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CAPÍTULO II – TEORIA GERAL DOS RECURSOS EXTRAORDINÁRIOS

4. Efeitos dos recursos extraordinários

4.2. Efeito translativo

Diferentemente do efeito devolutivo, o efeito translativo é manifestação do princípio inquisitório.

Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery afirmam que o sistema recursal do processo civil brasileiro não admite a reformatio in pejus quando a questão depender de alegação da parte para que possa ser apreciada:

O recurso devolve ao órgão ad quem o conhecimento da matéria impugnada. Não poderá o tribunal decidir mais do que lhe foi pedido pelo recorrente (CPC 515). (...) Quando houver questão de ordem pública a ser analisada no juízo recursal, pode o tribunal resolvê-la contrariamente aos interesses do recorrente, ocorrendo, assim, reformatio in pejus permitida.

107 LUCON, Paulo Henrique dos Santos. Art. 515, § 3º, do Código de Processo Civil, ordem pública e

prequestionamento, in MEDINA, José Miguel Garcia, CRUZ, Luana Pedrosa de Figueiredo, CERQUEIRA, Luís Otávio Sequeira de, GOMES JUNIOR, Luiz Manoel (Coord.). Os poderes do juiz e o controle das decisões judiciais: estudos em homenagem à Professora Teresa Arruda Alvim Wambier. São Paulo: RT. 2008, p. 37 e 39.

108 AZZONI, Clara Moreira. Efeitos dos recursos especial e extraordinário no Direito Processual Civil.

Com relação ao efeito translativo, Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery aduzem que o sistema autoriza o tribunal a julgar fora do que consta das razões ou contra-razões do recurso, com relação a recursos ordinários, não se podendo falar em julgamento ultra, extra ou citra petita, o que ocorre normalmente com as questões de ordem pública, as quais devem ser conhecidas de ofício pelo juiz e a respeito das quais não se opera a preclusão (artigos 267, § 3º e 301, § 4º), que está permitido pelo disposto nos artigos 515, §§ 1º a 3º e 516 do Diploma Processual Civil. O exame, por exemplo, das condições da ação deve ser feito ex officio, não caracterizando proibição da reformatio in pejus, incidente com relação apenas às questões de direito dispositivo. Afirmam que o efeito translativo existe na remessa necessária (artigo 475), permitindo ao tribunal analisar amplamente a causa, “inclusive agravando a situação da Fazenda Pública, sem que isso constitua ofensa ao princípio dispositivo, que não atua na remessa necessária”. Em sentido diverso: Súmula 45 do STJ: “No reexame necessário, é defeso, ao tribunal, agravar a condenação imposta à Fazenda Pública”. Todavia, com relação aos recursos excepcionais, que não configuram, para os professores, terceiro ou quarto grau de jurisdição, não pode ser invocada a ordem pública de que se revestem algumas questões para que possam ser apreciadas ex officio e pela primeira vez.109

De acordo com Nelson Nery Junior, a remessa necessária tem a natureza jurídica de “condição de eficácia da sentença”. Por esse motivo, “tem translatividade plena, submetendo ao tribunal toda a matéria levantada e discutida no juízo inferior, mesmo que a sentença não a haja apreciado por inteiro”. O autor sustenta que não há o efeito translativo nos recursos excepcionais (extraordinário, especial e embargos de divergência), tendo em vista que seus regimes jurídicos estão no texto

109 NERY JUNIOR, Nelson e NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de Processo Civil comentado e

constitucional, que diz serem cabíveis das causas decididas pelos tribunais inferiores (arts. 102, III, e 105, III, CF). Conforme o professor, se o tribunal não se manifestar sobre questão de ordem pública, o acórdão apenas poderá ser impugnado por ação autônoma (ação rescisória), porque incidem as Súmulas n. 282 e 356 do STF, que exigem o prequestionamento da questão constitucional ou federal suscitada para que seja conhecido o recurso constitucional excepcional. A lei autoriza o exame de ofício das questões de ordem pública a qualquer tempo e grau de jurisdição (art. 267, § 3º, CPC). A instância dos recursos extraordinário e especial não é ordinária, mas excepcional, não se aplicando o referido texto legal.110

Em conformidade com Teresa Arruda Alvim Wambier, a possibilidade de o órgão ad quem examinar as questões de ordem pública não é decorrência do efeito devolutivo dos recursos em sentido estrito, nem pela atuação do princípio dispositivo, mas sim em decorrência do efeito translativo.111

Cassio Scarpinella Bueno afirma que pelas próprias características dos recursos extraordinários, extraídas das hipóteses de cabimento taxativamente previstas pela Carta Magna, o efeito translativo não se aplica a esses recursos.112

Para Gisele Santos Fernandes Góes, o efeito translativo é a devolução do juízo de admissibilidade do processo referente às questões de ordem pública. E aduz que “a carga do efeito translativo é a sua nítida feição inquisitiva,

110 NERY JUNIOR, Nelson. Princípios fundamentais: teoria geral dos recursos. 4. ed. rev. e atual. São

Paulo: RT. 1997, p. 59 e 415.

111 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Nulidades do processo e da sentença. 5. ed. rev., atual. e ampl. São

Paulo: RT. 2004, p. 240 e 241.

112 SCARPINELLA BUENO, Cassio. Curso sistematizado de direito processual civil: recursos,

processos e incidentes nos tribunais, sucedâneos recursais: técnicas de controle das decisões jurisdicionais. 2. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Saraiva. 2010. v. 5, p. 330.

irradiando para o juízo o poder-dever de atuar com responsabilidade sempre revendo a pauta de ordem pública no processo”.113

Segundo Gleydson Kleber Lopes de Oliveira, o efeito translativo relaciona-se com o princípio inquisitório e autoriza o juiz ou tribunal a julgar fora do que consta das razões ou contra-razões do recurso. Refere-se ao conhecimento de questão de ordem pública, que deve ser examinada de ofício pelo juiz e é insuscetível de preclusão, nos termos do artigo 267, § 3º, do Código de Processo Civil. A finalidade desse dispositivo reside no fato de o juiz ou tribunal analisar de ofício, em qualquer tempo e grau de jurisdição, matéria de ordem pública que tem, justamente, o condão de viciar o processo. Posição contrária a esta romperia com a tendência publicista do processo, de acordo com o autor. “Ademais, a referência a sentença de mérito por si só não inibe a possibilidade da análise de ofício de questão de ordem pública pelo tribunal, uma vez que o acórdão, desde que o mérito do recurso seja apreciado, substitui a sentença”.114

Rodrigo Barioni entende que o efeito devolutivo do recurso fixa os limites da cognição do órgão julgador do recurso, sendo tudo o que é transferido à apreciação do órgão julgador em razão do recurso interposto, seja relativo à matéria impugnada, seja ex officio, o é por força do efeito devolutivo do recurso. Para o autor, o efeito translativo nada mais é do que uma espécie do gênero efeito devolutivo. Aparece

113 GÓES, Gisele Santos Fernandes. Recursos especial, extraordinário e embargos de divergência: efeito

translativo ou correlação recursal? Revista Dialética de Direito Processual, n. 22/58, Jan. 2005, p. 60.

114 Gleydson Kleber Lopes de Oliveira aduz ser controvertida a fundamentação em função da qual deve o

órgão jurisdicional competente, em sede de recurso, analisar de ofício questão de ordem pública. Para parte da doutrina, como José Carlos Barbosa Moreira, Machado Guimarães e José Frederico Marques, tal possibilidade advém do efeito devolutivo, mais precisamente na sua profundidade, que, na situação da apelação é totalmente ampla. Outra parcela defende que tal é possível em razão do princípio translativo, defendida por Nelson Nery Junior. “Razão assiste ao exposto por Nelson Nery Junior, pois a possibilidade de o juiz ou tribunal, na instância recursal, analisar de ofício questão de ordem pública não argüida pelas partes não se fundamenta no efeito devolutivo, ante à ausência do princípio, mas, sim, no efeito translativo diante da inquisitoriedade” [Recursos de efeito devolutivo restrito e a possibilidade de decisão acerca de questão de ordem pública sem que se trate de matéria impugnada, in ALVIM, Eduardo Pellegrini de Arruda, NERY JUNIOR, Nelson e WAMBIER, Teresa Arruda Alvim (Coord.). Aspectos polêmicos e atuais dos recursos. São Paulo: RT. 2000. v. 1, p. 236 e 243-246].

esse efeito da divisão do efeito devolutivo: de um lado, surgem as matérias cognoscíveis

ex officio, por força do denominado efeito translativo, que decorre do princípio

inquisitivo; de outro, as matérias cuja apreciação está vinculada à manifestação de vontade do recorrente, em razão do efeito devolutivo em sentido estrito, que é decorrência do princípio dispositivo. Segundo Rodrigo Barioni, são dois desdobramentos do próprio efeito devolutivo do recurso. E conclui “a cognição do órgão destinatário do recurso, em relação a qualquer matéria, ocorre por conta do efeito devolutivo”.115

Desta forma, o efeito translativo refere-se às matérias de ordem pública. Neste passo, citam-se os arts. 267, § 3º, e 301, § 4º, ambos do Código de Processo Civil.116

A análise da matéria referente à possibilidade de conhecimento de questões de ordem pública em sede dos recursos extraordinários lato sensu, núcleo central do trabalho, será enfrentada no Capítulo V desta dissertação.