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CAPÍTULO IV – QUESTÕES DE ORDEM PÚBLICA

4. Questões de ordem pública de direito processual

Com relação ao direito processual, Teresa Arruda Alvim Wambier leciona que, no direito público, há princípios que, abstratamente contrários, devem ser compatibilizados no plano prático. Exemplifica com o da conformidade com a lei e o do atendimento ao interesse público. Isso faz com que no tocante, principalmente, aos efeitos seja impossível aplicar-se ao direito público a teoria das nulidades concebida na esfera do direito civil. “O processo civil integra o direito público, porque as normas de natureza processual civil dizem respeito a uma relação jurídica de que o Estado (no papel de Estado-juiz) necessariamente faz parte”.273

273 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Nulidades do processo e da sentença. 5. ed. rev., atual. e ampl. São

Conforme José Roberto dos Santos Bedaque, o único efeito prático da distinção entre nulidade absoluta e relativa está na possibilidade ou não de o juiz, pois presumido o prejuízo, poder reconhecer de ofício a irregularidade e decretar a nulidade do ato. Segundo o autor, “Esse raciocínio é válido tanto para as chamadas ‘nulidades de fundo’ quanto para as de forma. As primeiras diriam respeito aos pressupostos processuais e às condições da ação. As outras consistiriam em simples defeitos formais do ato processual. Todas são regidas pelos princípios voltados à máxima preservação possível do processo”.274

O impedimento (art. 134 do Código de Processo Civil) gera nulidade absoluta, ensejando a propositura de ação rescisória, de acordo com o artigo 485, inciso II, do Código de Processo Civil; já a suspeição (art. 135 do Código de Processo Civil) é causa de nulidade relativa, se não argüida no tempo e modo adequados, gera a preclusão de sua alegação.

A título ilustrativo, exemplifica-se a temática relacionada a questões de ordem pública de direito processual com relação ao disposto no art. 267, incs. IV, V, VI e § 3º, do Código de Processo Civil.

Em conformidade com Humberto Theodoro Júnior, os pressupostos processuais “são requisitos jurídicos para a validade e eficácia da relação processual. Já as condições da ação são requisitos a observar, depois de estabelecida regularmente a relação processual, para que o juiz possa solucionar a lide (mérito)”. Para os que entendem que a ação não é o direito concreto a uma sentença favorável, porém o poder jurídico de obter uma sentença de mérito, que componha o conflito de

Teresa Arruda Alvim Wambier, em sua dissertação de mestrado, aduz que as nulidades processuais não se regem pelos princípios de direito civil, principalmente porque o processo civil é ramo de direito público e o direito civil, do direito privado. As nulidades processuais têm sua mecânica de funcionamento inspiradas em um sistema formado por normas de direito positivo e uma série de princípios, tendo importância equivalente ambos os grupos de elementos reguladores (Das nulidades das sentenças de mérito típicas no Direito Processual Civil Brasileiro. Dissertação de Mestrado. São Paulo. PUC. 1985, p. 295).

interesses de pretensão resistida (lide) de forma definitiva, as condições da ação são legitimidade de parte, interesse de agir e possibilidade jurídica do pedido.275

De acordo com o artigo 267, inciso IV, do Código de Processo Civil, o processo é extinto sem exame do mérito “quando se verificar a ausência de pressupostos de constituição e de desenvolvimento válido e regular do processo”. Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery, ao comentar referido inciso, lecionam sobre os pressupostos processuais:

Ausente algum ou alguns deles, o processo não se encontra regular, de sorte que se impõe a sanação da irregularidade. A lei é que diz qual a conseqüência para o não preenchimento de pressuposto processual. Nem sempre a falta de pressuposto processual acarreta a extinção do processo, como, por exemplo, a incompetência absoluta, cuja declaração tem como conseqüência a anulação dos atos decisórios e o envio do processo ao juízo competente (CPC 113 § 2º).276

Podem ser classificados em pressupostos processuais de existência e de validade (pressupostos positivos), além dos pressupostos negativos, que obstam o regular desenvolvimento do processo.277

275 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. 39. ed. Rio de Janeiro: Forense.

2003. v. I, p. 49-50 e 55.

276 NERY JUNIOR, Nelson e NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de Processo Civil comentado e

legislação extravagante. 10. ed. rev., ampl. e atual. São Paulo: RT. 2007, p. 502.

277 Conforme Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery, “São pressupostos processuais de

existência da relação processual: a) jurisdição; b) citação; c) capacidade postulatória (CPC 37 par. ún.), apenas quanto ao autor; d) petição inicial. São pressupostos processuais de validade da relação processual: a) petição inicial apta (v. CPC 295); b) citação válida; c) capacidade processual (legitimatio ad processum) (CPC 7º e 8º); d) competência do juiz (inexistência de incompetência absoluta: material ou funcional); e) imparcialidade do juiz (inexistência de impedimento do juiz – CPC 134 e 136). São pressupostos processuais negativos, isto é, circunstâncias que, se verificadas no processo, ensejam sua extinção sem julgamento do mérito: litispendência, perempção ou coisa julgada (CPC 267 V)” (Código de Processo Civil comentado e legislação extravagante. 10. ed. rev., ampl. e atual. São Paulo: RT. 2007, p. 502 e 503).

Para Teresa Arruda Alvim Wambier, “no caso de nulidade ou ausência de citação seguida de revelia não se poderá falar em ineficácia do processo em relação ao réu, mas, mais que isso, em inexistência dos atos processuais realizados a partir do momento em que a citação deveria ter se realizado, aí incluída a sentença”. Segundo a professora, “a sentença inexistente, visto que não é, não passa em julgado”. Em outra passagem, a autora menciona “Na verdade, já que se trata de sentença juridicamente inexistente, que não tem aptidão para transitar em julgado, nada há a desconstituir-se. Há, isto sim, única e exclusivamente uma situação de inexistência jurídica a declarar-se, por meio de ação que não fica sujeita

Há que se mencionar que existe na doutrina nacional corrente que classifica os pressupostos processuais de forma restritiva (pedido, capacidade de quem o formula e investidura do destinatário),278 bem como outra que os classifica em objetivos e subjetivos. 279 Os primeiros seriam: a) intrínsecos (regularidade procedimental, existência de citação); b) extrínsecos (ausência de impedimentos, tais como litispendência, coisa julgada, compromisso arbitral). Os subjetivos seriam: a) quanto ao juiz (investidura, competência, imparcialidade); b) referentes às partes (capacidade de ser parte, de estar em juízo, capacidade postulatória).280

As causas do art. 267 do CPC, incisos IV (pressupostos processuais), V (coisa julgada, litispendência e perempção) e VI (condições da ação) são matérias de ordem pública e podem ser alegadas a qualquer tempo e grau de

a um lapso temporal pré definido para ser movida” (Nulidades do processo e da sentença. 5. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: RT. 2004, p. 218-223 e 485). Assim, a sentença de mérito proferida sem a citação do réu deve ser declarada juridicamente inexistente, não podendo ficar adstrita ao prazo do art. 495 do CPC.

278 Menção abordada por CINTRA, Antonio Carlos de Araújo, GRINOVER, Ada Pellegrini e

DINAMARCO, Cândido Rangel. Op. Cit., p. 287.

279 SANTOS, Moacyr Amaral. Primeiras Linhas de Direito Processual Civil. 21. ed. rev. e atual. Saraiva:

São Paulo. 1999. v. 1, p. 324-325; THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. 39. ed. Rio de Janeiro: Forense. 2003. v. I, p. 58 e 59; entre outros.

280 GRECO FILHO, Vicente. Direito Processual Civil Brasileiro. 13. ed. rev. São Paulo: Saraiva. 2000.

v. 2, p. 57 e 58.

Os pressupostos processuais de existência compreendem a presença de petição inicial (a demanda), do órgão jurisdicional, da citação e da capacidade postulatória.

Os pressupostos processuais de validade englobam os que permitem que a relação jurídica processual desenvolva-se de forma válida, devendo a petição inicial ser apta; a citação ser válida; o órgão investido de jurisdição deve ser competente, envolvendo as regras de competência, e imparcial, sendo que o impedimento gera nulidade absoluta, ensejando a propositura de Ação Rescisória, de acordo com o artigo 485, inciso II, do Código de Processo Civil (a suspeição é causa de nulidade relativa, se não argüida no tempo e modo adequados, gera a preclusão de sua alegação); deve existir legitimidade ad processum das partes, capacidade processual para estar em juízo.

Existem os pressupostos processuais negativos os quais, caso presentes, impedem o julgamento do mérito do processo. Situam-se fora da relação jurídica processual em análise, assim, também são chamados de pressupostos extrínsecos ou exteriores. São a litispendência e a coisa julgada. Há parte da doutrina que relaciona a perempção (perda do direito de ação civil em razão do processo ter sido extinto por três vezes – artigo 267, inciso III, do Código de Processo Civil) como pressuposto processual negativo. Entretanto, a doutrina majoritária não a inclui no rol, porque a considera um fenômeno que somente atinge o autor. Quanto à convenção de arbitragem, conforme Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery, “(CPC 267 VII e 301 XI) não é pressuposto processual porque matéria de direito dispositivo, que, para ser examinada, necessita da iniciativa do réu. Caso o réu não a alegue, o processo prossegue e vai ser julgado perante a jurisdição estatal, em processo regular. A ausência de alegação do réu torna a justiça estatal competente para julgar a lide, não havendo nenhuma invalidade no processo, que não será extinto pelo CPC 267 VII” (Código de Processo Civil comentado e legislação extravagante. 10. ed. rev., ampl. e atual. São Paulo: RT. 2007, p. 503).

jurisdição, conforme o § 3º do art. 267, porque, nos dizeres de Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery, não são acobertadas pela preclusão e devem ser examinadas de ofício pelo magistrado. Ocorre que a expressão “qualquer grau de jurisdição” deve ser entendida os da instância ordinária (primeiro e segundo graus), não se incluindo as instâncias extraordinárias do RE e do REsp, conforme os autores. As matérias ali enumeradas não podem ser alegadas, pela primeira vez, como objeto de recursos extraordinário e especial porque se exige que a questão tenha sido decidida (CF 102, III e 105, III), “circunstância impropriamente denominada de ‘prequestionamento’, para a admissibilidade desses recursos excepcionais”.281

Theotonio Negrão e José Roberto Ferreira Gouvêa, ao comentar o art. 267, § 3º, 1ª parte, do Código de Processo Civil, mencionam julgados que demonstram a diversidade de entendimentos quanto à possibilidade ou não e até qual momento do conhecimento de ofício, da preclusão ou não da matéria, da possibilidade ou não de conhecimento em instâncias extraordinárias, até que momento seja possível sua argüição, da necessidade do prequestionamento, entre outras situações.282

281 NERY JUNIOR, Nelson e NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de Processo Civil comentado e

legislação extravagante. 10. ed. rev., ampl. e atual. São Paulo: RT. 2007, p. 505.

282 “Questão relativa à ilegitimidade de parte é passível de exame de ofício, não podendo o Tribunal ‘ad

quem’ furtar-se de apreciá-la sob alegação de preclusão” (RSTJ 65/352). No mesmo sentido: RTJ 112/1.404, STJ-RT 706/193. “A sentença de mérito proferida em primeiro grau não impede que o Tribunal conheça dessas matérias (as do art. 267-IV, V e VI) ainda que ventiladas, apenas, em fase de recurso, ou mesmo de ofício” (RSTJ 89/193). “Em se tratando de condições da ação, não ocorre preclusão, mesmo existindo explícita decisão a respeito (CPC, art. 267, § 3º)” (VI ENTA-concl. 9, aprovada com 2 votos contrários). “Nas instâncias ordinárias não há preclusão para o órgão julgador, em matéria de condições da ação, enquanto não proferida por ele a decisão de mérito, podendo até mesmo apreciá-la sem provocação (CPC, arts. 267, § 3º, 301, § 4º e 463)” (RSTJ 81/308). No mesmo sentido: RSTJ 81/268. Não preclui a decisão que deixa de declarar extinto o processo, nos casos dos ns. IV, V e VI, - RTJ 94/445, RT 480/158, RT 607/141.

Em sentido contrário: “Resolvida no duplo grau de jurisdição controvérsia a dar por inexistente a carência de ação, através de acórdão transitado em julgado, não pode a questão ser rediscutida em recurso especial da decisão de mérito” (STJ – 3ª Turma, RESP 2.225/SP, Rel. Min. Cláudio Santos, j. 10/4/90, não conheceram, maioria, DJU 21/5/90, p. 4.433). “A questão sobre a legitimidade de parte, decidida em acórdão com trânsito em julgado, não mais pode ser discutida no mesmo processo, por força da preclusão. Recurso especial não conhecido” (STJ-3º Turma, RESP 2.728/SP, rel. Min. Cláudio Santos, j. 5/6/90, não conheceram, v.u., DJU 25/6/90, p. 6.038). No mesmo sentido: RTFR 134/35. “A decisão que deu pela ilegitimidade ‘ad causam’, se não recorrida, faz coisa julgada”, RT 517/01.