanços científicos, que é o maior contributo dado pela educação contemporânea, têm sido a preparação de cientistas e engenheiros que trabalham para as forças armadas, que produzem e desenvolvem meios de cada vez mais sofisticados para a destruição da humanidade (Capra, 1989). Estas consequências podemos ver refletidas, também, na seguinte passagem de Dalai Lama:

Quando vi os fornos nos quais milhares de seres humanos, exatamente iguais a mim foram queimados (…), o que mais me chocou foi compreender que estes engenhos foram construídos com cuidado e atenção por profissionais hábeis. (…) é precisamente assim que agem os designers e os fabricantes de armas modernas dos dias de hoje. Também eles estão a inventar os meios para destruir milhares, senão milhões de seres humanos seus semelhantes (Dalai Lama, 2001, p.153- 154).

Maslow (1968) referia que, para além das necessidades básicas, como comida, abrigo, roupa, existem outras necessidades maiores que são necessárias para uma

vida feliz, que dizem respeito às necessidades relacionadas com a autorrealização moral. Assim os valores como: serviço, amor, justiça, paz, cooperação, entre outros, que são de natureza universal, dizem respeito a necessidades que condicionam a felicidade e o desenvolvimento de cada um.

O próprio sentido da vida reside na realização dos valores, valores esses que, conforme Kant defendia, não procuram satisfazer as necessidades específicas de cada indivíduo, mas focam-se nos objetivos comuns, no “bem universal” (Kant, 1986, p.10). Conforme Kant (1999) defende, é importante que a educação ajude as crianças a perceberem que a lei deve vir de dentro de nós e não deve ser apenas uma obediência pacífica às forças externas, fazendo-o através de um ato consciente, que procura o aperfeiçoamento enquanto o fim último do ser humano. Agir de acordo com os valores universais, segundo Kant, significa ter consciência, pois ela é “a referência de nossas ações a esta lei” (Kant, 1999, 107).

Para que a educação consiga cumprir o seu propósito, conforme referido no ponto anterior, é imprescindível o apoio dos Estados e líderes políticos de cada nação que, para Kung, deve ser expandido para além das responsabilidades nacionais. Seria possível que uma sociedade definisse as suas próprias leis, sem ter em consideração os valores universais? Seria possível haver a coexistência de diversas culturas, sem a aceitação dos valores humanos básicos, como a não- violência, honestidade, bondade, compaixão, amor, cooperação? A resposta está clara no pensamento de Kung que, para este propósito, introduz os conceitos “world society and world domestic politics” (Kung, 1991, p. 85), procurando enfatizar a necessidade de respeitar a ética universal. Da mesma opinião é também Huntington (1996), que acredita que para evitar os conflitos entre diferentes nações, assim como entre diferentes grupos da mesma nação, é necessário procurar e promover os valores comuns entre as diferentes civilizações. Tendo como fundamento todos os seres humanos e tratando todos de forma humana, a educação deve inspirar-se na ética global que procura uma base comum da ética das diferentes culturas, considerada como a regra de ouro da humanidade e reconhecida como “the most obvious candidate for any list of universal moral values” (Kinner et al, 2000, p. 7).

Segundo Panikkar (2007), a universalização dos direitos humanos precisa do apoio de diferentes Estados e culturas para construírem uma linguagem comum, que não

se baseia na negociação dos valores ou dar mais importância a algumas culturas em relação às outras, mas consiste na apoio que podem dar à educação sobre a definição e implementação de princípios comuns que são válidos para todos os povos. Esta autorreflexão procura “elevar os direitos humanos a um patamar comum moral e jurídico universal, (…) na defesa e na proteção do ser humano em todas as suas dimensões e no combate a todas as formas de opressão e de avilamento deste ser nascido” (Jullien em Barreto, Wasem, 2012, p. 7212).

Panikkar utiliza a metáfora das janelas para demonstrar que cada cultura precisa da outra para conseguir chegar a uma convivência harmoniosa e quando uma cultura dificulta a comunicação com as outras culturas, demonstra apenas a sua incompletude.

Os Direitos Humanos são uma janela através da qual uma cultura determinada concebe uma ordem humana justa para seus indivíduos, mas os que vivem naquela cultura não enxergam a janela; para isso precisam da ajuda de outra cultura, que por sua vez, enxerga através de outra janela. Eu creio que a paisagem humana vista através de uma janela é, a um só tempo, semelhante e diferente da visão de outra. Se for este o caso, deveríamos estilhaçar a janela e transformar os diversos portais em uma única abertura, com o consequente risco de colapso estrutural, ou deveríamos antes ampliar os pontos de vista tanto quanto possível e, acima de tudo, tornar as pessoas cientes de que existe e deve existir, uma pluralidade de janelas? A última opção favorecia um pluralismo saudável (Barreto, Wasem, 2012, p. 7199).

Segundo Droit (2008), a intenção global, que defende os direitos humanos, não pertence a nenhuma cultura específica, mas é a vontade de todos, manifestada em todas as épocas. Embora não haja dúvidas acerca desta perspetiva, no sentido de encontrar um caminho para a concretização e implementação dos valores universais, sinónimo de direitos humanos, a nível mundial, a educação enfrenta vários desafios, quer pelo facto de os valores constituírem um tema sensível (Schmidt & Walach, 2014), assim como para evitar possíveis conflitos no processo da tomada de decisões.

Dois fatores, refere Droit, devem ser tidos em consideração para facilitar este processo. O primeiro relaciona-se com a forma como é compreendido o indivíduo nas diferentes culturas. Conforme já referido anteriormente, na cultura ocidental o indivíduo é visto como o ponto de referência, ocupando o lugar central na sociedade, ao contrário do que acontece nas culturas ou civilizações orientais, que privilegiam e têm como ponto de referência, a comunidade. Por isso neste processo, segundo Droit (2008), a educação deve ter em consideração este facto, para inculcar nos alunos o pensamento que não defende mais os direitos relacionados com os interesses do indivíduo e menos com os da comunidade da qual ele faz parte.

Um outro ponto sensível a considerar neste processo, para Droit, diz respeito à fronteira que existe “entre as liberdades individuais e as normas coletivas” (2008, p. 64). Várias culturas pré-estabeleceram, ao longo da história, algumas regras estritas como a modéstia, comportamentos sexuais, o respeito pelos pais e pelos mais velhos, a divisão do trabalho entre a mulher e o homem, que são observadas na vida do comportamento do indivíduo. A vida ocidental, em geral, não tem tido em consideração essas regras ou papéis, e por isso a educação deve ser um meio que facilita este processo, educando as crianças, desde cedo, sobre o propósito de vida de cada um e sobre a importância que as outras pessoas têm na concretização deste propósito. Segundo Droit, as soluções dependem das escolhas que fazemos e decisões que tomamos, relacionadas com a visão aberta ou fechada de cada cultura e indivíduo sobre a civilização do futuro.

Para isso, a prática educativa deve incluir abordagens e desenvolver ferramentas que procurem olhar o individuo a partir das conexões que estabelece com os outros seres humanos e com a natureza, de forma a contribuir para o seu fortalecimento, compreendendo que não há pessoas isoladas, mas todos são orientados pelos mesmos valores (universais/espirituais), que não são meras projeções da natureza individual de cada um de nós, mas têm origem na natureza básica.

A violência que hoje se testemunha nos ambientes escolares e na sociedade, em geral, é resultado da negação de valores comuns, que tem contribuído para as pessoas não se sentirem membros de um todo comum, da humanidade, tendo o individualismo moderno expulsado os afetos e aberto espaço para a intolerância de diferentes naturezas (Soares, 2015).

Apesar das dificuldades enfrentadas para a implementação dos valores universais, existe sempre o potencial para encontrar novas soluções e, neste sentido, a educação precisa do apoio dos media, da política, da economia, e da harmonia entre as culturas e as religiões (Dalai Lama, 2001).

A construção da paz apenas pode ser conseguida através do investimento na educação, que cria condições para a construção de um diálogo que se aplica em diferentes condições e circunstâncias e constitui “uma sagrada comunhão, sem a qual não pode subsistir verdadeiramente nenhuma comunidade humana” (Panikkar, 2007, p. 98). Hadot (1995) considera o diálogo como uma das práticas espirituais mais rigorosas da filosofia e um exercício espiritual que nos permite estarmos abertos para mudar, descobrir e colaborar com os outros. Freire (1987) define o diálogo como um encontro entre as pessoas, mediado pelo mundo na abordagem das realidades culturais, linguísticas, epistemológicas e ontológicas do seu mundo. É um ato de criação e requer, de acordo com Freire, a presença de valores comuns, como o compromisso em relação aos outros e ao mundo, humildade, fé, esperança, confiança nos outros e na humanidade para nos tornarmos totalmente humanos. Para outros autores (Bai, et, al 2014), o diálogo reflete, mais profundamente, a diversidade intelectual e cultural da humanidade. A promoção do diálogo pela educação não pode seguir o mesmo método que foi utilizado pelo Ocidente como forma para garantir a sua posição soberana, priorizando apenas uma cultura (Jullien, 2014). Por isso, é imprescindível que os alunos aprendam desde cedo a importância do respeito pelos princípios comuns que ultrapassam os interesses particulares e servem aos interesses de todos os seres humanos que partilham o mesmo planeta, a casa comum que todos devem cuidar.

Se analisarmos mais em detalhe a origem das diferenças, elas não se aplicam apenas às nações, culturas, grupos, tradições ou religiões, mas são inerentes a cada ser humano (Panikkar, 2007). É possível testemunhar estas diferenças dentro de cada ser, nas nossas famílias, entre os irmãos, os amigos, no grupo, na escola ou na comunidade, isto é, em todo o lado. É neste sentido que Panikkar afirma que o diálogo precisa de começar com a própria pessoa, que é parte essencial do universo. O papel da educação é ajudar os alunos a compreenderem que o diálogo é um processo que continua para toda a vida e implica uma comunicação interior

mais do que exterior para conseguirmos “uma humanidade plena” (Panikkar, 2007, p. 41). Este diálogo deve ser estendido ao diálogo com a Terra, através do qual conseguimos descobrir que “a Terra é algo mais que uma massa morta que dá voltas em redor de outra massa maior (…). A Terra inteira diz-nos que o nosso destino está ligado a ela.” (p.45). A este diálogo com a Terra, Panikkar chama de Ecosofia e diz respeito à consciência da inseparabilidade que existe entre os seres humanos e a terra.

Mas tem a educação contribuído para a promoção da consciência dos alunos sobre a evidência desta inseparabilidade entre os seres humanos e a natureza? Tem a prática educativa contribuído para aproximar os alunos à natureza? Quais os impactos e que instrumentos são utilizados para experienciar esta conexão? Procurar-se-á refletir sobre estas questões no ponto que se segue.