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CAPÍTULO IV – QUESTÕES DE ORDEM PÚBLICA

2. Questões de ordem pública precluem após serem analisadas pelo juiz?

2.1. Preclusão

Para o aprofundamento do estudo, há que se analisar o instituto da preclusão.243

Na lição de Giuseppe Chiovenda, a preclusão refere-se à conseqüência de que todos os processos, alguns mais, outros menos, “traçam limites ao exercício de determinadas faculdades processuais, com a conseqüência de que, além de tais limites, não se pode usar delas”.244

Preclusão é a perda da faculdade de praticar ato processual, nos ensinamentos de Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery. Pode ser temporal (art. 183 do CPC), lógica ou consumativa. A preclusão tem como destinatários principais as partes, porém também incide sobre os poderes do juiz, que não pode decidir novamente questões já decididas (art. 473 do CPC), salvo as de ordem pública, que não são atingidas pela preclusão. A preclusão extingue o direito de praticar certos atos no processo e não se confunde com a coisa julgada, que decorre da sentença (RJTJSP 55/128). A preclusão temporal ocorre quando a perda da faculdade de praticar ato processual dá-se em virtude de haver decorrido o prazo, sem que a parte tivesse

243 Citam-se julgados:

Conforme o Relator Luiz Fux “Justifica-se, pois, a preclusão pela aspiração de certeza e segurança que, em matéria de processo, muitas vezes prevalece sobre o ideal de justiça pura ou absoluta. Trata-se, porém, de um fenômeno interno, que só diz respeito ao processo em curso e às suas partes. Não atinge, obviamente, direitos de terceiros e nem sempre trará repercussões para as próprias partes em outros processos, onde a mesma questão venha a ser incidentalmente tratada. A preclusão classifica-se em temporal, lógica e consumativa, a saber: (...) Preclusão consumativa: É a de que fala o art. 473. Origina-se de ‘já ter sido realizado um ato, não importa se com mau ou bom êxito, não sendo possível tornar a realizá-lo’. Se, por exemplo, a questão preliminar sobre a pretendida revelia do demandado, ou o requerimento de perícia foi solucionado, na fase de saneamento processual, não será possível à parte reabrir discussão em torno dessa matéria, na apelação, salvo se pendente agravo tempestivamente interposto (pois, então, não terá havido preclusão).(...) (THEODORO JÚNIOR, Humberto, Curso de Direito Processual Civil, Ed. Forense, Rio de Janeiro, 2003, 39ª Edição, p. 480-481)” (REsp 785823/MA, Ministro Luiz Fux, Primeira Turma, j. 01/03/2007, DJ 15.03.2007 p. 272).

“O instituto da preclusão, em princípio, dirige-se as partes, como expresso o art. 437 do CPC, podendo o juiz de superior instancia reexaminar decisões interlocutórias, máxime se pertinentes a prova” (STJ, EDcl no REsp 2340/SP, Rel. Ministro Athos Carneiro, Quarta Turma, j. 23/10/1990, DJ 12.11.1990 p. 12872).

244 CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições de Direito Processual Civil. Saraiva: São Paulo. 1945. v. III, p.

praticado o ato, ou o tenha praticado a destempo ou de forma incompleta ou irregular. Preclusão lógica é a que extingue a possibilidade de praticar-se ato processual, pela prática de outro ato com ele incompatível (art. 503 do CPC). Diz-se consumativa a preclusão quando a perda da faculdade de praticar o ato processual decorre do fato de já haver ocorrido a oportunidade para tanto, de o ato já haver sido praticado e não pode tornar a sê-lo, como ocorre quando a contestação e a reconvenção devem ser apresentadas simultaneamente (art. 299 do CPC). Normalmente, a preclusão consumativa ocorre quando se trata de ato complexo, de mais de um ato processual que devam ser praticados, simultaneamente, na mesma oportunidade.245

De acordo com Cândido Rangel Dinamarco, o instituto da preclusão possui grande importância no sistema brasileiro de procedimento rígido, dando apoio às regras que regem a ordem seqüencial de realização dos atos do procedimento e sua distribuição em fases – fazendo-o mediante a imposição da perda de uma faculdade ou de um poder em certas situações. O Código de Processo Civil não apresenta uma disciplina orgânica e sistemática da preclusão, oferecendo, no entanto duas ordens de disposições de que se pode inferir alguma conclusão. A lei processual faz alusão a determinadas hipóteses que estão sujeitas à preclusão e a outras que, inversamente, são insuscetíveis à ação desse instituto. Os tribunais e a doutrina chegaram a uma fórmula muito ampla: “só a matéria sujeita à disponibilidade das

partes é suscetível de preclusão e não a que diga respeito à ordem pública”.246

245 NERY JUNIOR, Nelson e NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de Processo Civil comentado e

legislação extravagante. 8. ed. rev. e ampl. São Paulo: RT. 2004, p. 647-648 e 888.

246 Cândido Rangel Dinamarco leciona: “Incompetência absoluta, carência de ação, litispendência, coisa

julgada, impedimento do juiz, dolo de uma das partes em detrimento da outra etc., são temas que sem a menor sombra de dúvida pertencem à ordem pública. Não é em exclusiva consideração às partes e a seus interesses, mas sobretudo por razões ligadas ao bom exercício da jurisdição, que a Constituição e a lei restringem ou condicionam o exercício da jurisdição em certos casos ou permitem a desconstituição da coisa julgada em outros. As hipóteses tipificadas pela lei permitem que se chegue com facilidade àquela fórmula de caráter bem geral e assim, sempre que se tratar de um ato processual de interesse público, que deveria ter sido realizado em determinado momento ou fase mas não o foi, ainda assim ele deverá ser realizado – sem preclusões a impedi-lo. Nesses casos, a parte não perde o direito a sua realização e pode

Conforme José Roberto dos Santos Bedaque, a preclusão é uma entre as várias técnicas destinadas a evitar a demora do processo. “A preclusão está diretamente relacionada à necessidade de evitar o arbítrio na condução do processo, assegurando ordem, segurança e celeridade ao instrumento”.247

João Batista Lopes entende ter a preclusão caráter sancionatório às partes (impedimento da prática de ato), sendo, assim, estranho à atividade judicial.248

Teresa Arruda Alvim Wambier afirma que “é à idéia de ônus que se liga a de preclusão, isto é, à idéia de uma atividade que, se concretizada ou realizada, terá (provavelmente) seus resultados revertidos em benefício daquele que a desempenhou”. A autora observa que, por outro lado, as conseqüências danosas da omissão relacionada à atividade consubstanciada em um ônus devem atingir aquele que se omitiu, aquele que deveria ter realizado, mas não realizou a atividade.249

Manoel Caetano Ferreira Filho aduz que a preclusão trata-se de um dos institutos de que se pode servir o legislador para tornar o processo mais rápido, impondo ao procedimento uma rígida ordem entre as atividades que o compõem.250

Nos dizeres de José Miguel Garcia Medina e Teresa Arruda Alvim Wambier, a preclusão trata-se da perda direito de praticar o ato processual, também abrangendo os ônus processuais. Diversamente do que ocorre com as partes, o órgão jurisdicional não possui ônus processuais, mas poderes e deveres processuais.

sempre fazer as respectivas alegações” (Instituições de direito processual civil. 4. ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros. 2004. v. II, p. 454-458).

247 BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Efetividade do Processo e Técnica Processual. São Paulo:

Malheiros. 2006, p. 126 e 127.

248 LOPES, João Batista. Considerações sobre o instituto da preclusão. Revista de Processo, n. 23/45,

Julho-Setembro 1981, p. 49 e 50.

249 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Os agravos no CPC brasileiro. 4. ed. rev., ampl. e atual. São

Paulo: RT. 2006, p. 474 e 475.

250 FERREIRA FILHO, Manoel Caetano. A preclusão no Direito Processual Civil. Curitiba: Juruá. 1991,

Assim, a noção de preclusão, como empregada em relação aos atos a serem realizados pelas partes, não é adequada no que se refere aos atos do juiz.251

Cassio Scarpinella Bueno leciona que por preclusão deve se entender a perda da possibilidade de praticar um ato processual em virtude de algum acontecimento. “É instituto umbilicalmente ligado à noção de ônus quando relativo às partes”.252

Uma vez praticados os ônus processuais, há benefício para quem os praticou. Há ônus em recorrer. Existe também ônus da prova (art. 333 do Código de Processo Civil). As conseqüências negativas da sua não realização são a coisa julgada e a preclusão.253

251 MEDINA, José Miguel Garcia e WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Processo Civil Moderno: parte

geral e processo de conhecimento. São Paulo: RT. 2009. v. I, p. 116.

252 SCARPINELLA BUENO, Cassio. Curso sistematizado de direito processual civil: teoria geral do

direito processual civil. São Paulo: Saraiva. 2007. v. 1, p. 435 e 436.

253 Segundo Ernane Fidélis dos Santos, se a parte não se utilizar dos ônus, sofre conseqüências adversas:

não contestando, torna-se revel; não apresentando rol de testemunhas, perde o direito de ouvi-las e se não recorrer, sujeita-se à preclusão do recurso (Manual de direito processual civil. 3. ed. atual. e rev. São Paulo: Saraiva. 1994. v. 1, p. 29 e 30).

João Batista Lopes aduz que dever e ônus não se confundem. O dever traduz uma relação entre dois sujeitos ou entre um sujeito e a sociedade; no ônus, a parte escolhe entre duas condutas possíveis e se sujeita às conseqüências da opção exercida (Curso de Direito Processual Civil: Parte Geral. São Paulo: Atlas. 2005. v. 1, p. 82).

Conforme Marcelo Abelha Rodrigues, “ônus é uma possibilidade e não propriamente uma obrigação, ou seja, significa que determinada pessoa possa cumprir determinado ato processual, assumindo as possíveis conseqüências do seu não cumprimento”. O ônus pode ser perfeito ou imperfeito. Perfeito quando do seu descumprimento ocorrer, necessariamente, um prejuízo para quem o possuía e não o exerceu (o que teve sentença desfavorável e não apela da mesma). Imperfeito quando o prejuízo puder ocorrer em virtude do não cumprimento do ônus (nem sempre o revel perde a demanda) (Elementos de Direito Processual Civil. 2. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: RT. 2000. v. 1, p. 42).

Ernane Fidélis dos Santos afirma que a parte tem o dever de agir com lealdade e não pode empregar, nas suas falas, expressões injuriosas, por exemplo (Op. Cit., p. 29 e 30).

O dever processual não se esgota com o seu cumprimento, diferentemente da obrigação, que se exaure com o seu cumprimento. Gera indenização apenas pelos prejuízos ocasionados, não podendo ser convertido o dever em pecúnia.

Quanto à obrigação processual, uma vez praticada, há benefício para o outro pólo. Se não cumprida, ela é exigível. Pode ser convertida em pecúnia. A obrigação se exaure com o seu cumprimento. Exemplos de obrigações processuais são o cumprimento da sentença, o cumprimento da determinação de exclusão de nome dos órgãos de cadastro de proteção de crédito etc.

De acordo com Marcelo Abelha Rodrigues, “o descumprimento do preceito normativo acarreta um prejuízo não para aquele que deveria cumprir a norma, mas para outrem que se beneficiaria do cumprimento da obrigação”. A obrigação pode ser convertida em um valor ou poder. E, por isso, convertida em pecúnia. Exemplifica como obrigação processual o exercício do princípio da probidade processual (art. 14 et seq. do CPC) (Op. Cit., p. 42).

Com relação à faculdade processual, o sistema é indiferente quanto à opção tomada pela parte. Não há conseqüência jurídica se não realizada. Como regra geral, as partes possuem ônus e não faculdades no

Segundo Daniel Amorim Assumpção Neves, a preclusão é instrumento para evitar abusos e retrocessos e prestigia a entrega de prestação jurisdicional de boa qualidade, atuando em prol do processo, da própria prestação jurisdicional. Afirma que a preclusão consumativa verifica-se sempre que realizado o ato processual; somente haverá oportunidade para realização do ato uma vez no processo e, se consumado, o interessado não poderá realizá-lo novamente. Na preclusão lógica, o impedimento de realização de ato processual advém da realização de ato anterior incompatível de maneira lógica com o ato que se pretende realizar.254 Já a preclusão temporal dá-se quando um ato não puder ser praticado em razão de ter decorrido o prazo previsto para sua prática sem a manifestação da parte; caso a parte interessada deixe de realizar o ato dentro do prazo previsto, ele não poderá mais ser realizado, por ser extemporâneo.255

Conforme Heitor Vitor Mendonça Sica, a preclusão liga-se visceralmente à idéia de ônus, no sentido de que o seu inadimplemento acarreta conseqüências negativas ao agente que se omitiu, não porque a ordem jurídica esperava o comportamento ativo, mas em razão de que o sujeita à disposição do interessado. E conclui “a ordem jurídica não espera comportamento algum: simplesmente deixa o exercício de determinado direito à disposição da parte, de modo que ela pode exercê-lo

processo.

Já os direitos processuais são as garantias que as partes possuem no processo em seu desenvolvimento regular, obedecendo-se o devido processo legal, no modelo constitucional do processo civil, assegurando- se o contraditório, a ampla defesa, a fundamentação das decisões etc.

Em conformidade com Ernane Fidélis dos Santos, a relação processual completa-se com a citação do réu e se desenvolve até o final, como vínculo de direitos e obrigações. “As partes têm direito à sentença” (Op. Cit., p. 29 e 30).

A própria ação é um “direito subjetivo público” (SCARPINELLA BUENO, Cassio. Curso sistematizado de direito processual civil: teoria geral do direito processual civil. São Paulo: Saraiva. 2007. v. 1, p. 331).

254 “Art. 503. A parte, que aceitar expressa ou tacitamente a sentença ou a decisão, não poderá recorrer.

Parágrafo único. Considera-se aceitação tácita a prática, sem reserva alguma, de um ato incompatível com a vontade de recorrer.”

255 NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Preclusões para o juiz: preclusão pro iudicato e preclusão

(gozando, se assim proceder, da posição de vantagem dela decorrente), ou deixar de fazê-lo (suportando, com isso, as conseqüências de sua omissão)”.256

Em dissertação de mestrado, Cláudio Cintra Zarif afirma que o legislador brasileiro optou por estabelecer um sistema de regras rígidas, com o fim de que o processo tenha sempre sua marcha adiante, sem correr o risco de retrocessos que somente iriam tornar o processo mais demorado e implicariam uma intranqüilidade para os jurisdicionados, face a ausência de seguranças que isso poderia acarretar. Portanto, o sistema processual brasileiro estabelece a regra de que, não praticado o ato que incumbia à parte dentro de determinado prazo, que pode estar estabelecido em lei ou fixado pelo juiz, ou praticado o ato parcialmente, implica na perda da faculdade de praticá-lo pela primeira vez (no caso de término do prazo) ou de repeti-lo (no caso de ato já praticado).257

Portanto, o instituto da preclusão pode ocorrer em razão da consumação de um ato processual (preclusão consumativa), por sua não realização no prazo (preclusão temporal), ou pela prática de outro ato anterior incompatível (preclusão lógica).

De acordo com o artigo 300 do Código de Processo Civil, ao réu compete alegar, na contestação, toda matéria de defesa, expondo as razões de fato e de direito, com que impugna o pedido do autor e especificando as provas que pretende produzir. A apresentação da contestação, por exemplo, opera a preclusão consumativa (princípio da concentração da defesa na contestação), à exceção das hipóteses do artigo 303 do Código de Processo Civil).258

256 SICA, Heitor Vitor Mendonça. Op. Cit., p. 178 e 179.

257 ZARIF, Cláudio Cintra. Preclusão. Dissertação de Mestrado. São Paulo. PUC. 2004, p. 146 e 147. 258 “(...) deve o réu deduzir alegações sucessivas, ainda que rigorosamente incompatíveis, para o caso de,

em não acolhendo a antecedente, passar o juiz à análise da subseqüente”, o que se trata do princípio da eventualidade [WAMBIER, Luiz Rodrigues (Coord.). Curso avançado de Processo Civil: teoria geral do

Exemplo seria o prazo para a nomeação à autoria, modalidade de intervenção de terceiro provocada, que é o da defesa (artigo 64 do Código de Processo Civil), sob pena de preclusão.

Para Amir José Finocchiaro Sarti, a sentença não tem que analisar e resolver todas as questões, mas apenas aquelas necessárias e suficientes para fundamentar suas conclusões e o tribunal, no julgamento da apelação, só pode julgar questões que não tenham sido decididas na instância inferior, se não importar em ofensa ao princípio do duplo grau de jurisdição ou em reabrir matéria preclusa. Nem sempre as omissões da sentença implicam nulidade absoluta, passíveis de serem declaradas de ofício, devendo observar-se o princípio do duplo grau de jurisdição e o instituto da preclusão.259

Verifica-se a importância do instituto da preclusão no sistema processual civil, especialmente objetivando a marcha do processo, a segurança e a estabilização jurídica das decisões.