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2.3 A NATUREZA JURÍDICA DO NASCITURO

No documento LIVRO PROPRIETARIO direito civil i (páginas 48-52)

O nascituro é o ser já concebido, aquele que está por nascer. Nas- cituro é o ser humano em estágio fetal que se mantém vivo e ligado à sua mãe, aguardando que ela lhe dê à luz. A potencialidade do seu nas- cimento com vida deve ser certa, fato que pode ser constatado através de exames médicos. Não se deve confundir com nascituro, o natimorto, pois enquanto o primeiro permanece vivo com a expectativa de vida

1. Código Civil, Art. 1º – Toda pessoa é capaz de direitos e deveres na ordem civil.

2. Código Civil, Art. 2º – A personalidade civil da pessoa começa do nascimen- to com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro. VOCABULÁRIO

Concepto: concebido, em pro-

cesso gestacional.

O estudo da origem da pa- lavra pessoa demonstra que ela deriva do latim persona, que signi- fi ca indivíduo, seja homem ou mu- lher, a personagem. Personagem, pois a palavra deriva da atuação dos atores do teatro grego da an- tiguidade, os quais emprestavam a voz para dar vida a seus perso- nagens fi ctícios, sempre represen- tados por máscaras que eram uti- lizadas para ocultar a identidade de quem os animava. Então, sob a atuação sonora que dava vida aos personagens, surgiu o con- ceito de pessoa. Pessoa é aquela que ocupa papel ou papéis na sociedade, sendo que na acep- ção jurídica do termo, pessoa é todo ente físico ou moral, suscetí- vel de direitos e obrigações, sinô- nimo de sujeito de direitos e sujeito da relação jurídica.

CURIOSIDADE

A nidação ocorre quando se dá depósito do óvulo fecundado no útero da mulher. Após a fecun- dação do óvulo nas trompas, ele se movimenta até o endométrio, passando a fi xar-se nesta espé- cie de parede do útero, permitin- do que ocorra a gravidez. Neste momento, desde que possível ser constatada a gravidez, no en- tendimento do STF, haveria um ser potencial, digno de proteção como pessoa humana.

fora do útero, este último já se acha morto, embora ainda ligado ao útero materno. O natimorto não tem expectativa de deixar o útero materno com vida, pois o óbito ocorre durante o seu período gestacional.

Descreve claramente o Art. 2º do Código Civil que: “A personalida- de civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro.”

Como se pode notar pela nossa atual lei civil, a condição de nas- cituro é que marca o início à aquisição da personalidade civil ou jurí- dica das pessoas naturais, mas o fato da concepção também é relevante ao direito. Pois em torno destas peculiaridades, que tornam complexa a resolução da questão quanto à personalidade jurídica do nascituro, a doutrina desenvolveu algumas teorias, das quais aqui descreveremos as três mais recorrentes:

a) TEORIA NATALISTA OU NATIVISTA

A teoria natalista ou nativista defende que o ser humano adquire personalidade civil ou jurídica somente a partir do seu nascimento com vida, antes disto o que se tem é mera expectativa de direito. Esta teo- ria está incorporada ao Direito Civil brasileiro desde o Código Civil de 1916, na ocasião defendida por Silvio Rodrigues, Caio Mario da Silva Pe- reira, Vicente Ráo e Eduardo Espínola. Para os natalistas o feto enquanto não nascido é apenas uma extensão do corpo de sua mãe.

Esta teoria também foi adotada em parte pelo Supremo Tribunal Federal, ao julgar o emblemático caso das células-tronco embrionárias. Quando do julgamento da Ação Declaratória de Inconstitucionalidade n. 3.5103, o então Ministro Ayres Brito consignou que a Constituição

Federal de 1988 se refere sempre a dignidade da pessoa humana e aos direitos da pessoa humana, bem como aos direitos e garantias individu- ais. No entendimento do Excelentíssimo Ministro, ao lidar com referidas terminologias o Legislador Constituinte teria deixado claro se tratar de direitos do indivíduo-pessoa; deste modo, não haveria dúvidas de que a intenção era proteger um estágio da vida humana, mas a vida que já é própria de uma pessoa concreta, ou seja, de um indivíduo já persona- lizado. Tal expectativa, segundo o Ministro Ayres Brito, não se aplicaria aos embriões excedentários (dos quais seriam colhidas as células-tronco para fins de pesquisa), pois ainda não chegaram a ser inseminados no útero materno. Concluiu assim o STF que somente se poderia consi- derar pessoa humana aquele ser humano concepto, alimentado e vivo intrauterinamente. Com este entendimento, o STF afastou o entendi- mento narrado pela teoria concepcionista.

Como se pode observar, para os natalistas ou nativistas, a lei apenas protege os direitos que o nascituro adquirirá quando nascer com vida,

3. BRASIL, STF. Adin n. 3510. Disponível em <http://www.stf.jus.br/portal/ge- ral/verPdfPaginado.asp?id=611723&tipo=AC&descricao=Inteiro%20Teor%20 ADI%20/%203510>. Acesso em 30 mar 2015.

Conforme Maria Helena Diniz, no direito civil francês e holandês não basta o nascimento com vida; é necessário que o recém- -nascido seja viável, isto é, apto para a vida. O direito espanhol exige que o recém-nascido deve ter a forma humana e viver pelo menos 24 horas, para que possa adquirir a personalidade. No direi- to português, se condicionava à vida à figura humana. No argen- tino e húngaro, a concepção já dá origem à personalidade. No direito civil brasileiro, afastaram-se todas estas hipóteses para evitar dúvidas, condicionando ao nasci- mento com vida (DINIZ, Maria He- lena. Curso de Direito Civil Brasilei- ro, Teoria Geral do Direito, 1º Vol. 22ª Ed. Saraiva, p. 191-192). COMENTÁRIO Células- -tronco são células com ca pa cidade de regene- ração, ca- pazes de originar tipos especia- lizados de células, que formam diferentes tecidos do corpo hu- mano. As células-tronco embrio- nárias são as células-tronco dos embriões que excedem (embri- ões excedentários) às tentativas de inseminação artificial. O STF foi confrontado a decidir se permitia ou não o uso das células-tronco embrionárias dos embriões fecun- dados que se encontravam con- gelados em laboratórios. A Lei de Biossegurança estava em ques- tão, para se saber se haveria vida humana digna de proteção na- queles embriões, ou se poderiam ser utilizados para a pesquisa.

sendo estes descritos de modo restrito (direito à vida, direito à herança, posse).

b) TEORIA CONCEPCIONISTA

Para os concepcionistas, é possível o ser humano adquirir a per- sonalidade civil ou jurídica desde a concepção, ou seja, antes de nascer. A lei ressalva em seu benefício alguns direitos patrimoniais originados de herança, doação ou legados, os quais fi carão condicionados ao seu nascimento com vida. Ao contrário do que presume a teoria da perso- nalidade condicional.

Existem diversas situações que demonstram conceder direitos da personalidade ao nascituro enquanto concepto, os quais passaremos a elencar alguns: 1) o direito ao reconhecimento de paternidade4; 2) o di-

reito à curatela5; 3) ser donatário6; 4) ter o direito à herança7; 5) direito

à vocação hereditária por indicação em testamento (prole eventual)8;6)

direito à indenização9; 7) direito aos alimentos10; 8) proteção criminal

quanto à vida, entre outros11.

São inúmeros os casos concretos através dos quais podemos no- tar que o posicionamento da lei e da jurisprudência dão o sentido de que o nascituro tem o direito da personalidade jurídica ou civil reco-

4. Código Civil, Art. 1.609 – O reconhecimento dos fi lhos havidos fora do casa- mento é irrevogável e será feito: I – no registro do nascimento; II – por escritura pública ou escrito particular, a ser arquivado em cartório; III – por testamento, ainda que incidentalmente manifestado; IV – por manifestação direta e expres- sa perante o juiz, ainda que o reconhecimento não haja sido o objeto único e principal do ato que o contém. Parágrafo único. O reconhecimento pode pre-

ceder o nascimento do fi lho ou ser posterior ao seu falecimento, se ele deixar descendentes.

5. Código Civil, Art. 1.779 – Dar-se-á curador ao nascituro, se o pai falecer estando grávida a mulher, e não tendo o poder familiar.

6. Código Civil, Art. 542 – A doação feita ao nascituro valerá, sendo aceita pelo seu representante legal.

7. Código Civil, Art. 1.798 – Legitimam-se a suceder as pessoas nascidas ou já

concebidas no momento da abertura da sucessão.

8. Código Civil, Art. 1.799 – Na sucessão testamentária podem ainda ser cha- mados a suceder: I – os fi lhos, ainda não concebidos, de pessoas indicadas pelo

testador, desde que vivas estas ao abrir-se a sucessão;

9. CONJUR. STJ concede indenização para nascituro por danos morais. Dis- ponível em <http://www.conjur.com.br/2008-jun-19/stj_concede_indeniza- cao_nascituro_danos_morais>. Acesso em 31 mar 2015.

10. Lei de Alimentos Gravídicos. Lei n. 11.804/2008, Art. 6.º – Convencido da existência de indícios da paternidade, o juiz fi xará alimentos gravídicos que perdurarão até o nascimento da criança, sopesando as necessidades da parte autora e as possibilidades da parte ré. Parágrafo único. Após o nascimento com vida, os alimentos gravídicos fi cam convertidos em pensão alimentícia em favor do menor até que uma das partes solicite a sua revisão.

11. Código Penal, Art. 124 – Provocar aborto em si mesma ou consentir que outrem lho provoque: Pena – detenção, de 1 (um) a 3 (três) anos.

I JORNADA DE DIREITO CIVIL Enunciado n. 1

Art. 2.º: a proteção que o Có- digo defere ao nascituro alcan- ça o natimorto no que concerne aos direitos da personalidade, tais como nome, imagem e sepultura.

nhecido pelo simples fato de ter sido concebido. E ainda que não fos- se nascituro, se estivesse morto no útero materno (natimorto), ainda assim possuiria o resguardo de alguns direitos da personalidade (nome, imagem e sepultura).

c) TEORIA DA PERSONALIDADE CONDICIONAL

Embora concorde que a personalidade jurídica do nascituro se ini- cie a partir da concepção, a teoria da personalidade condicional, conhe- cida como teoria mista, apresentada pela jurista Maria Helena Diniz, entende que a personalidade do nascituro assume uma condição sus- pensiva. Tal condição suspensiva ficaria condicionada ao nascimento com vida do nascituro para sua implementação, e, nascendo este com vida, retroagiriam os efeitos da personalidade jurídica desde a concep- ção. Para esta teoria, o nascituro é uma “pessoa condicional”, e por este motivo a lei lhe garante expectativas de direitos, que dependem do seu nascimento com vida para que se convalidem.

Deste modo, os direitos patrimoniais do nascituro na teoria da per- sonalidade condicional devem ficar resguardados por seu curador até o seu nascimento com vida, enquanto os direitos da personalidade são tutelados desde a concepção.

Concluído o estudo quanto à natureza jurídica e as teorias da per- sonalidade do nascituro, observamos que se torna sujeito de direitos e deveres a pessoa natural, que é o ser humano que nasce com vida ou enquanto concepto for representado.

2.3.1. A Capacidade Civil e suas Classificações

Para que o sujeito de direitos possa exercer os poderes inerentes à personalidade jurídica ou civil, necessita do que o direito chama de ca- pacidade civil. Chamamos de capacidade civil, ou capacidade jurídica, a medida ou proporção do exercício da personalidade jurídica de cada pessoa, que pode ser classificada em: a) capacidade de direito; b) capaci- dade de fato; c) capacidade plena; ou d) capacidade limitada.

a) Capacidade de direito é a capacidade que todas as pessoas pos- suem, não sendo necessário o implemento de nenhuma condição para aquisição ou gozo de direitos, basta nascer com vida para possuir capa- cidade de direito;

b) Capacidade de fato exige uma aptidão descrita na lei, é aquela que se adquire quando atingida a maioridade civil, aos dezoito anos de idade completos, ou por escritura de emancipação, passando a poder exercer por si mesmo todos os atos da vida civil;

c) Capacidade plena se identifica presente quando a pessoa possui tanto a capacidade de direito quanto a de fato ao mesmo tempo;

d) Capacidade limitada se dá quando uma pessoa possui a capa- cidade de direito, mas não possui a capacidade de fato.

Como podemos notar, a capacidade civil está ligada à personalidade jurídica e garante à pessoa o exercício de direitos e obrigações na ordem

civil. Contudo, sua ausência também provoca efeitos no ordenamento jurídico, confi gurando restrições ao exercício de tais poderes, sendo ne- cessário identifi carmos suas hipóteses de incidência.

2.4

A INCAPACIDADE. AS RESTRIÇÕES DE DIREITO

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