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Necessidade para a mudança de paradigma

Capitulo III Educação Holística

1. Necessidade para a mudança de paradigma

No mundo de hoje, que se caracteriza por grandes e constantes mudanças, em que a velocidade de informação nunca foi tão rápida e a comunicação entre as pessoas nunca foi tão eficaz como atualmente, ao mesmo tempo, é uma comunicação que nunca foi tão individualista e tão desprovida de valores e da ética, torna-se urgente superar ou melhor complementar o paradigma moderno da educação, com uma nova visão sobre o mundo e sobre a forma como olhamos para o ser humano. As limitações do modelo newtoniano-cartesiano têm-se tornado cada vez mais visíveis nos vários problemas que a sociedade enfrenta atualmente, como os desequilíbrios sociais e espirituais, problemas de racismo e xenofobia, conflitos, guerras, distanciamento da natureza, aumento do individualismo, entre outros. O crescimento rápido do conhecimento que tem caracterizado a educação contemporânea não parece ter dado resposta à questão sobre o que é suposto fazerem os estudantes com toda esta informação. Por isso dizia Einstein que a característica da época em que vivemos é a “Perfection of means and confusion of goals” (em Maxwell, 2009, p.93).

A educação contemporânea não tem conseguido incluir e abordar vários princípios e temas refletidos nas diferentes perspetivas da filosofia de educação, entre os quais: a moralidade, ética e valores universais imprescindíveis para o desenvolvimento do carácter da pessoa; o autoconhecimento e a autorrealização que conduzem à felicidade; o cultivo da mente e da dimensão interior da pessoa, que contribuem para o desenvolvimento pleno do indivíduo; a escuta da natureza; a liberdade como garantia para os alunos aprenderem a ser; o equilíbrio entre o corpo e a mente; a experiência através da interação com os outros seres e com a natureza; a dimensão espiritual e emocional; a concentração, atenção, autodescoberta e autocompreensão; desenvolvimento da sabedoria; a realização da felicidade eterna.

Se já é mais que evidente que o modelo tradicional ocidental apresenta vários limites, trazendo consequências graves para o ser humano e para o planeta, em

geral, por que motivo continuamos ainda com o mesmo método que começou há, praticamente, quatro séculos? Segundo Weil (2007), a resposta está no facto de:

(…) esse modelo atuar sobre nós como uma espécie de droga mortal. É difícil largar o vício porque ele, ao mesmo tempo que mata, dá conforto e sensações de prazer a seus usuários. Não esqueçamos que foi sob a égide dessa forma de pensamento que os homens realizaram a Revolução Industrial, criando mercadorias e serviços que fariam inveja ao mais poderoso rei de épocas passadas (2007, p. 43-44).

Conscientes dos problemas e limitações da prática educativa atual, torna-se cada vez mais evidente a necessidade de um novo paradigma educativo que crie condições para as pessoas mudarem de atitudes, de mentalidade, para se prepararem para a vida coletiva de forma equilibrada, para serem capazes de viver em harmonia consigo mesmos, com os outros e a natureza, enquanto sua parte integrante (Araújo, 1999). O novo paradigma deve ter como foco a formação integral do aluno, que deve estar preocupada não apenas com as respostas ou os desafios imediatos mas, conforme Krishnamurti (1955) refere, contribuir para a descoberta do significado da vida e da plenitude humana, baseando-se nos pontos comuns entre as diferentes perspetivas do Ocidente e Oriente, articulando a teoria com a prática, aproximando a pessoa da natureza e envolvendo os diferentes agentes educativos, incluindo a escola, a família e a comunidade, na presença de diálogo, humildade e esperança (Rousseau, 1992; Freire, 1999). A nova visão da educação deve estar fundamentada nos princípios da liberdade e solidariedade humanas (Kant 1999; Freire, 1999), que permitem respeitar as diferenças que caracterizam os alunos, para serem os construtores e agentes transformadores da sua própria vida e da sociedade. Por isso, conforme Freire (1999) afirma, antes de alfabetizar, o novo paradigma deve desenvolver meios que se sustentam nos princípios universais dos direitos humanos e contribuem para despertar a consciência e garantirem a evolução do ser humano (Manso, 2006), ou, como refere Agostinho da Silva (2000), o novo paradigma educativo deve compreender que a alfabetização não significa ensinar a pessoa a escrever e que a educação deve apostar na promoção da criatividade e criar condições para a vivência de uma vida adulta equilibrada, do ponto de vista pessoal, social, familiar e profissional.

Apesar de ser verdade que a ciência tem conseguido atingir resultados importantes em diferentes áreas, no que diz respeito ao contributo à educação para o desenvolvimento integral do individuo, este não parece ter constituído tema prioritário na investigação.

As tentativas na educação para os valores que começaram a ter lugar nas últimas décadas no Ocidente, não têm mostrado ser suficientes para a mudança de atitudes e comportamentos disruptivos que enfrentamos, frequentemente, no ambiente escolar e na sociedade ocidental. Falar de valores, segundo Krishnamurti, é importante mas os resultados obtidos seriam apenas num nível mais superficial, conseguindo “respectable tranquillity, the sense of order, of control, which arises from shaping the mind to conform to a certain social pattern” (1955, p. 26). Sem o cultivo dos valores nos níveis mais profundos do ser, não seria possível educar para a liberdade que apenas é conseguida através do cultivo da liberdade interior.

Neste sentido, alguns filósofos tem defendido que os valores não podem ser ensinados, mas devem ser praticados e experienciados (Krishnamurti, 1955; Dewey, 1979; Freire, 1987). Se, por exemplo, os alunos forem ensinados a serem honestos, mas na sociedade eles percebem que as pessoas honestas são aquelas que mais sofrem, não estarão interessados na educação para os valores. É importante ter em consideração que há uma diferença entre o conhecimento dos valores universais e a sua assimilação, entre conhecer as virtudes e ser virtuoso (Krishnamurti, 1955). As pessoas consideradas como criminosas por exemplo, intelectualmente, podem saber e conhecer a importância dos valores universais mas mostram incapacidade de viver de acordo com eles. Assim, o novo modelo de educação deve ser capaz de responder a este desafio da educação para os valores que consideramos ser inevitável e inseparável da prática educativa.

Devido às limitações do método científico, de acordo com Zohar & Marshall (1990), a ciência moderna tem limitado o nosso sentido de liberdade em dois sentidos: através do lugar que nos concedeu no universo e através do modelo que desenvolveu para compreendermos a nossa natureza humana. A perspetiva ocidental, pelo próprio método que utiliza, não tem conseguido explicar a realidade que envolve fenómenos não físicos, como a consciência, a mente e a interação entre os fenómenos físicos e não físicos (Campbell, 2005).

Segundo Delors (2004), a educação deve ser contínua ao longo de toda a vida e deve ter como fundamento quatro pilares principais:

i) aprender a conhecer, que consiste na compreensão, descoberta, conhecimento, curiosidade, autonomia, atenção e que tem como fim ajudar a nossa forma de pensar e de saber olhar para o futuro; ii) aprender a fazer, que inclui o desenvolvimento de competências

ligadas com a intuição, flexibilidade, resolução de conflitos, trabalhar em equipa, ter iniciativa, comunicação, estabilidade emocional; iii) aprender a viver juntos, que tem como foco o desenvolvimento da

compreensão e descoberta do outro, da perceção da interdependência, da não-violência, participação cívica;

iv) aprender a ser, que inclui as dimensões intelectual, espiritual, o desenvolvimento da sensibilidade, ética, responsabilidade pessoal, imaginação, criatividade, iniciativa, isto é, consiste no desenvolvimento integral da pessoa.

Todos estes pilares, para Delors, são transversais e alertam para a inclusão da responsabilidade planetária, reconhecendo a necessidade da sustentabilidade e não degradação do planeta.

Considerando que o sistema atual da educação tem apostado e investido mais nos dois primeiros pilares, o novo paradigma educativo deve ter como pré-requisito oferecer soluções para os problemas sérios que assolam a humanidade e que não tem sido possível resolver através do método científico. Neste sentido, o novo modelo educativo procura investir no desenvolvimento pleno do indivíduo, que inclui dimensões que até agora têm sido ignoradas pela educação contemporânea, nomeadamente a dimensão emocional e espiritual, procurando alterar o foco da educação, de fora para dentro, contribuindo para tornar os alunos mais conscientes e sensíveis dos níveis mais subtis que, por sua vez, os ajudam a lidar melhor com as suas dúvidas, emoções, sentimentos, a descobrir os seus talentos, promovendo a criatividade e a intuição, treinando a mente e tornando mais evidente a união entre a mente e o corpo. Conforme Krishnamurti refere, sem a inclusão de uma visão integrada, a Educação tem pouco significado (1978). O novo paradigma educativo procura, por isso, garantir a harmonia entre os avanços da ciência eas

grandes tradições culturais, que necessitam de preservação e de estudos aprofundados (Declaração de Veneza, 1986)

Para devolver à educação os princípios “perdidos” que contribuem para o cumprimento da sua missão, a nova visão da educação deve ir além das fronteiras criadas pelo sistema mecanicista e conservador da educação, introduzindo abordagens transdisciplinares, que compreendam a pessoa como um todo, que despertem nos alunos a sua essência, respeitando a diversidade, promovendo a criatividade e o princípio de responsabilidade, conforme defendido por Jonas (1995), que contribui para a proteção e a sustentabilidade da sociedade e do planeta. O novo paradigma deve utilizar meios para evidenciar a interdependência ecossistémica que existe “entre o ser humano, ambiente e pensamento, entre ser humano e seus processos de desenvolvimento, entre sujeito e contexto, entre educador e educando, entre sujeito e objeto, entre o ser, o conhecer, o fazer e o viver/conviver” (Moraes, 2010, p.75).

O novo modelo educativo incentiva a descoberta da relevância e inevitabilidade dos valores universais, integrando de forma igual e simultaneamente nas práticas pedagógicas a “razão, sensação, sentimento e intuição e que estimulem a integração intercultural e a visão planetária das coisas, em nome de paz e da unidade do mundo” (Cardoso, 1995, p. 53), respeitando, ao mesmo tempo, o objetivismo ocidental e o subjetivismo oriental, começando desde cedo, pois a transformação da criança é um caminho mais fácil e mostra resultados mais satisfatórios que nos adultos.

Apenas uma visão holística e integradora que entende a pessoa como um ser integral, completo, não fragmentado, interligado com todo o universo, pode ser resposta para a educação que todos procuram (Capra, 2008). Isto porque o ser humano é um sistema energético unificado (Einstein, 1949; Weil 1990), inseparável, que lhe dá forma e integra num sistema que é a inteireza do Ser. Por isso, o ser humano não pode ser fragmentado, pois isso significaria conhecer apenas as suas partes, ignorando toda a unidade que possibilita a vida e dá sentido à sua existência.