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6.1 Fato JUríDiCo

No documento LIVRO PROPRIETARIO direito civil i (páginas 124-129)

A distinção entre os fatos jurídicos e os fatos não jurídicos é razão de controvérsia entre os autores. Para alguns, fato jurídico (lato sensu) é todo fato que produz efeitos jurídicos, seja pela criação, modifi cação, extinção ou conservação de direitos e deveres. Para outros, fato jurídico é aquele que estabelece uma relação jurídica. Não é necessária a efetiva produção de efeitos jurídicos, bastando que o fato seja capaz de produ- zir efeitos jurídicos. Assim, a incidência de regras jurídicas sobre um determinado evento já seria sufi ciente para caracterização dele como um fato jurídico.

Essa segunda posição, defendida por Pontes de Miranda, apresenta perfeita compatibilidade com a teoria que desenvolveu, distinguindo os planos de existência, validade e efi cácia do negócio jurídico, como vere- mos mais adiante.

De outro lado, o fato não jurídico, também conhecido como fato material ou fato ajurídico, é defi nido como aquele irrelevante para o Direito, por não acarretar consequências jurídicas. Portanto, para deter- minar se o fato é jurídico, ou não, deve ser observado se este tem impor- tância para o Direito. Assim, um simples evento como a chuva pode ou não ser um fato jurídico.

Defi nido o que é um fato jurídico, resta observar que este comporta algumas classifi cações. De acordo com a função na relação jurídica, os fatos jurídicos podem ser classifi cados em: a) constitutivos: são os fatos que criam uma relação jurídica; b) extintivos: os fatos que põem fi m a uma relação jurídica; ou c) modifi cativos: aqueles que alteram uma relação jurídica já existente.

Todavia, a principal classifi cação dos fatos jurídicos continua sendo a que leva em consideração a natureza do fato, isto é, se o evento foi um fato humano (p. ex.: a celebração de um contrato) ou um fato da natu- reza (p. ex.: a aluvião – forma de aquisição originária de propriedade imóvel). Assim, o fato jurídico em sentido amplo (lato sensu) divide-se em fato natural e fato humano.

6.2.

Fato JUríDiCo natUral

O fato jurídico natural, também conhecido como fato jurídico em sentido estrito (stricto sensu), é todo evento capaz de provocar conse- quências jurídicas que independem da vontade humana. Ressalte-se, contudo, que o fato jurídico natural não é estranho aos seres humanos, pois a eles interessam na qualidade de sujeitos de direitos.

Os fatos jurídicos naturais podem ser devidos em duas espécies: os ordinários e os extraordinários:

VoCaBUlÁrio

irrelevante: sem importância,

cuja existência ou opinião é in- diferente para os demais.

Um dos maio- res juristas brasi- leiros, natural de Alagoas, Francisco

Cavalcanti Pontes de Miranda (1892- 1979) escreveu uma obra vastíssi-

ma sobre os mais variados temas, entre eles o direito privado. A par- tir da infl uência alemã e do diá- logo com outras ciências, como, por exemplo, a Física Clássica, aproximou vários ramos do nosso Direito a conceitos completamen- te inéditos no estudo da disciplina até então.

6.2.1. Fato jurídico natural ordinário

Considera-se fato jurídico natural ordinário todo fato comum da vida que tem importância para o Direito. Como exemplos, podemos ci- tar: a concepção e o nascimento, que determinam o início da personali- dade jurídica; a morte, que põe fim à mesma personalidade; a maiorida- de, que confere à pessoa capacidade civil plena.

Da mesma forma, podemos considerar a prescrição e a decadência como exemplos de fatos jurídicos naturais ordinários, pois o simples de- curso do tempo produz consequências jurídicas: a prescrição extingue a pretensão, e a decadência extingue o direito.

6.2.2. Fato jurídico natural extraordinário

Os fatos jurídicos naturais extraordinários são os fatos incomuns da vida, isto é, os fatos do acaso: caso fortuito e força maior. Questão complexa é a distinção entre esses dois institutos. Tamanha é a confusão entre eles que concordamos com os autores que defendem a ideia de que devem ser tratados como sinônimos.

Com efeito, não existe razão para promover a distinção entre eles se a importância para o Direito é a mesma: tanto o caso fortuito como a força maior são excludentes de responsabilidade civil. Exemplos: raios, terremotos, tsunamis, tempestades etc.

6.3.

Fato JUríDiCo hUMano

O fato jurídico humano, também conhecido como fato jurídico voluntário ou fato jurígeno, é toda conduta humana (comissiva ou omissiva) que gera consequências jurídicas. É caracterizado, portanto, pela presença da vontade humana (elemento volitivo). O fato jurídico humano é classificado de acordo com a sua compatibilidade com o or- denamento jurídico em lícito e ilícito.

6.3.1. Fato jurídico humano ilícito

Também conhecido como ato ilícito, é todo comportamento hu- mano contrário ao ordenamento jurídico: lei, moral, ordem pública e bons costumes. No Direito Penal, a importância do ato ilícito está na ca- racterização do crime e sua punição. No Direito Civil, a preocupação do estudioso do Direito está na apuração da responsabilidade patrimonial pelos danos causados.

A definição do ato ilícito civil está presente no art. 186 do Código Civil, que dispõe: “aquele que, por ação ou omissão voluntária, negli- gência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”. O dispositivo corresponde parcialmente ao art. 159 do Código Civil de 1916, mas substitui o ter-

Apesar da confusão que as expressões possam causar na prá- tica, especialmente por causa de suas consequências serem idên- ticas, alguns autores esforçam-se por diferenciar os conceitos de caso fortuito e de força maior. En- tre eles, Yussef Said Cahali afirma que a força maior decorre de um fato externo, estranho ao objeto do negócio, o caso fortuito pro- vém do mau funcionamento des- se mesmo objeto. Por isso, é de- fensável a exclusão da responsa- bilidade no caso de força maior, subsistindo, entretanto, no caso fortuito, por estar incluído este últi- mo no risco assumido pelas partes ao contratarem.

atenÇÃo

VoCaBUlÁrio

conduta comissiva: ato de re-

alizar algo indevido, ter uma ação efetiva.

conduta omissiva: Não realiza-

ção de algo que era devido, deixar de fazer uma ação de- terminada.

A prescrição e a decadên- cia serão objetos de estudo mais adiante. Esses institutos estão dis- ciplinados nos artigos 189 a 211 do Código Civil.

O STJ analisa, caso a caso, se é a força maior ou o caso fortui- to que está na raiz dos acidentes que geram a maioria dos pedidos de indenização.

CoMentÁrio

mo “ou” por “e” (grifado acima), com o propósito de pôr fi m à antiga discussão doutrinária quanto ao conceito de ato ilícito. Discutia-se se o dano era um requisito necessário à caracterização do ato ilícito.

O legislador do Código Civil de 2002 inovou, igualmente, ao intro- duzir o conceito de abuso de direito no art. 187: “também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fi m econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes”.

O abuso de direito é uma espécie de ato ilícito, mas não se confunde com o ato ilícito previsto no art. 186. O ato ilícito previsto no art. 186 é duplamente ilícito: ilícito em seu conteúdo (viola direito) e em sua consequência (causa dano a outrem). Por sua vez, o abuso de direito é parcialmente ilícito: é lícito em seu conteúdo (há um direito legítimo), mas ilícito em suas consequências (causa dano a outrem).

Nos termos do art. 188 do Código Civil, não constituem atos ilíci- tos: I – os praticados em legítima defesa ou no exercício regular de um direito reconhecido; e II – a deterioração ou destruição da coisa alheia, ou a lesão a pessoa, a fi m de remover perigo iminente. No caso do inciso II, o ato será legítimo somente quando as circunstâncias o tornarem ab- solutamente necessário, não excedendo os limites do indispensável para a remoção do perigo.

O estudo aprofundado do ato ilícito e dos arts. 186 a 188 do Código Civil é objeto de outra parte do Direito Civil, a da chamada Responsa- bilidade Civil.

6.3.2. Fato jurídico humano lícito

Fato jurídico humano lícito ou ato jurídico em sentido amplo (lato sensu) é toda ação humana (manifestação de vontade) que, estando de acordo com o ordenamento, é capaz de produzir efeitos na órbita ju- rídica. Devemos destacar que há quem entenda que o ato jurídico em sentido amplo pode ser lícito ou ilícito, mas de acordo com a doutrina majoritária só pode ser lícito.

O ato jurídico em sentido amplo pode ser dividido em três espécies: ato jurídico stricto sensu, negócio jurídico e ato-fato jurídico.

6.3.2.1. Ato jurídico “stricto sensu”

O ato jurídico em sentido estrito (stricto sensu) é todo comporta- mento humano lícito capaz de gerar consequências jurídicas impostas por lei. Na verdade, tanto o conteúdo do ato como as suas consequências estão predeterminados na lei. No ato jurídico stricto sensu, a vontade hu- mana não tem o condão de determinar ou modifi car os efeitos previstos na lei, daí a afi rmação de que sua efi cácia é ex lege (por força da lei).

Como exemplos de atos jurídicos stricto sensu, podemos citar a per- fi lhação, a notifi cação para constituição em mora, a fi xação de domicílio voluntário e o pagamento.

VoCaBUlÁrio

perfi lhação: reconhecimento

voluntário de fi lho/a. atenÇÃo

Ato jurídico stricto sensu - efei- tos jurídicos não decorrem de ma- nifestação da vontade, mas dire- tamente da lei.

Classifi cação: 1. atos materiais: mera atuação da vontade (ex.: ocupação, achado de tesouro, es- pecifi cação); 2. participações: de- clarações para ciência ou comuni- cação de intenções ou tratos (ex.: intimação, interpelação).

6.3.2.2. Negócio jurídico

Negócio jurídico é todo comportamento humano lícito capaz de gerar consequências jurídicas permitidas pela lei e desejadas pela pes- soa. Tanto o conteúdo do negócio como os seus efeitos são determinados pela vontade das partes, gozando, portanto, de eficácia ex voluntate.

É justamente no negócio jurídico que a autonomia privada se manifesta em sua plenitude, criando um instituto jurídico próprio voltado à composição do interesse das partes, que buscam alcançar um objetivo (finalidade) permitido pela lei. Como exemplos de negócios jurídicos, podemos citar os contratos, a promessa de recompensa, o testamento etc.

6.3.2.3. Ato-fato jurídico

O ato-fato jurídico é uma espécie de fato jurídico qualificado pela conduta humana sem se levar em consideração a vontade de praticar o ato ou não. Em outras palavras, no ato-fato jurídico não importa a intenção da pessoa que realizou o ato (se houve, ou não, vontade de pra- ticá-lo), tendo relevância apenas os efeitos que o ato produziu.

Assim como no Código Civil de 1916, no Código Civil de 2002 não há regramento específico sobre o ato-fato jurídico, mas podem ser encontrados exemplos como a caça, a pesca, a comissão, o achado do tesouro, a especificação etc. Procurando facilitar a compreensão do ins- tituto, podemos imaginar uma criança de 10 anos de idade que pescou um peixe no mar. Ela será a dona do peixe, não tendo qualquer relevân- cia o fato de ser absolutamente incapaz.

CineMateCa Para refletir acerca dos com- portamentos hu- manos e das suas consequências ju- rídicas, sugere-se o filme "O Presente". Ano de lançamento: 2006. Dire- ção: Michael O. Sajbel.

BiBlioteCa

MELLO, Marcos Bernardes. Teoria do fato jurídico. Plano da eficácia. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2014.

MELLO, Marcos Bernardes. Teoria do fato jurídico. Plano da existência. 20. ed. São Paulo: Sa- raiva, 2014.

Dos negócios Jurídicos

No documento LIVRO PROPRIETARIO direito civil i (páginas 124-129)