• Nenhum resultado encontrado

EVANGELHO SEGUNDO MARCOS

No documento A Bíblia, o Alcorão e a Ciência (páginas 72-75)

É o mais curto dos quatro Evangelhos. É também o mais antigo, mas nem por isso ele é o livro de um Apóstolo: é, nada mais nada menos, que um livro redigido por um discípulo de um apóstolo.

O. Culmann escreveu que não considerava Marcos um discípulo de Jesus. Mas o autor faz notar para quem a atribuição deste Evangelho ao apóstolo Marcos pode parecer suspeita, que “Mateus e Lucas não teriam utilizado este Evangelho como eles o fi zeram, se não estivessem fundamentados efetivamente sobre o ensinamento de um apóstolo!” Mas isto é um argumento não decisivo. O. Culmann cita igualmente, como apoio da reserva, que ele junta às frequentes citações do Novo Testamento, um certo “o João chamado Marcos”, mas essas citações não contém a menção de um autor do Evangelho, e o texto de Marcos não menciona o autor.

A pobreza das informações sobre esse ponto conduziram os comenta- dores a tomar, como elementos de valor, pormenores, que parecem enredados, tais como: sob o pretexto de que Marcos é o único evangelista a contar na sua narração da Paixão o espírito de um jovem, tendo apenas um lençol como vestimenta e que, detido, tira um lençol e foge nu (Marcos 14:51-52), alguns con- cluíram que o jovem em questão poderia ser Marcos, “discípulo fi el que tenta seguir o Mestre” (Tradução Ecumênica); para outros, pode-se ver aqui: “por esta lembrança pessoal uma marca de autenticidade, numa assinatura anônima”, “provando que ele foi testemunha ocular” (O. Culmann).

segundo a qual o autor era um judeu de origem”, mas a presença de latinismos pode sugerir que ele escreveu seu Evangelho em Roma. “Ele se endereça, aliás, aos cristãos que não vivem na Palestina e toma cuidado em lhes explicar as expressões aramaicas que emprega”.

Com efeito, a tradição quis ver em Marcos o companheiro de Pedro em Roma, fundamentando-se no fi nal da primeira epístola de Pedro (se de fato este é o seu autor). Pedro teria escrito aos destinatários da Epístola: “A comunidade dos eleitos, que está em Babilônia, vos saúda assim como Marcos, meu fi lho”. Babilônia “quer dizer provavelmente Roma”, lê-se nos comentários da Tradução Ecumênica por onde se crê autorizado a deduzir que o Marcos que tinha estado com Pedro em Roma seria o Evangelista... Foi um raciocínio desse tipo que levou Papias, bispo de Hierápolis, pelo ano 150, a atribuir o Evangelho em questão a um Marcos, que dizia ter sido “o intérprete de Pedro”, e que teria sido também um colaborador de Paulo?

Nessa perspectiva, situar-se-ia a composição do Evangelho de Marcos depois da morte de Pedro, portanto mais cedo, entre 65 e 70, para a Tradução Ecumênica, cerca de 70 para O. Culmann.

O texto mesmo deixa aparecer indiscutivelmente um primeiro grande defeito: ele é redigido sem o mínimo cuidado com a cronologia. Assim, Marcos coloca no começo de sua narração (1:16-20) o episódio dos quatro pescadores que Jesus convida a segui-lo, dizendo simplesmente: “Vocês, serão pescadores de homens”, quando estes nem sequer o conheciam. O evangelista manifesta, além disso, uma ausência completa de probabilidade.

Como disse R. P. Roguet, Marcos é um “escritor desajeitado”, o mais incipiente de todos os evangelistas, ele não sabe compor bem uma narração e o comentador apoia sua observação na citação de uma passagem, contando a instituição dos doze apóstolos, da qual a tradução literal é a seguinte:

“E, tendo subido a montanha, chamou a si aqueles que Ele mesmo quis e eles vieram para junto d’Ele. E escolheu doze para que andassem com Ele e para os enviar a Pregar e ter o poder de expulsar os demônios. E Ele fez os doze e impôs a Simão o nome de Pedro” (Marcos 3:13-16).

Para certos episódios, ele está em contradição em Mateus e com Lucas, como lembramos anteriormente a propósito do prodígio de Jonas. Além disso, a propósito dos milagres que Jesus oferece aos homens ao longo de sua missão, Marcos conta (8:11-12) um episódio que não é acreditável.

“Os fariseus vieram e puseram-se a discutir com Jesus; para fazê-lo cair numa armadilha, pediram-lhe um sinal do céu. Arrancando um profundo suspi- ro, Jesus disse: “Por quê esta geração pede um sinal? Em verdade eu vos digo, não será dado nenhum sinal a esta geração”. E deixando-os tornou a embarcar e partiu para outra margem”.

É, sem dúvida, a afi rmação, vinda do próprio Jesus, de sua intenção de não fazer nenhum ato que pudesse parecer sobrenatural. Também, os comenta- dores da Tradução Ecumênica da Bíblia se admiram que Lucas declare que Jesus não dará a não ser um sinal, o de Jonas (ver o Evangelho de Mateus), julgando “paradoxal” que Marcos diga que “esta geração não terá nenhum sinal”, após, frisam eles, “os milagres que o próprio Jesus apresenta como os sinais” (Lucas, 7:22 e 11:20).

A totalidade do Evangelho de Marcos é ofi cialmente reconhecida como canônica. Nem por isso o fi nal de seu Evangelho (16:9-20) deixa de ser conside- rado pelos autores modernos como uma obra justaposta: a Tradução Ecumênica o assinala muito explicitamente.

Este fi nal não está contido nos dois mais antigos manuscritos comple-

tos dos evangelhos, o “Codex Vaticanus” e o “Codex Sinaiticus”, que datam do Século IV. O. Culmann escreveu a esse propósito: “Manuscritos gregos mais recentes e certas versões juntaram, nessa parte, uma conclusão sobre as apari- ções que não é de Marcos, tirada de outros Evangelhos”. Com efeito, as versões justapostas desse fi nal são numerosas. Há nos textos, tanto uma versão longa como uma versão curta (os dois foram reproduzidos na Tradução Ecumênica), tanto a versão longa com um aditivo, como as duas versões.

R. P. Kannengiesser comenta assim este fi nal: “Devem ter sido suprimidos os últimos versículos por ocasião da aceitação ofi cial (ou da edição vulgarizada) de sua obra na comunidade que a tomava como garantia. Nem Mateus, nem Lucas nem, a fortiori, João, conheceram a parte que falta. Todavia, a lacuna era intolerável. Muito mais tarde, uma vez os escritos similares de Mateus, Lucas e João postos em circulação, copilou-se uma digna conclusão de Marcos, re- colhendo elementos à direita e à esquerda nos outros evangelistas. Será fácil identifi car as peças deste “enigma”; especifi cando Marcos, (16:9-20) ter-se-ia uma ideia mais concreta da liberdade com que se tratou o gênero literário da narração evangélica, até o limiar do Século II”.

Que confi ssão sem rodeios da existência de manipulações, por homens,

No documento A Bíblia, o Alcorão e a Ciência (páginas 72-75)