4 ANÁLISE DOS RESULTADOS
4.4 Análise dos eventos de Tarefa
4.4.2 Eventos alterados pelo trabalho virtual
Foram 13 os eventos alterados pelo trabalho virtual. Esta maior quantidade de eventos
de tarefa para este grupo levou ao aumento de um nível de agrupamento, no qual as situações
similares foram apresentadas conjuntamente.
Esse aumento na quantidade de eventos de tarefa alterados pelo trabalho virtual pode
ser explicado pelo fato de que o que se alterou foi o local de trabalho, mas não as atividades e
nem as responsabilidades.
Figura 5 – Eventos de tarefa alterados pelo trabalho virtual.
Fonte - Elaborado pela autora.
Os eventos de tarefa alterados pelo trabalho virtual estão separados em cinco grupos,
como mostrado pela Figura 4: dedicação ao trabalho; quantidade de trabalho; tecnologias e
equipamentos; questões pessoais, e falta de informações relevantes à tarefa.
Grupo 1: Eventos relacionados à quantidade de trabalho
O primeiro grupo, quantidade de trabalho, é composto por dois eventos: um com
relação ao excesso de trabalho e o segundo que é a imposição do trabalho na vida
pessoal/familiar.
O excesso de trabalho é uma constante na fala de boa parte dos entrevistados, com
muitas situações em que passaram toda a noite trabalhando para cumprir prazos
(G1-SV-R-T); esgotamento por trabalhar muitas horas seguidas (G8-V-R-(G1-SV-R-T); e ir além do horário de
trabalho para não deixar pendências (G9-V-S-P; G1O-N-T-T). Isso pode ser percebido na
angústia da fala da G12-N-R-T: “Porque trabalhar de casa não quer dizer que você possa ir à
academia mais, ficar lá malhando horas. Nem meia hora, nem dez minutos, a gente não
Eventos
alterados pelo
trabalho virtual
Eventos
relacionados à
quantidade de
trabalho
Questões
pessoais
Dedicação ao
trabalho
Questões
relacionadas à
tecnologia e
equipamentos
Falta de
informações
relevantes à
tarefa
consegue ir para lugar nenhum.” Para esta Gestora Virtual, a rotina de trabalho em home
office, somada ao fato de ter dois filhos pequenos, não deixa tempo para nada mais.
Relacionado a isso, o segundo evento desse grupo é a imposição do trabalho na vida
pessoal/familiar. Nesse sentido, há uma constância na fala dos entrevistados de não conseguir
realizar as refeições durante a semana sem interrupção (G4-N-R-T; G8-V-R-T); trabalhar
durante os finais de semana (G1-SV-R-T; G5-SV-R-T); interromper atividades pessoais,
inclusive viagens com a família no feriado, para dar prosseguimento a assuntos urgentes
(G4-N-R-T; G5-SV-R-T; G14-V-R-P).
Como os meios de comunicação pessoal e profissional são os mesmos, acontece da
pessoa ser contatada fora do horário de trabalho por diferentes meios, inclusive telefone
celular e telefone residencial, WhatsApp e o comunicador do Facebook (G4-N-R-T;
G5-SV-R-T; G6-V-F-P; G11-SV-S-T; G14-V-R-P), como fala o G14-V-R-P: “Tem suporte, tem
garantia, e o cliente acaba usando a via que ele mais conhece”. Nesse sentido, muitas vezes os
empregadores, clientes e superiores questionam fatos do cotidiano da pessoa, como na
passagem apresentada pela G11-SV-S-T:
Te dão prazo: até sexta. Hoje é terça e o cara está lá cobrando, perguntando
como está, como está, como está. E de repente você diz: “-Ah, não, não
comecei ainda.” E o cara vai falar: “-Mas eu vi que você postou no
Facebook que você está viajando.” Sabe umas coisas meio invasivas? A
pessoa não tem o hábito de trabalhar com este modelo novo e ela aplica
relações de modelos antigos.
A interferência do trabalho na vida pessoal também pode comprometer outras partes
da vida na casa e do relacionamento familiar, como o G21-V-F-P que teve o escritório
‘invadindo’ outras partes da casa: “a minha mesa da sala virou hoje um CPD. Hoje eu tenho
dois monitores na mesa da sala. Ou seja, não faço as minhas refeições na mesa da sala, que
virou uma extensão do meu escritório.” Esse mesmo gestor teve o seu filho cobrando um
momento para brincarem juntos, porque ele nunca tem tempo livre, pois está sempre
trabalhando.
Grupo 2: Questões Pessoais
Não é somente o trabalho que interfere nas questões familiares e pessoais, mas o
contrário também acontece. As questões pessoais compreendem muitos dos eventos
cotidianos dos gestores virtuais. Nesse sentido, a partir do momento que a pessoa passa a ser
um trabalhador virtual, a ‘casa’ se torna um agente de interrupção, com os seus barulhos,
obras, vizinhos, assim como todos os demais habitantes da casa, inclusive animais de
estimação, filhos, pais.
A G18-SV-R-T apresenta sua angústia com relação a ter recebido mais atribuições
com a manutenção da casa, que antes era dividida com o cônjuge. “Então, assim, por conta
dessa flexibilidade do horário, eu conquistei essa atribuição. Infelizmente, foi uma conquista
que eu não gostei.”
A falta de entendimento da seriedade do trabalho por outros membros da família
também apareceu na fala de muitos entrevistados. “Então, eu demorei um tempo para que ele
[o marido] entendesse que eu estou trabalhando. Eu ganho para fazer aquilo e ganho para
produzir. Então, eu precisava produzir. Não para ele, só produzir para a empresa.”
(G15-V-F-P) Esta é a visão de parte dos demais membros da família, especialmente para os gestores que
são casados, ou vivem com os pais.
Enfim, as pessoas acham, algumas pessoas têm até uma certa dificuldade,
algumas, poucas, mas algumas pessoas da família, agora não, mas eles
tinham dificuldade de assimilar que realmente eu estava trabalhando. Então,
eu comecei a trancar a porta para trabalhar. (G10-N-R-T)
Vários entrevistados tiveram que se isolar da família para conseguir trabalhar e não
serem interrompidos, ou mesmo terem problemas com o trabalho, como cachorros e gatos
roendo fios, ou brigas entre animais que conseguem dar curto-circuito no computador
(G20-SV-R-T). Até mesmo problema com crianças curiosas, como aponta o G21-V-F-T “Em casa
eu tenho mãozinhas, com 15 dedos em cada mãozinha. Em casa eu tenho três gatos, que
adoram teclados. No escritório eu não tenho isso.” A G12-N-R-T complementa com a questão
dos barulhos da casa:
A gente está em uma reunião, o cachorro resolve latir. Sei lá, coitado, é a
forma de ele se expressar. Mas esses fatores externos, eu acho que
aborrecem um pouco. Às vezes você escuta criança chorando. E eu acho que
esses fatores são mais perturbadores. (G12-N-R-T)
Nesse sentido, a G19-V-F-P complementa que são esses barulhos que ‘denunciam’
que se está trabalhando de casa, mas se eles não acontecem, ninguém vai saber que se trabalha
de casa.
Algo interessante da fala dos entrevistados é que algumas interrupções são favoráveis,
como os filhos desenhando ao lado da mesa, ou fazendo a lição de casa ao lado do pai/mãe
(G12-N-R-T), os cachorros e gatos que vem pedir carinho em momentos de maior tensão
(G22-SV-R-T), ou mesmo as coisas que precisam fazer fora de casa e que conseguem ser
acomodadas durante o dia, como médico, ginástica, cabelereiro, entre outras atividades. Nesse
sentido, alguns entrevistados incluíram atividades que eles percebem que auxiliam na
melhoria da produtividade, como a G11-SV-S-T, que para tudo na metade do dia para correr e
a G13-V-S-T, que faz Pilates e Yoga durante o dia.
Grupo 3: Dedicação ao trabalho
O terceiro grupo de eventos que já existiam anteriormente mas foram alterados pelo
trabalho virtual é o de dedicação ao trabalho, sendo composto pelos eventos de conflito de
horários, alteração dos processos de trabalho e pela escolha dos projetos em que quer estar
envolvido.
Os conflitos de horário no trabalho do gestor virtual algumas vezes são influenciados
pela distância do escritório, em que as demais pessoas agendam reuniões, eventos e
entrevistas, primeiro com clientes e demais pessoas da empresa e, por último, comunicam à
quem está em home office (G1-SV-R-T; G11-SV-S-T). Assim, tanto o gestor como sua equipe
passam por diferentes questões para solucionar essas situações.
Quando é necessário alterar um processo de trabalho remoto, muitas vezes é preciso
passar pela aprovação de diferentes áreas, inclusive o suporte técnico (G14-V-R-P), para
analisar o impacto que terá no fluxo de informações no servidor. Assim, alguns dos gestores
virtuais entrevistados dizem que o tempo gasto para alterar é bem maior e mais burocrático
(G16-V-F-P).
Sobre a escolha de projetos para participar, o gestor e sua equipe muitas vezes se
valem de diferentes comunicações, métricas e inclusive informações externas na tomada de
decisão, como a quantidade de encontros presenciais previstos (G11-SV-S-T; G20-SV-R-T) e
quem será o cliente do projeto. Sempre que podem, eles preferem escolher os projetos para
participar e as pessoas que irão compor as suas equipes.
Grupo 4: Questões relacionadas às tecnologias e equipamentos
No penúltimo grupo dos eventos de tarefa que foram alterados pelo trabalho virtual
estão as questões relacionadas às tecnologias e equipamentos, que tem como eventos a
escolha dos recursos de trabalho e os problemas que encontram com estes. Para Bell e
Kozlowski (2002) é a natureza da tarefa que determina a tecnologia a ser utilizada, tendo
grande influência o intercâmbio de informações exigido entre a equipe na condução das
atividades.
A partir do momento em que os depoentes passaram a trabalhar remotamente, mesmo
que a empresa ofereça os equipamentos aos que possuem vínculo de emprego, as pessoas têm
a opção de usar esses, ou adquirir outros equipamentos e mesmo sistemas com os quais se
sintam mais confortáveis em utilizar. A G18-SV-R-T, que usa o computador pessoal, diz que
ela mesma teve que arcar com os custos de upgrade de sistema quando migrou para o home
office.
Tem gente, por exemplo, a empresa tem laptop. As pessoas, no trabalho, elas
podem optar entre laptop e desktop. Eu uso, por exemplo, eu uso o desktop
da empresa quando trabalho aqui e o meu desktop em casa, quando estou em
casa. Tem gente que usa só o equipamento da empresa em casa ou fora
daqui. Tem gente que prefere usar o seu computador pessoal pra trabalhar,
tanto em casa quanto aqui.
A maior parte das equipes possuem algum tipo de repositório de conteúdos e
informações, como o Google Drive, Dropbox, servidores privados e sistemas proprietários,
fornecidos pela empresa. Quando a empresa não fornece diretamente – especialmente no caso
dos gestores sem vínculo formal - ou mesmo quando o sistema de compartilhamento aparenta
ser menos prático que outras soluções comerciais, o gestor opta pelo que acredita ser melhor.
Nesse sentido, nenhum dos depoentes disse possuir uma política clara sobre que sistemas
podem ou não ser utilizados pela equipe remota.
Sobre os problemas com as tecnologias de trabalho, todos os entrevistados já tiveram
algum tipo de problema, mas com diferenças grandes na forma de condução da solução. Há
quem faça a manutenção por conta própria (G3-N-R-T; G21-V-F-T), ou usam informalmente
conhecidos, especialmente parentes e vizinhos (G1-SV-R-T; G4-N-R-T; G12-N-R-T). Isso
acontece, de acordo com os depoimentos, por conta do tempo de espera por uma solução
corporativa, que é considerado um tempo não trabalhado. Algumas empresas oferecem um
canal de manutenção remoto, inclusive com números de 0800, o que auxilia também a que a
pessoa não fique muito tempo sem os equipamentos. “Mas a parte de helpdesk da empresa,
como é terceirizada, é bem deficiente ainda. [ ] A gente acaba tendo que se virar, tem que
pedir na amizade para alguém dar uma ajuda, para ter agilidade.” (G15-V-F-P). Sempre há os
casos em que a empresa deixa a desejar, ou que a pessoa, mesmo tendo uma estrutura
fornecida pela empresa, acaba por ter que utilizar a estrutura da casa, como na fala da
G15-V-F-P:
Eu tive que formatar diversas vezes, eu tive que fazer um montão de coisas.
Enquanto isso, eu acabava usando o meu telefone de casa. Então, para mim
isso era muito básico e eu não gostava. Era um negócio bem feio que
acontecia e teve muita discussão por causa disso.
Para os depoentes que possuem o escritório da empresa em uma distância viável, eles
acabam por levar os seus equipamentos até a empresa para que possa ter manutenção
(G9-V-S-P). A Dell oferece um sistema de apoio a pessoas e empresas que as entrevistadas
G10-N-R-T e G12-N-G10-N-R-T adquiriram, para ter mais uma forma de garantir que elas não fiquem sem
equipamentos, mesmo que tenham outros canais de manutenção.
Eu aprendi, que é ridículo falar isso, mas, por exemplo, você está
imprimindo uma coisa, na hora em que você está imprimindo o documento
mais importante é que acaba a tinta. Não é assim? (G12-N-R-T).
Nesse sentido, quinze dos vinte e dois entrevistados possuem mais de um computador,
sistema e servidor de acesso à internet, sendo oferecido pela empresa ou não. “Tem que ter
uma boa internet, você tem que ter um respaldo de um técnico que possa vir. Tipo, deu um
problemão, você consiga, se a pessoa vier naquele dia tentar resolver o seu problema. É uma
infraestrutura.” (G12-N-R-T).
Grande parte dos problemas dos entrevistados está relacionada com a falta de conexão
com a internet. Como todos são ‘trabalhadores virtuais’, o trabalho é quase totalmente
dependente de conexão para acontecer. Sem internet não há como participar de reuniões, ter
acesso e enviar documentos e atividades finalizadas. “Porque eu dependo de duas internets
para trabalhar, a minha internet, na minha casa, e a internet do meu escritório.” (G17-V-F-P).
Da mesma forma, para viabilizar o trabalho independente do local onde estejam, muitos dos
softwares utilizados pelos trabalhadores virtuais estão na nuvem, como acontece com os do
G3-N-R-T. Esta solução é essencial para ele e outros trabalhadores pois, o tempo
desconectado, muitas vezes representa um tempo não trabalhado. Por outro lado, ter as
informações na nuvem também pode facilitar a mobilidade, como pontuado pela
G22-SV-R-T, “Então, de qualquer lugar do mundo que eu estiver, mesmo se eu não estiver com o meu
computador, eu consigo acessar.”
O último grupo de eventos de tarefas que foi alterado pelo trabalho virtual diz respeito
a falta de informações relevantes à tarefa. São três os eventos desse grupo: quando há
situações em que não se sabe como lidar; quando falta especificação sobre o responsável pela
tarefa e quando precisa de recursos/informações que estão no escritório.
Os três casos poderiam não ser considerados eventos em um ambiente de trabalho
presencial pois, ao ter alguma dúvida, muitas vezes, seria só perguntar ao colega do lado, ou
andar pelo escritório até descobrir de quem é a responsabilidade pela atividade, ou quem
possui as informações necessárias à tarefa. Essas situações se alteram profundamente quando
o trabalho é feito em home office e o acesso às demais pessoas depende de uma tecnologia de
apoio. Para a G19-V-F-P, por exemplo, a empresa alterou o processo de tratar as dúvidas,
“Então, a gente tem todo um processo para escalar qualquer assunto que realmente você fique
na dúvida ou alguma coisa assim.” Já a G15-V-F-P possui uma assistente que fica no
escritório, justamente para dar o apoio a ela e sua equipe nas questões burocráticas. Para o
G18-SV-R-T, “por exemplo, questões administrativas, eu tenho um pouco de dificuldade de
obter um retorno rápido dos órgãos centrais a quem eu me reporto.”
Desta forma, são cinco os grupos de eventos de tarefa que foram alterados pelo
trabalho virtual. Eles compreendem a forma e grau de dedicação exigida pelo trabalho
remoto; a forma como se lida com uma grande quantidade de trabalho; as questões que
envolvem as tecnologias e equipamentos, desde a escolha do que pareça ser mais eficiente e
eficaz, até as situações em que há problemas com as tecnologias que prejudiquem o
andamento do trabalho; todas as questões pessoais, que o trabalhador envolvido pelo seu
ambiente familiar não consegue fugir; e, finalmente, os problemas relacionados à falta de
informações relevantes ao desenvolvimento da tarefa, e a forma de buscar essas informações.
No documento
GESTORES VIRTUAIS E OS EVENTOS DO COTIDIANO DE TRABALHO EM UM CONTEXTO DE HOME OFFICE
(páginas 90-97)