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CAPÍTULO II – TEORIA GERAL DOS RECURSOS EXTRAORDINÁRIOS

4. Efeitos dos recursos extraordinários

4.1. Efeito devolutivo

4.1.1. Extensão e profundidade do efeito devolutivo

Kazuo Watanabe leciona que a cognição pode ser vista em dois planos diferentes, quais sejam, horizontal (extensão, amplitude) e vertical (profundidade). No plano horizontal, o limite da cognição são os elementos objetivos do processo (trinômio: questões processuais, condições da ação e mérito, inclusive questões de mérito; para alguns: binômio, com exclusão das condições da ação). No plano vertical, a cognição pode ser classificada, segundo o grau de sua profundidade, em exauriente (completa) e sumária (incompleta).101

100 OLIVEIRA, Gleydson Kleber Lopes de. Carência da ação e efeito devolutivo da apelação, in

ALVIM, Eduardo Pellegrini de Arruda, NERY JUNIOR, Nelson e WAMBIER, Teresa Arruda Alvim (Coord.). Aspectos polêmicos e atuais dos recursos. São Paulo: RT. 2000. v. 1, p. 221-223.

101 Kazuo Watanabe leva em consideração a distinção da cognição conforme dois planos distintos: o da

extensão (horizontal) e o da profundidade (vertical). De acordo com o professor, “se a cognição se estabelece sobre todas as questões, ela é horizontalmente ilimitada, mas se a cognição dessas questões é superficial, ela é sumária quanto à profundidade. Seria, então, cognição ampla, em extensão, mas sumária em profundidade. Porém, se a cognição é eliminada ‘de uma área toda de questões’, seria limitada quanto à extensão, mas se quanto ao objeto cognoscível a perquirição do juiz não sofre limitação, ela é exauriente quanto à profundidade. Ter-se-ia, na hipótese, cognição limitada em extensão e exauriente em profundidade. Reservamos somente àquela (...) a expressão cognição sumária” (Da cognição no processo civil. 2. ed. atual. São Paulo: Central de Publicações Jurídicas: Centro Brasileiro de Estudos e Pesquisas Judiciais. 1999, p. 111-113).

Ao estudar o efeito devolutivo, há doutrinadores que destacam a extensão e a profundidade de referido efeito, também denominados como dimensão horizontal e vertical do efeito devolutivo, respectivamente.

Conforme José Carlos Barbosa Moreira, a dimensão vertical do efeito devolutivo abrange as questões examináveis de ofício e as que foram suscitadas e discutidas pelas partes, não tendo sido objeto de decisão. Afirma que o recurso extraordinário e o especial possuem efeito devolutivo limitado. O recurso extraordinário (como o especial, ramificação dele) não dá ensejo a novo reexame da causa, análogo ao que propicia a apelação. Em seu âmbito, discutem-se unicamente quaestiones iuris.102

Rodolfo de Camargo Mancuso afirma que os recursos excepcionais possuem restrita devolutividade, devendo conter-se nos limites das

quaestiones juris antes debatidas e decididas “(= prequestionadas)”, sob pena de se

converterem em recursos de tipo comum. Essa devolutividade, sob o prisma horizontal, não é ampla, tendo em vista que não tem como abranger todos os tópicos do julgado recorrido, devendo confinar-se aos pontos jurídicos nele prequestionados. Tal limitação horizontal acaba por repercutir na perspectiva vertical (a profundidade da cognição), havendo autorizada doutrina que nega a devolutividade sob a dimensão vertical.103

A extensão do efeito devolutivo confunde-se com o brocardo

tantum devolutum quantum appellatum, devolvendo-se ao Judiciário o que se

102 José Carlos Barbosa Moreira afirma “Nem o recurso extraordinário, nem o especial investe o Supremo

Tribunal Federal ou o Superior Tribunal de Justiça de cognição quanto à matéria de fato, no sentido de que – conforme rezam os nºs 279 e 7 da Súmula da Jurisprudência Predominante daquele e deste, respectivamente – nenhum dos dois abre ensejo ao reexame de provas (e menos ainda à colheita de outras), para apurar-se a exatidão daquilo que, em tal plano, assentou a decisão impugnada. É claro que, se o recorrente alega error in procedendo supostamente cometido pelo órgão a quo – por exemplo: infração da regra que só permite a declaração da inconstitucionalidade da lei por determinado quorum (Carta da República, art. 97) –, é mister averiguar a ocorrência ou não do fato alegado, isto é, verificar, à vista das peças dos autos, quantos julgadores reconheceram a inconstitucionalidade, e que fração do colégio representavam, para poder formar juízo sobre a existência ou inexistência da alegada ofensa à Constituição. Mas nem mesmo aí se trata de reexaminar acertamento de fatos que o tribunal inferior haja tomado como base da decisão recorrida” (Comentários ao Código de Processo Civil. 14. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense. 2008. v. V, p. 446, 585 e 600).

103 MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Recurso extraordinário e recurso especial. 10. ed. rev., ampl. e

impugnou, na decisão de que se recorreu. Conforme Teresa Arruda Alvim Wambier, o efeito devolutivo tem, ou pode ter, outra dimensão diferente da horizontal. Trata-se de sua profundidade. A profundidade do efeito devolutivo vincula-se, de certa maneira, à sua dimensão horizontal. A partir do que terá sido impugnado na decisão é que se pode determinar dentro de quais limites a cognição do Juízo ad quem poderá incursionar naquilo que tenha ocorrido durante o processo e que não esteja refletido na sentença. Exemplifica que pode ocorrer que a decisão impugnada tenha realmente examinado todas essas questões e que, assim, tudo conste da própria sentença, ou não. Leciona:

A dimensão vertical do efeito devolutivo possibilita que o tribunal venha a conhecer destas questões, e a dimensão

horizontal influi nestes limites. (...) Esta dimensão vertical do

efeito devolutivo açambarca também questões não apreciadas no primeiro grau, não cognoscíveis de ofício e que hajam sido

suscitadas e discutidas.

No tocante aos recursos de fundamentação vinculada, Teresa Arruda Alvim Wambier afirma que o que se devolve ao Judiciário são exclusivamente os pontos ou aspectos da decisão que podem ser impugnados pela parte. Apenas o que estiver no corpo do acórdão é que pode ser objeto de impugnação por recurso especial ou extraordinário, podendo-se somente levantar os vícios de ilegalidade e inconstitucionalidade (se a questão apresentar repercussão geral), respectivamente. Tais são os limites do efeito devolutivo desses recursos ditos excepcionais. A dimensão vertical do efeito devolutivo está limitada nos recursos excepcionais pela impossibilidade de se reverem fatos e de se reexaminarem provas. Os recursos extraordinário e especial, segundo a autora, não geram efeito translativo ou não tem o efeito devolutivo que deles decorre a dimensão vertical.104

104 Teresa Arruda Alvim Wambier afirma que “Estes recursos não abrem o acesso a outra matéria, que

Cassio Scarpinella Bueno afirma que a extensão do efeito devolutivo refere-se à idéia do que é e do que não é impugnado pelo recorrente. Trata-se da quantidade de matéria questionada em sede recursal e que será, conseqüentemente, apreciada pelo órgão ad quem. O autor menciona que o caput do art. 515 e seu § 1º, do Código de Processo Civil,105 apesar de inseridos como regras da apelação, dão a exata compreensão da extensão do efeito devolutivo para todos os recursos. Quanto à profundidade do efeito devolutivo, relaciona-se aos fundamentos e às questões que foram, ou não, analisados pela decisão recorrida e que viabilizam seu contraste em sede recursal, referindo-se à qualidade da matéria impugnada em sede de recurso e que poderá ser reapreciada pelo órgão ad quem. O art. 515, § 2º, do Código de Processo Civil trata da matéria, apesar de sua localização no diploma, não se restringe ao recurso de apelação.106

Segundo Paulo Henrique dos Santos Lucon “o termo efeito de

transferência (ou translativo) reflete de melhor forma o tradicionalmente denominado

efeito devolutivo)”. E explana que esse efeito comporta análise a partir de dois prismas diferentes, quais sejam: 1) objetivo, representado pela extensão (sentido horizontal), sendo a extensão delimitada por aquilo que é submetido ao órgão ad quem a partir do que foi pedido no recurso, e profundidade (sentido vertical), que é medida pelo material

extraordinário e ação rescisória. 2. ed. reform. e atual. São Paulo: RT. 2008, p. 346, 347, 350, 358 e 359).

105 “Art. 515. A apelação devolverá ao tribunal o conhecimento da matéria impugnada.

§ 1o Serão, porém, objeto de apreciação e julgamento pelo tribunal todas as questões suscitadas e

discutidas no processo, ainda que a sentença não as tenha julgado por inteiro.

§ 2o Quando o pedido ou a defesa tiver mais de um fundamento e o juiz acolher apenas um deles, a

apelação devolverá ao tribunal o conhecimento dos demais.

§ 3o Nos casos de extinção do processo sem julgamento do mérito (art. 267), o tribunal pode julgar desde

logo a lide, se a causa versar questão exclusivamente de direito e estiver em condições de imediato julgamento.

§ 4o Constatando a ocorrência de nulidade sanável, o tribunal poderá determinar a realização ou

renovação do ato processual, intimadas as partes; cumprida a diligência, sempre que possível prosseguirá o julgamento da apelação.”

106 SCARPINELLA BUENO, Cassio. Curso sistematizado de direito processual civil: recursos,

processos e incidentes nos tribunais, sucedâneos recursais: técnicas de controle das decisões jurisdicionais. 2. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Saraiva. 2010. v. 5, p. 109.

fático e jurídico com que o órgão ad quem poderá trabalhar; 2) subjetivo, representado pelos efeitos benéficos ou maléficos determinados pelo novo julgamento que foi propiciado pelo meio de impugnação.107

Para Clara Moreira Azzoni, a dimensão vertical, embora limitada, manifesta-se no efeito devolutivo dos recursos extraordinários. A profundidade do efeito devolutivo desses meios de impugnação permite apenas o reexame das questões de direito e da violação à legislação federal, no caso do recurso especial, e afronta à Constituição Federal, no caso do recurso extraordinário.108