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EXAME CRÍTICO DOS TEXTOS

No documento A Bíblia, o Alcorão e a Ciência (páginas 97-100)

Estamos aqui em presença de duas genealogias diferentes, tendo por ponto comum essencial o de passar por Abraão e David. Para facilidade desse exame, dirigir-se-á a crítica, dividindo o conjunto em três partes:

- De Adão a Abraão - De Abraão a David - De David a Jesus

1. Período de Adão a Abraão

Mateus, começando sua genealogia em Abraão, não será considerado aqui. Somente Lucas dá indicações sobre os ancestrais de Abraão até Adão: 20 nomes, dos quais 19 são encontrados, como se disse, no Gênesis (Capítulos 4, 5 e 11).

Pode-se conceber que houve apenas 19 ou 20 gerações de seres hu- manos antes de Abraão? O problema foi examinado a propósito do Antigo Testamento. Se se quer bem se reportar ao quadro dos descendentes de Adão, estabelecido de acordo com o Gênesis, e comportando as indicações, em cifras do tempo, que ressaltam do texto bíblico, dezenove Séculos aproximados teriam decorrido entre o aparecimento do homem sobre a terra e o nascimento de Abraão. Ora, como se calcula atualmente que Abraão viveu em torno de 1850 A.C., deduz-se que as indicações fornecidas pelo Antigo Testamento situam o aparecimento do homem sobre a terra e trinta e oito séculos aproximadamente A. C. Lucas foi, evidentemente, inspirado por esses dados para o seu Evangelho.

Ele exprime, por tê-los copiado, uma contra verdade fl agrante. Viu-se mais acima quais argumentos históricos peremptórios conduziram a esta afi rmação.

Que os dados do Antigo Testamento sejam aqui inadmissíveis para nos- sa época, ainda passa: caem no domínio do “caduco”, evocado pelo Concílio Vaticano II. Mas que os evangelistas retomem por sua conta os mesmos dados incompatíveis com a ciência, é uma constatação extremamente grave, oposta aos defensores da historicidade dos textos evangélicos.

Os comentadores sentiram perfeitamente o perigo. Eles tentam contor- nar a difi culdade, dizendo que não se trata de uma árvore genealógica completa, que alguns nomes são pulados pelos evangelistas, de propósito, e que ocorre somente “a intensão de estabelecer, nas suas grandes linhas ou em seus elemen- tos essenciais, uma sequência fundada sobre a realidade histórica”37. Nada nos

textos autoriza a levantar esta hipótese, porque está bem claro: um tal gera um tal, ou um fi lho tal dum tal. Além disso, o evangelista, no que precede a Abraão, notadamente, toma suas Informações no Antigo Testamento, onde as genealo- gias são expostas na forma seguinte:

X em tal idade, gerou Y... ...Y viveu tantos anos e gera Z. Não há portanto ruptura.

A parte da genealogia de Jesus, segundo Lucas, anterior a Abraão, não é admissível à luz dos conhecimentos modernos.

2. Período de Abraão a Davíd

Aqui as duas genealogias correspondem ou quase, menos um ou dois nomes: erros involuntários dos copistas podem explicar a diferença.

A verossimilhança está aí do lado dos evangelistas?

Davi é situado pela história em torno do ano 1000, Abraão lá por 1850-1800 A.C.: 14 a 16 gerações para oito séculos aproximados; isto é crível? Digamos que, para esse período, os textos evangélicos estão no limite das coisas admissíveis.

3. Período Posterior a Davi

Os textos não concordam mais inteiramente para estabelecer a ascen- dência davídica de José, fi gurativa da ascendência de Jesus para o Evangelho.

Deixemos de lado a falsifi cação evidente do Codex Bezae Contabrigíensis no que concerne a Lucas e comparemos os que nos relatam os dois manuscri- tos mais vulneráveis: o Codex Vaticanus e o Codex Sínaitícus.

Na genealogia de Lucas, 42 nomes têm seu lugar após David (N° 35) até Jesus (N° 77). Na gemealogia de Mateus, 27 são mencionados depois de Daüd (N° 14) até Jesus (N° 41).

O número de ascendentes (fi ctícios) de Jesus é, pois, diferente, poste- riormente a David nos dois Evangelhos. Além disso, os nomes são também diferentes. Porém, há mais.

Mateus nos diz ter descoberto que a genealogia de Jesus se dividia, depois de Abraão, em três grupos de 14 nomes: o primeiro grupo de Abraão a Davi; segundo grupo de David a deportação para a Babilônia; terceiro grupo, da deportação para a Babilônia a Jesus. Seu texto comporta efetivamente 14 nomes nos dois primeiros grupos, mas, no terceiro grupo, da deportação para a Babilônia a Jesus, há somente 13 nomes e não os 14 esperados, pois o quadro mostra que Salathiel tem o N° 29 e Jesus o N° 41. Não há uma variante em Mateus que dê 14 nomes para esse grupo.

Enfi m, para conseguir 14 nomes no segundo grupo, Mateus toma gran- des liberdades com o texto do Antigo Testamento. Os nomes dos seis primeiros descendentes de David (N° 15 a 20), estão conforme os dados do Antigo Testa- mento. Mas os três descendentes de Jorão (N° 20), que o duodécimo livro das Crônicas da Bíblia nos indica terem sido Ocasias, João e Amasias, são escamo- teados por Mateus. Além disso, Jeconias (N° 28) é, para Mateus, fi lho de Josias (N° 27), enquanto, conforme o segundo livro dos Reis da Bíblia, é Eleaquim que deve ser colocado entre Josias e Jeconias.

Assim está demonstrado que Mateus modifi cou as séries genealógicas do Antigo Testamento para apresentar um grupo fi ctício de 14 nomes entre Davi e a deportação para a Babilônia.

Quanto ao fato de que falta um nome do terceiro grupo de Mateus, assim como nenhum texto atual desse Evangelho contém os 42 nomes anun- ciados, a perplexidade provém menos de lacunas em si (erro muito antigo de um escriba que, se teria perpetuado, poderia explicá-lo) que do silêncio quase geral dos comentadores a esse respeito. Como, com efeito, não se aperceber da lacuna? O piedoso mutismo é rompido por W. Trilling que, em seu livro - O

Evangelho Segundo Mateus38, lhe consagra apenas uma linha. Ora, o fato está

longe de ser negligenciado, pois que os comentadores deste Evangelho, aí compreendidos os da Tradução Ecumênica e outros como o cardeal Daniélon, acentuam a importância considerável do símbolo 3 vezes 14 de Mateus. Para ilustrá-lo, o evangelista não teria suprimido sem hesitação os nomes bíblicos, a fi m de conseguir sua relação numerada?

Não se detendo por isso, os comentadores vão construir uma apologé- tica que tranquiliza, justifi cando a escamoteação de nomes e deslizando sobre a lacuna que faz cair o que o evangelista queria desmontar.

No documento A Bíblia, o Alcorão e a Ciência (páginas 97-100)