4 ANÁLISE DOS RESULTADOS
4.6 Análise dos eventos de comunicação
4.6.2 Eventos que foram alterados pelo Trabalho Virtual
O segundo grupo de eventos de comunicação é formado pelas situações de trabalho
que já existiam no trabalho desenvolvido de forma tradicional, no escritório presencial, mas
que, de alguma forma, foram alteradas pela mudança para o home office. Essa alteração pode
compreender mudanças e inclusão de diferentes práticas, outros recursos que precisam ser
envolvidos na condução do evento, ou tiveram uma compreensão diferenciada sobre o que
representam no cotidiano profissional do gestor. A Figura 14 apresenta os eventos que foram
alterados pelo trabalho virtual.
Figura 14 – Eventos que foram alterados pelo trabalho virtual.
Fonte - Elaborado pela autora.
Grupo 1: Eventos que envolvem o deslocamento ao escritório físico
Se antes o normal era ir ao escritório todos os dias e realizar de lá todas as atividades
profissionais, para o gestor virtual, muitas vezes, ir para o escritório significa um tempo de
trabalho perdido. Para a G11-SV-S-T, que mora em um dos municípios do entorno da Grande
São Paulo e que tem o escritório da empresa no centro da cidade, só o deslocamento é tempo
de trabalho perdido, como ela coloca: “Mas só que ultimamente eu tenho deixado bastante
implícito isso. Porque já aconteceu de eu me deslocar 30 quilômetros em um dia, chegar a
uma reunião e ficar apenas 15 minutos.”
Quando há uma situação que exige a ida ao escritório presencial, seja por solicitação
de superiores, para interagir e pedir auxílio a outras áreas da empresa, ou mesmo para reunir
as pessoas envolvidas em questões mais delicadas e urgentes, isso pode ser considerado um
evento, pois interrompe o fluxo normal de trabalho, muitas vezes gerando inconsistência e
sobrecarga, e exigindo ações posteriores.
No caso do G7-V-R-T, a demanda para ir ao escritório normalmente vêm de seu
superior. “Só se o meu gerente chegar para mim e falar ‘Vamos lá para o escritório hoje para
a gente almoçar, trocar uma ideia? Eu preciso falar com você. A gente conversa melhor.’”
Nos demais dias, segundo ele, “consegue trabalhar de casa normalmente”. Essa situação está
presente na fala de oito dos demais depoentes, em que consideram como o ‘trabalho normal’ o
que é desenvolvido pelo espaço virtual de trabalho, em home office.
Eventos que foram alterados pelo trabalho virtual
Eventos que envolvem o deslocamento ao escritório Mísico
Situações de resposta urgente
Questões de horário / agenda
Eventos de comunicação relacionados à condução de projetos
Relacionamento com clientes
BeneMícios do trabalho virtual
Contato com colegas e parceiros
Grupo 2: Situações de resposta urgente
Tratar de questões urgentes em um ambiente de trabalho virtual envolvem diferentes
fatores, como encontrar e contatar simultaneamente todas as pessoas, ainda estando na
dependência de todos terem acesso à mesma tecnologia naquele momento.
Então, seria, teoricamente, uma vantagem do trabalho presencial, porque
você pode colocar todo mundo em uma sala de reunião e resolver aquilo ali.
Mas tem como funcionar remotamente também, se você usar a tecnologia
para isso. O que não falta hoje são opções para você fazer reunião virtual,
com vídeo ou sem vídeo, compartilhando a sua tela ou não, ou só áudio,
você pode falar desde um telefone até um Skype. (G9-V-S-P)
Ainda há o agravante da distância ser um fator que dificulta o acesso imediato às
demais pessoas da empresa, pois essas nem sempre se dispõem a parar as suas atividades para
atender solicitações externas. Mesmo para as pessoas que também trabalham em home office,
há a possibilidade de se colocar como ‘ausente’ e não responder às solicitações no momento
em que chegam, o que pode agravar as situações urgentes, que são mais difíceis de lidar.
Então, a dificuldade principal era essa, de você demorar um pouco para se
comunicar com as pessoas. Eu achava uma certa demora. E outra coisa é a
seguinte: as próprias pessoas olham lá e-mail de cliente e e-mail seu, eles
dão prioridade para e-mail de cliente. Até é uma coisa okay, mas não é tão
okay, porque o seu trabalho também depende do que você vai entregar para o
cliente. (G15-V-F-P)
Assim, as demais áreas da empresa, muitas vezes, encaram as solicitações dos
funcionários remotos com uma prioridade menor que a de clientes e de funcionários que
atuam presencialmente. Em outras palavras, algumas áreas das empresas percebem os
funcionários remotos como uma ‘segunda classe’ de funcionários. A solução encontrada pela
G15-V-F-P foi ter uma secretária presencial para atuar em seu favor junto às demais áreas. Já
o G16-V-F-P tem o contato com as demais áreas sempre remoto. Para ele, mesmo tendo
situações muito urgentes para solucionar, diz não ter problemas de interação.
Grupo 3: Questões de horário / agenda
Os conflitos de horário e agenda, mesmo já acontecendo antes do gestor passar ao
trabalho virtual, possuem outro enfoque por diferentes motivos. Primeiro, porque o
acompanhamento do trabalho se dá, muitas vezes, pelas entregas, ou pelos serviços prestados.
Ao ter complicações de horário, isso não só atrapalha o desenvolvimento das atividades, mas
também influencia em outras atividades profissionais, pessoais e até mesmo na percepção que
se tem do gestor sobre a sua capacidade de trabalhar neste modelo.
Nesse sentido muitos Gestores Virtuais, como a G1-V-F-P e a G22-SV-R-T, possuem
pessoas com quem podem contar, quando é impossível estar presencialmente em uma reunião,
ou com quem podem dividir as obrigações de estar em mais de uma reunião, ou situação ao
mesmo tempo.
Em segundo lugar, a agenda com diferentes atividades seguidas, ou com várias
reuniões em sequência, que podem amontoar-se. Nesse caso, acontece de a pessoa ter que
estar em mais de uma reunião ao mesmo tempo (G8-V-R-T), ou ter de desmarcar outros
compromissos. Alguns entrevistados, diante dessas situações preferem comprometer
atividades cotidianas não profissionais, especialmente o tempo das refeições, de convivência
com a família, o tempo de descanso e especialmente o tempo pessoal, do que as atividades
profissionais.
Grupo 4: Eventos de comunicação relacionados à condução de projetos
Todos os projetos possuem peculiaridades que tornam a sua gestão diferenciada. Os
eventos de comunicação que envolvem a gestão de projetos, são alterados em diferentes
aspectos, apresentados a seguir:
Tudo começa no início do projeto, quando há a necessidade de apresentar o projeto
para diferentes stakeholders. Nesse momento também é necessário escolher as pessoas que
farão parte da equipe e conhecer cada uma delas; além de fazer a reunião inicial do projeto.
Nesse sentido, muito se altera na comunicação entre pessoas que ainda não se conhecem, nem
tem familiaridade com a forma do outro trabalhar. Para o G5-SV-R-T, que faz todo o seu
trabalho virtualmente com a mesma equipe para um projeto por mais de um ano:
a primeira vez que eu fui [até o escritório] foi mais uma apresentação minha
e conhecer a equipe e eles apresentarem a proposta do que eles queriam e tal.
Mas aí acabou mudando a gestão também. Aí eu tive que voltar lá para
conhecer o novo gestor e aí, ele não mais sentia essa necessidade de estar ali
presente, de ir até lá, então a gente conseguiu ir tocando o projeto a distância
mesmo.
As tecnologias, por mais que facilitem a comunicação, também podem restringir a
troca de informações ao que pareça ser essencial no primeiro momento, mas que
posteriormente podem trazer diferentes interpretações sobre o que deve ser feito, às
necessidades, diretrizes e mesmo sobre o entendimento do projeto como um todo. Este caso
aconteceu com a G1-SV-R-T “as vezes acontece, por exemplo, do cliente na empresa solicitar
um projeto, então está intermediando com o cliente final, e já fechou o contrato, a proposta,
então vai ter que entregar aquilo, só que aí você fica sabendo no meio do processo que então o
resultado tem que vir de tal forma num relatório, né?!”
Em um ambiente virtual de trabalho muitas coisas se alteram e a exigência de um
gestor mais presente na condução do projeto pode ser imprescindível para o bom andamento.
A G10-N-R-T, que faz a gestão de alguns projetos simultaneamente, explica que precisa de
uma pessoa para intermediar a comunicação entre a equipe e o cliente, sendo ela a pessoa que
normalmente faz isso. “Eu geralmente faço um filtro, vou abrir primeiro, antes de distribuir
para a equipe. Vai que eu tenho alguma dúvida. Eu entro no Skype para falar com o cliente. E
quando necessário, eu faço interlocução.”
Em alguns casos, os membros da equipe do projeto acabam por exigir uma dedicação
muito grande do gestor para sanar dúvidas e verificar se as atividades estão ocorrendo
conforme o esperado. “Às vezes, sei lá, deu um nó no projeto. E aí um erro de comunicação
às vezes gerou uma bola de neve. Ou então, às vezes uma dúvida, que não foi bem-entendida,
que se acumulou com outra coisa.” (G10-N-R-T). Para não correr o risco de ter mal
entendidos e acabar cometendo erros nas tarefas, a G20-SV-R-T diz que “prefiro perguntar
vinte vezes, a tomar uma decisão baseada no que eu acho e que muitas vezes não é o que o
cliente quer, por mais sentido que faça para mim.”
Outro aspecto que mesmo já existindo anteriormente, se altera com o trabalho virtual é
o treinamento da equipe remota. Muito do treinamento, normalmente é feito ‘on the job’, com
um funcionário acompanhando e auxiliando outro, para assim adquirir as capacidades
necessárias. A partir do momento em que cada um trabalha da sua residência, esse tipo de
treinamento se torna mais complexo, pois envolve o deslocamento dos dois para um espaço
diferente por um tempo, ou o uso de outras formas digitais de interação para que o
treinamento seja feito a distância.
Grupo 5: Relacionamento com clientes
Muitas das questões que envolvem o relacionamento com clientes já existiam antes do
home office, mas foram alteradas. Uma dela é a forma pela qual os clientes entram em contato
e o desenrolar das situações, como apresentado na fala do G17-V-F-P, que começa as
reuniões avisando que está trabalhando em casa, para que os barulhos da casa não causem
estranhamento nas pessoas com quem interage. “Eu, como eu faço algumas reuniões, algumas
conversas via Skype, com alguns clientes e fornecedores, quando eu estou em casa, eu já aviso
que eu estou em casa, para ninguém ser pego de surpresa.” (G17-V-F-P).
Foram reportadas várias situações delicadas em que as pessoas passam por estarem
trabalhando de casa, que aconteceram com os respondentes e outros com quem estavam em
reuniões. Em uma situação apresentada pelo G7-V-R-T, a mãe da pessoa com quem ele estava
em reunião, entrou de camisola no escritório para entregar um sanduiche no meio da reunião.
O filho da G12-N-R-T entra no escritório quando reconhece a voz de conhecidos e as vezes
interrompe as reuniões da equipe. Há também relatos de barulhos com o caminhão de gás,
cachorros latindo e gatos que deitam na frente da câmera. Para alguns clientes, isso pode
trazer complicações ao relacionamento.
Um fator que envolve muitas das questões com o cliente é que ele já está em um
espaço físico diferente da empresa, então a forma de comunicação depende, ou de visitas
presenciais, inclusive para outras localidades, ou do uso de recursos tecnológicos, como
telefones e mensagens por e-mail. Para o G5-SV-R-T, “Eu acho que tem poucos clientes que
ligam, assim, que usam telefone. Mas, noventa por cento é comunicação virtual mesmo”. A
G22-SV-R-T, como alguns outros preferem usar o e-mail para comunicações com o cliente,
pois desta forma tudo fica registrado e pode ser recuperado quando precisa. Nesse sentido, o
home office possibilitou uma ampliação na escolha de recursos tecnológicos, inclusive com o
uso de comunicadores corporativos para falar com clientes, como é o caso da G19-V-F-P e a
G10-N-R-T que, inclusive, possuem clientes que atuam também em home office.
Conference [call] a gente faz muito, tem cliente que já tem Skype. Então, já
está acostumado a trabalhar assim, porque ele trabalha com outros
fornecedores assim. Às vezes o cliente também trabalha home office. Então,
ele gosta. (G10-N-R-T)
É interessante perceber que quando os clientes também atuam virtualmente, eles se
tornam mais tolerantes para as questões que envolvem o modelo de trabalho e até se sentem
mais confortáveis de lidar com outras pessoas que também trabalham de suas casas, como
colocado pela G10-N-R-T.
Para o G20-SV-R-T, “Geralmente os clientes me acionam sempre que há um
momento de pânico.” Por esse motivo, o fato de trabalhar em casa possibilita que ele esteja
sempre com os recursos para atender às solicitações dos clientes. A G22-SV-R-T
complementa que “às vezes o cliente demora para responder se está okay, demora para pedir
alteração e aí você fica de mãos atadas.” Assim, ela diz que o trabalho dela tem momentos de
maior tranquilidade e outros de muitas atividades urgentes.
Há casos também em que a proximidade física com o cliente foi um dos fatores que
pesou na decisão por trabalhar virtualmente. Outros casos, como o da G19-V-F-P que interage
com pessoas de diferentes partes do mundo, com vários fuso-horários, o fato de estar em casa
facilita o contato em horários de trabalho diferentes e agrega maior legitimidade para o
modelo de trabalho.
Há outros problemas apresentados pelos gestores entrevistados, como o fato do cliente
querer acompanhar o andamento do trabalho, ou exigir que o serviço seja executado em suas
dependências, como já foi mencionado anteriormente. Para a G20-SV-R-T, isso acontece
mais quando o cliente não está habituado a contratar o tipo de serviço que eles prestam, ou
está inseguro sobre qual o seu papel no processo. A confiança sobre a prestação do serviço em
outra localidade também pode pesar nessa situação. Apesar de que isso já poderia acontecer
antes, para o gestor virtual, isso não implica somente a mudança do trajeto de um escritório ao
outro, nem para ele, nem para sua equipe, mas sim a mudança na estrutura do trabalho e em
outros aspectos que foram decisivos para migrar ao trabalho virtual, inclusive questões
pessoais.
Grupo 6: Benefícios do Trabalho Virtual
Dentre os eventos que já existiam mas foram alterados pelo home office, merecem
destaque as situações que foram beneficiadas pelo trabalho virtual. Metade dos entrevistados
falaram especialmente da questão da diminuição de interrupções e aumento no foco nos dias
em que trabalham em home office. Para a G2-V-F-P, isso é uma das situações que mais altera
nos dias de homeoffice:
Algo que pode mudar é que as pessoas te procurarem e atrapalhar uma vez.
Se você está aqui no escritório, qualquer pessoa que passa, que vê você, ‘ah,
que eu tenho uma pergunta’, ‘ah, eu tenho uma dúvida’, ‘ah, eu tenho...’ e aí
você perde mais tempo. É bom que você ajuda muito mais gente, o trabalho
das outras pessoas, mas é uma coisa que em casa não acontece.
Isso levou alguns dos entrevistados a perceberem que a produtividade deles melhorou,
mesmo quando trabalham a mesma quantidade de horas por dia. Para os que não estão todo o
tempo de trabalho remoto, a decisão sobre quais atividades são feitas em casa considera a
tranquilidade de não ser interrompido durante o trabalho.
Um dos benefícios tem relação com as reuniões marcadas fora do horário de trabalho.
Por mais que antes essas reuniões já existissem, a facilidade de ser uma reunião remota, em
que o gestor já está em sua residência e consegue participar mais tranquilamente, para depois
voltar para as demais atividades não profissionais, coisa que antes ele não teria como fazer
sem gastar, ao menos, o tempo de deslocamento para casa ao final da reunião.
Essa semana eu tive só uma [reunião] às 06h00 e uma às 18h30, que foi a
mais tarde ou mais cedo. Mas, olha, semana passada teve uma às 05h00, para
poder conciliar com o pessoal da China. Então assim, tinha China e Índia na
mesma reunião. Então assim, você fica com reuniões espalhadas
(G19-V-F-P).
Um outro benefício percebido foi com relação ao atendimento a clientes, pois, ao
terem menos distrações profissionais, podem dar maior atenção às questões que envolvem os
clientes.
Grupo 7: Contato com colegas e parceiros
Um último ponto que se alterou com a ida do gestor para o home office foi o contato
com colegas e parceiros. Se no escritório, muitas vezes, o gestor pode somente virar para o
lado e pedir conselhos e dicas a colegas, no ambiente virtual isso precisa do uso de uma
ferramenta, mesmo que por um comunicador, ou contato por telefone, sms, etc. Toda a
comunicação e trocas entre colegas se torna dificultada, o que acaba por, muitas vezes, estar
restrita a questões pontuais mais sérias, em que isso seja realmente necessário.
O que mais é prejudicado é o contato social, que se torna dificultado de acontecer
normalmente, por falta de um espaço, como o café, ou bebedouro, e tempo de contato fora do
trabalho, como seria o horário de almoço, por exemplo.
No documento
GESTORES VIRTUAIS E OS EVENTOS DO COTIDIANO DE TRABALHO EM UM CONTEXTO DE HOME OFFICE
(páginas 150-157)