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Capitulo II – Educação Tradicional e Contemporânea

6. Educação e Natureza

A época em que vivemos, conhecida por muitos como a era do conhecimento, é caracterizada pelos grandes avanços do ponto de vista científico e tecnológico, tendo deixado marcas também na educação e principalmente na relação entre a educação e a natureza.

Embora os seres humanos sejam parte da natureza e vice-versa, uma vez que, conforme Weil refere “integramos a natureza ao mesmo tempo em que ela nos integra” (2007, p.92), a educação tem ignorado esta integração e tem contribuído para o desrespeito pela natureza, que é refletida no comportamento do indivíduo e das sociedades. De acordo com Ferry, a natureza parece constituir uma “letra morta” para os humanos. “Ela não nos diz nada porque deixámos há muito (…) de lhe atribuir uma alma e de a crer habitada por forças ocultas (Ferry, 1993, p.17). Preocupado com a separação do homem e da natureza, Ferry refere que o desrespeito do homem para com a natureza pode ser explicado pelo facto de “o humanismo moderno foi levado a atribuir apenas ao primeiro a qualidade de pessoa moral e jurídica” (Ferry, 1993, p.18).

Para Pessoa, conforme referido por Borges, a natureza é livre da “personalidade” e do “nome” que as pessoas lhe tem atribuído, reduzindo-a a uma “pura

exterioridade, sem um interior, sem um dentro”, uma vez que ela não tem significado, mas tem sim existência, sendo “por si só uma perfeição (…) existindo sem explicação e sem razão” (Borges, 2017, p.56). Para sentir plenamente a Natureza, Pessoa procura despir-se do que aprendeu, para voltar a ser aquilo que realmente é, que lhe permite ver que afinal “a Natureza não existe”. Aquilo que existe são apenas “montes, vales, planícies”, árvores, flores, ervas, rios e pedras, sem “um todo a que isso pertença”, pois “um conjunto real e verdadeiro/ é uma doença das nossas ideias” e a “Natureza é partes sem um todo” (Borges, 2017, p. 57).

A educação contemporânea tem ensinado partes da natureza, tendo contribuído para distanciar o ser humano, em vez de o alertar e educar, sobre os cuidados a ter nas suas ações e no relacionamento que estabelece com ela, uma vez que os comportamentos irresponsáveis comprometem não só a natureza, mas também a sobrevivência da sua própria espécie. A educação contemporânea tem ignorado a perspetiva naturalista, realista e pragmática da educação, que considera a natureza e a experiência como os únicos caminhos que permitem a aprendizagem e desenvolvem a liberdade nas crianças (Rousseau, 1995), para não falar da indiferença sobre as perspetivas Budistas e da escola do Yoga na filosofia da educação.

Defensor da ideia de que a vida humana das gerações futuras e do planeta não deve ser arriscada pelos interesses políticos ou pelos avanços tecnológicos, apesar de estes últimos serem considerados como inevitáveis, Jonas (1995) alerta para a necessidade de uma ética de responsabilidade que não permite atitudes que coloquem em risco a vida humana e planetária e que são do interesse de todos. Neste sentido, Jonas considera como dever da educação contribuir para a sustentabilidade do planeta, onde o ser humano, enquanto parte intrínseca da natureza, deve sentir o dever da responsabilidade para encontrar soluções sobre uma convivência coletiva que, atualmente, se encontra ameaçada pelos avanços científicos. O sistema atual de ensino sustenta-se numa ética tradicional que é caracterizada por uma visão bastante antropocêntrica, considerando a natureza como um meio que pode ser dominado, utilizado e controlado para concretizar os objetivos dos seres humanos. A natureza passou a ser apenas, conforme Beckert refere, o espaço onde se estabelece a “relação homem-homem no interior da pólis”

(Beckert, 2012 p. 103) não tendo, desta forma, a capacidade de depositar na responsabilidade a devida importância para fazer face aos grandes desafios que a natureza enfrenta. Segundo Jonas, os seres humanos, através do seu poder, alteraram o conceito da necessidade natural e, em vez de ser a natureza o limite da técnica, passou a ser a técnica o limite da natureza (Beckert, 2012), que a altera e a força sem respeitar as suas capacidades. Este facto está refletido em três dimensões principais:

I. a dispersão que ultrapassa a escala da pólis, tornando impossível a definição da escala das suas consequências;

II. a irreversibilidade da ação humana na natureza, que dificulta o combate dos fenómenos que têm na origem os avanços da tecnologia que, por sua vez, abre espaço para

III. a cumulação que “inviabiliza o restabelecimento do equilíbrio inicial” (Beckert, 2012, p. 103).

A educação contemporânea tem contribuído para uma visão individualista e mecanicista do mundo. Por consequência, as pessoas começaram a compreender a natureza como uma máquina, composta por entidades materiais mensuráveis, sendo assim possível explicar o seu funcionamento em função das suas partes. O capitalismo alinhado com o reducionismo científico e a tecnocracia, ao longo das últimas décadas, tem espalhado a ideia de que a natureza existe para servir as necessidades e os interesses do ser humano e que a qualidade da vida “is measured in terms of how quickly raw nature is converted to human use” (Miller 1997, p. 15). Desta forma, o objetivo principal é contribuir para o progresso e o conforto do ser humano, por isso, o investimento em iniciativas que procuram o domínio da natureza não conhece limites, nem obstáculos.

O capitalismo, com a sua perspetiva materialista, tem procurado controlar, cada vez mais, a natureza, sendo este um dos fatores principais que está na origem de um dos problemas que a sociedade enfrenta atualmente – o afastamento da pessoa da sua própria essência e a desintegração da família e da vida comunitária (Miller, 1997).

Todas estas razões procuram demonstrar a necessidade para a mudança de paradigma da educação, introduzindo no sistema educativo uma nova forma de

olhar para a natureza, ajudando os alunos a compreender que os seres humanos e a natureza são inseparáveis e, por isso, torna-se urgente refletir sobre soluções para os grandes desafios e os problemas que o homem tem causado, tendo como fim a conservação da natureza, protegendo-a de qualquer ameaça que a coloca em risco (Jonas, 1995). As soluções deste novo paradigma, conforme Jonas alerta, não devem depositar a responsabilidade no ser humano visto de forma isolada, sendo que os indivíduos, isoladamente, não teriam a possibilidade de encontrar soluções para uma dimensão planetária. A solução deve ultrapassar a escala individual da ação para uma escala universal, encontrando soluções que priorizem a mudança de comportamentos e atitudes, fundamentada nos valores universais, na responsabilidade e solidariedade, procurando o envolvimento dos Estados, que devem investir na educação de forma a responder aos desafios que nos esperam. Neste sentido, é importante que o sistema educativo tenha em atenção que apesar de o conhecimento assumir uma dimensão importante, apenas quando este é transformado em sabedoria, conforme referimos na filosofia da educação budista, será possível ao ser humano compreender-se a si próprio como um ser em constante conexão com os outros seres e com a natureza, como a sua parte integrante. Apenas utilizando a sabedoria, respeitando e vivendo em harmonia com a natureza e as suas leis, o ser humano poderá compreender que o investimento na defesa da natureza e da sua sustentabilidade significa investimento na sua própria sobrevivência e conforto. Conforme Kant também refere (1986), os homens apenas podem procurar o sentido da ação humana na natureza, que será melhor compreendida quando os homens “encontrarem” as suas leis, os valores universais, sem as quais a sua existência não faria sentido. Kant procura fazer os homens compreenderem que nunca seria possível o homem chegar à perfeição distanciando-se da natureza.

Neste sentido, a natureza deve ser compreendida, conforme referido na Declaração das Responsabilidades Humanas para o Desenvolvimento Sustentável e a Paz da Universidade da Costa Rica, como “parte do desenvolvimento de um universo interdependente. Todos os seres pertencem a esse universo, têm uma origem comum e seguem caminhos concomitantes. Consequentemente, a evolução e o desenvolvimento de toda a humanidade e de cada ser humano é parte integrante da evolução do universo” (Weil, 2007, p. 52).