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OS SEIS PERIODOS DA CRIAÇÃO

No documento A Bíblia, o Alcorão e a Ciência (páginas 134-138)

A narração bíblica53 evoca sem a menor ambiguidade a criação em seis

dias seguidos de um dia de descanso, o sábado, por analogia com os dias da semana. Verifi cou-se que essa maneira de narração pelos sacerdotes do século VI A.C. atendia às intenções de exortação à prática do Sabat: devendo todo judeu, no fi m do sábado, descansa54 como o Senhor havia feito depois de haver

trabalhado durante os seis dias da semana.

Assim compreendida pela Bíblia, a palavra “dia” defi ne o intervalo de tempo compreendido entre dois sucessivos nascer do sol ou dois sucessivos pôr do sol para um habitante da Terra. O dia defi nido desta maneira é o dia da rotação da Terra sobre si mesma. É muito evidente que não se pode, em plena lógica, falar de “dias” num sentido assim defi nido, enquanto que o mecanismo que

53 - Narração bíblica, que é tratada aqui, é a narração da qual falamos na primeira parte desta obra; a narração Yahvista, condensada em algumas linhas no texto atual da Bíblia, é muito insignifi cante para que o tomemos aqui em consideração.

lhe vai provocar o aparecimento - isto é, a existência da Terra e sua rotação ao redor do Sol - não estava ainda estabelecido nos primeiros estágios da criação, segundo a narração bíblica. Esta impossibilidade foi sublinhada, na primeira parte deste livro.

Referindo-se aos textos da maioria das traduções do Alcorão, lê-se - por analogia com o que nos informa a Bíblia - que, para a Revelação islâmica, o processo da criação se desenrola igualmente num período de seis dias. Não po- deriam ser censurados os tradutores por tomarem a palavra árabe, no sentido mais corrente. É assim que as traduções o exprimem comumente e podemos ler no Alcorão, no Versículo 54 do Capítulo 7:

“Vosso Senhor é Deus, Que criou os céus e a terra em seis dias”

Pouco numerosas são as traduções e comentários do Alcorão, que fazem notar que a palavra “dias” deverá ser compreendida como signifi cando períodos. Sustentou-se, aliás, que se os textos alcorânicos sobre a criação, divi- diam suas fases em “dias”, era com a intenção deliberada de retomar aquilo em que todos acreditavam, na Aurora do Islam, entre os judeus e os cristãos, e de não ferir frontalmente uma crença tão largamente difundida. Com efeito, e sem rejeitar absolutamente esta maneira de ver, não se pode considerar mais de perto o problema e examinar os sentidos possíveis que pode ter, no Alcorão mesmo e mais geralmente na linguagem da época, a palavra que numerosos comentadores continuam traduzindo por yawn, no plural ayyam em árabe55.

Seu sentido mais corrente é dia, mas precisamos bem que ele tende a designar mais a claridade do dia que a duração do tempo entre um pôr do sol e o do dia seguinte. O plural ayyam pode signifi car não somente dias mas ainda longa duração, período de tempo não fi xado (mas sempre longo). O sentido de “período de tempo”, que pode ter a palavra, encontra-se em outra parte do Alcorão. É assim que lemos:

- Capítulo 32, Versículo 5:

“...em um dia (yawm) cuja duração será de mil anos, de vosso cômputo.”

Nota-se que o versículo que precede o versículo 5 evoca precisamente a criação em seis períodos.

55 - Encontraremos na úlƟ ma página desta obra a correspondência entre os caracteres laƟ nos e os caracteres árabes.

- Capítulo 70, Versículo 4:

“... em um período de tempo (yawm) cuja medida é de 50.000 anos”.

O fato de que a palavra yawm podia designar um período de tempo, completamente diferente daquele a que nós damos o sentido de dia, havia chocado os comentadores mais antigos que não possuíam naturalmente o co- nhecimento que nós temos da duração das fases da formação do universo. É assim, que, no século XVI D.C., Abu Al-Sued, que não podia ter noção do dia difundida pela astronomia em função da rotação da Terra, pensava que era pre- ciso, para a criação, considerar uma divisão não em dias no sentido como nós entendemos habitualmente, mas em “acontecimento” (em árabe nawbat).

Os comentadores modernos retomam essa interpretação. Yusuf Ali (1934) insiste em seu comentário de cada versículo, que trata das fases da criação, sobre a necessidade de tomar as palavras algures interpretadas com o sentido de “dia”, como signifi cando, em realidade, “longos períodos”, “idades”.

Pode-se, portanto, admitir que o Alcorão considera, para as etapas da criação do mundo, longos períodos de tempo, que ele calcula em número de seis.

Certamente, a ciência moderna não admitiu aos homens estabelecer que as diversas etapas dos processos complexos, que culminaram na formação do universo, eram em número de seis, mas ela formalmente demonstrou que se tratava de muito longos períodos de tempo, ao lado dos quais os “dias”, tais como nós os concebemos seriam, uma derrisão.

Uma das passagens mais longas do Alcorão, tratando da criação, a evo- ca, justapondo uma narração dos acontecimentos terrestres e uma narrativa de acontecimentos celestes. Trata-se dos versículos 9-12 do Capítulo 41. (Deus dirigindo-se ao Profeta):

“Dize-lhes (mais): Renegaríeis, acaso, Quem criou a terra em dois dias, e Lhe atribui- reis rivais? Ele é o Senhor do Universo! E sobre ela (a terra) fi xou fi rmes montanhas, e abençoou-a e distribuiu, proporcionalmente, o sustento aos necessitados, em quatro dias. Então, abrangeu, em Seus desígnios, os céus quando estes ainda eram gases, e lhes disse, e também à terra: Juntai-vos, de bom ou de mau grado! Responderam: Juntamo-nos volun- tariamente. Assim, completou-os, como este céus, em dois dias, e a cada céu assinalou a

sua ordem. E adornamos o fi rmamento terreno com luzes, para que servissem de sentinelas. Tal é o decreto do Poderoso, Sapientíssimo.”

Esses quatro versículos do Capítulo 41 apresentam vários aspectos sobre os quais voltaremos: estado gasoso inicial da matéria celeste e a defi nição toda simbólica de céus em número de sete. Veremos o sentido da cifra. Simbólico é igualmente o diálogo entre, de um lado Deus e, de outro, os céus e a terra primitivos: aqui, trata-se apenas de exprimir a submissão às ordens divinas dos céus e da terra uma vez formados.

As críticas viram nessa passagem uma contradição com o enunciado de seis períodos da criação. Adicionando-se os dois períodos da formação da terra, os quatro períodos de repartição dessas substâncias por seus habitantes e os dois períodos da formação dos céus, atingir-se-ia o número de oito períodos, o que estaria em contradição com os seis períodos defi nidos mais acima.

Com efeito, o texto pelo qual o homem é convidado a refl etir sobre a Onipotência divina, partindo da terra para concluir sua refl exão a proposito dos céus, apresenta duas partes que são articuladas pela palavra árabe thumma tra- duzida por “ademais”, mas que quer dizer, de preferência, “em seguida”, ou “de- pois, além disso”. Pode, portanto, implicar um sentido de sucessão, aplicando-se a uma sucessão de acontecimentos ou a uma sucessão na refl exão do homem sobre os acontecimentos evocados aqui. Pode tratar-se, também, de uma simples menção de acontecimentos que se justapuseram sem intenção de introduzir um sentido de sucessão entre eles.

Não importa o que seja, os períodos da criação do céu podem perfei- tamente coincidir com os dois períodos da criação da terra: examinar-se-á, um pouco mais adiante, como é evocado no Alcorão o processo da formação do universo e veremos como ele se aplica conjuntamente aos céus e à terra, em conformidade com os conceitos modernos. Perceber-se-á, então, a perfeita legi- timidade dessa maneira de conceber uma simultaneidade nos acontecimentos evocados aqui.

Parece não haver oposição entre a passagem citada aqui e a concepção decorrente de outros dois textos do Alcorão sobre a formação do mundo em seis fases ou períodos.

No documento A Bíblia, o Alcorão e a Ciência (páginas 134-138)