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Plano de validade

No documento LIVRO PROPRIETARIO direito civil i (páginas 135-140)

Dos negócios Jurídicos

7.5.2. Plano de validade

O plano de validade é a continuação do plano de existência, pois, a partir dos elementos do negócio, impõe a análise dos seus requisitos. Indaga-se, desta forma, o que cada um dos elementos do negócio deve conter para que seja válido: os requisitos são as qualidades dos elementos.

Contudo, em nosso país, a união estável e o casamento en- tre pessoas do mesmo sexo são admitidos desde 2012, a partir de julgamentos do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça. São negócios existentes, válidos e eficazes desde que res- peitadas as demais regras aplicá- veis aos institutos.

O art. 104 do Código Civil inaugura o estudo do negócio jurídico, dispondo que a validade do negócio jurídico requer: I – agente capaz; II – objeto lícito, possível, determinado ou determinável; III – forma prescrita ou não defesa em lei.

Procederemos à análise dos requisitos existentes na lei inserindo outros de natureza doutrinária, com o propósito de acrescentar novos elementos ao exame da matéria.

7.5.2.1. Partes

Para que o negócio jurídico exista, vimos que deve conter agente (parte, sujeito etc.) e, para que seja válido, o agente deve ser capaz e legitimado. A capacidade exigida é, em princípio, a plena, que decorre das somas da capacidade de direito/gozo (que todas as pessoas têm) com a capacidade de fato/exercício/ação (que decorre do discernimento e é normalmente adquirida com a maioridade).

Se o agente for incapaz, também poderá ser praticado o ato desde que suprida a incapacidade. Os absolutamente incapazes (rol do art. 3º do Código Civil) devem ser representados nos atos da vida civil, sob pena de nulidade; o negócio será considerado nulo e deverá ser pro- posta ação declaratória de nulidade. Os relativamente incapazes (rol do art. 4º) devem ser assistidos nos atos da vida civil, sob pena de anulabi- lidade: o negócio será anulável (ou seja, poderá ou não ser considerado nulo), devendo ser proposta ação anulatória.

Em situações excepcionais, a lei confere capacidade civil plena a quem não completou a idade mínima para a prática de certos negócios jurídicos. Exemplo: no contrato de mandato, o maior de dezesseis e me- nor de dezoito anos não emancipado pode ser mandatário (Código Ci- vil, art. 666). Também com dezesseis anos de idade é possível casar com autorização dos pais (art. 1.517) e realizar testamento sem assistência, mesmo não estando emancipado (art. 1.860, parágrafo único).

Embora o art. 104 do Código Civil mencione apenas a capacidade do agente, a legitimidade também dever ser verifi cada para que o negó- cio seja válido. A legitimidade é uma capacidade especial exigida para a prática de certos negócios jurídicos. Exemplifi cando: uma pessoa maior de dezoito anos tem capacidade para celebrar contratos de compra e venda de imóvel. Mas, se for casada, dependerá, em regra, de autorização do outro cônjuge – exemplo de legitimidade.

7.5.2.2. Objeto

Todo negócio jurídico possui um objeto, seja ele material ou imate- rial, fungível ou infungível, com conteúdo econômico ou não. Para que o negócio seja válido, exige-se apenas que o objeto seja lícito, possível, determinado ou determinável. Se o objeto for ilícito, impossível ou in- determinado, o negócio será considerado nulo, devendo ser proposta ação declaratória de nulidade.

Objeto lícito é aquele que está de acordo com o ordenamento jurí- dico, pois não ofende a lei, a moral, a ordem pública e os bons costumes. O negócio que tem objeto ilícito, além de ser nulo, pode gerar outras consequências, como a propositura de ação de reparação de danos. Tam- bém permite a aplicação do princípio geral de direito pelo qual ninguém pode se valer da própria torpeza (nemo auditur propriam turpitudinem allegans), proibindo, por exemplo, a alegação do dolo recíproco ou bila- teral (Código Civil, art. 150), e o pedido de repetição de pagamento feito para obter fim ilícito ou imoral (art. 883).

Objeto possível é aquele que pode ser realizado do ponto de vista físico e jurídico. A possibilidade física é examinada sob a luz das leis da natureza. Somente a impossibilidade física absoluta (aquela que atinge a todas as pessoas no universo) determina a nulidade do negócio. Exem- plos: construir uma ponte ligando a Terra à lua; colocar toda a água do rio São Francisco em um copo etc.

Se a impossibilidade for relativa (atingir o devedor, mas não outras pessoas), em princípio o negócio será válido. Conforme o art. 106 do Código Civil, a impossibilidade inicial do objeto não invalida o negócio jurídico se for relativa, ou se cessar antes de realizada a condição a que ele estiver subordinado. Se a impossibilidade não cessar até o momento do cumprimento da obrigação ou até o implemento da condição, o ne- gócio será nulo.

Além da possibilidade física, alguns autores também se referem à possibilidade jurídica como um requisito de validade do negócio. O ob- jeto possível juridicamente é aquele que não está proibido pelo ordena- mento jurídico. Como exemplo de objeto impossível juridicamente po- demos citar a proibição de contratar tendo por objeto herança de pessoa viva (Código Civil, art. 426). Todavia, entendemos que a impossibilidade jurídica está compreendida na noção de licitude, estudada acima.

Objeto determinado é aquele que está individualizado no negócio jurídico. No estudo das obrigações o objeto determinado é o conteúdo da obrigação de dar coisa certa (Código Civil, art. 232). Objeto determi- nável é aquele que será individualizado no futuro, contendo, de início, ao menos a indicação do gênero e da qualidade. No direito das obri- gações o objeto determinável é o conteúdo da obrigação de dar coisa incerta (art. 243). Se faltar a indicação do gênero ou da quantidade, a obrigação e o negócio jurídico serão nulos.

7.5.2.3. Forma

A forma é o meio pelo qual se revela a manifestação de vontade do agente. Para que o negócio jurídico seja válido, a forma deve ser aquela prescrita ou não defesa (não proibida) em lei. Contudo, no Direito Civil, a regra é a forma livre e somente em situações excepcionais é exigida for- malidade (forma escrita) ou solenidade (instrumento público). De acordo com o art. 107 do Código Civil, a validade da declaração de vontade não dependerá de forma especial, senão quando a lei expressamente a exigir.

VoCaBUlÁrio

dolo recíproco ou bilateral:

dolo simultâneo de ambas as partes envolvidas num negócio de forma que nenhuma delas poderá alegá-lo, com o objeti- vo de anulá-lo ou de reclamar indenização.

Diversamente, será nulo o negócio jurídico que não revestir a for- ma prescrita em lei ou se for preterida alguma solenidade que a lei con- sidere essencial para a sua validade (Código Civil, art. 166, IV e V). Não dispondo a lei em contrário, a escritura pública é essencial à validade dos negócios jurídicos que visem constituição, transferência, modifi ca- ção ou renúncia de direitos reais sobre imóveis de valor superior a trinta vezes o maior salário mínimo vigente no país (art. 108).

De acordo com o Enunciado 289 da IV Jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal, “o valor de 30 salários mínimos constante no art. 108 do Código Civil brasileiro, em referência à forma pública ou particular dos negócios jurídicos que envolvam bens imóveis, é o atribu- ído pelas partes contratantes e não qualquer outro valor arbitrado pela Administração Pública com fi nalidade tributária”.

Algumas vezes as próprias partes podem determinar que o negócio só será válido se for observada determinada forma. É o que se denomina forma contratual e está prevista no art. 109 do Código Civil: “no ne- gócio jurídico celebrado com a cláusula de não valer sem instrumento público, este é da substância do ato”.

A forma também pode ser classifi cada em ad solemnitatem e ad pro- bationem, como vimos ao estudar as classifi cações do negócio jurídico. A forma ad solemnitatem, também conhecida como ad substantiam, é aquela exigida como requisito de validade do negócio (p. ex.: Código Civil, arts. 166, 108 e 109). A forma ad probationem tantum é aquela exigida para a prova do ato em juízo (p. ex.: arts. 227 e 1.536).

7.5.2.4. Vontade

O negócio jurídico é uma manifestação de vontade que está de acordo com o ordenamento jurídico e produz efeitos desejados pelo agente. Entretanto, para que o negócio seja válido, a vontade deve ser manifestada de forma livre.

Vontade livre é aquela manifestada de forma consciente e sem qualquer um dos defeitos ou vícios do negócio jurídico: erro, dolo, coa- ção, estado de perigo, lesão, fraude contra credores e simulação. Os cinco primeiros são denominados vícios da vontade ou do consentimento e contaminam a formação da vontade. Os dois últimos são denominados vícios sociais e contaminam a manifestação da vontade. O estudo dos vícios do negócio jurídico será realizado em capítulo próprio, adiante.

Devemos lembrar que o silêncio importa anuência (concordância), quando as circunstâncias ou os usos o autorizarem, e não for necessária a declaração de vontade expressa (Código Civil, art. 111). Portanto, não se pode afi rmar que o direito tenha acolhido por completo o ditado po- pular “quem cala, consente”.

7.5.2.4.1. Reserva mental

De acordo com o art. 110 do Código Civil, “a manifestação de von- tade subsiste ainda que o seu autor haja feito a reserva mental de não

querer o que manifestou, salvo se dela o destinatário tinha conhecimen- to”. A reserva mental é a emissão de uma vontade não desejada em seu conteúdo nem em suas consequências.

Quando o negócio jurídico é celebrado sem que a outra parte tenha conhecimento da reserva mental do agente, o negócio será válido. Com efeito, nesta hipótese a reserva mental será irrelevante para o direito, subsistindo a vontade declarada no negócio. Contudo, se a outra parte tiver conhecimento da reserva mental, o negócio não subsistirá.

Não é simples, entretanto, determinar exatamente qual a conse- quência que atingirá o negócio quando a reserva mental é conhecida da outra parte. Alguns autores, como Moreira Alves, defendem que não existirá a declaração de vontade, logo o negócio não será formado (plano de existência). Contudo, vimos que o Código Civil de 2002 não adotou o plano de existência do negócio. Parece-nos, então, que a melhor solução na hipótese seria apontar a nulidade do negócio jurídico.

7.5.2.4.2. Representação

Representação é a legitimidade conferida a uma pessoa para prati- car atos em nome de outra. A pessoa que atua é denominada represen- tante e a pessoa em nome de quem são praticados atos é denominada representado. Os poderes de representação conferem-se por lei ou pelo interessado.

A representação legal é aquela conferida pela lei aos pais, tutores, curadores, síndicos, administradores etc. Trata-se de um munus público e somente pode ser exercida no interesse do representado. Na verdade, os únicos representantes legais são os pais, tutores e curadores. Síndicos e administradores da falência ou da recuperação são representantes ju- diciais, contudo o Código Civil de 2002 unificou o tratamento das duas espécies sob o título de representação legal.

A representação convencional, também denominada voluntária, é aquela conferida mediante o contrato de mandato. Opera-se o mandato quando alguém recebe de outrem poderes para, em seu nome, praticar atos ou administrar interesses. A procuração é o instrumento do man- dato (Código Civil, art. 653).

Diversamente da representação legal, em que o representante só pode agir no interesse do representante, na representação voluntária podem ser conferidos poderes para que o representante atue em causa própria (procuração em causa própria).

Tanto na representação legal como na convencional exige-se que o mandatário tenha capacidade civil plena (capacidade de direito/gozo + capacidade de fato/exercício/ação). Apesar disso, permite que o me- nor com dezesseis ou dezessete anos e não emancipado seja nomeado mandatário, mas o mandante não tem ação contra ele, senão segundo as regras gerais, aplicáveis às obrigações contraídas por menores (Código Civil, art. 655).

VoCaBUlÁrio

múnus: encargo, função que

compreende a outorga de pode- res e deveres a quem a recebe.

Também em ambas as formas de representação compete ao repre- sentante provar às pessoas, com quem tratar em nome do representado, a sua qualidade e a extensão de seus poderes, sob pena de, não o fazendo, responder pelos atos que a estes excederem.

De acordo com o art. 116 do Código Civil, a manifestação de vonta- de pelo representante, nos limites de seus poderes, produz efeitos em re- lação ao representado. O representante tem o dever de agir estritamente de acordo com os poderes conferidos pelo representado. Se o represen- tante ultrapassar os limites defi nidos, será considerado mero gestor de negócios, enquanto o mandante não lhe ratifi car os atos (Código Civil, arts. 665 e 861 a 875).

É anulável o negócio jurídico que o representante, no seu interesse ou por conta de outrem, celebrar consigo mesmo, se não existir autori- zação legal ou do representado. Para esse efeito, tem-se como celebrado pelo representante o negócio realizado por aquele em quem os poderes houverem sido substabelecidos (art. 117).

Esse dispositivo admite a celebração do autocontrato ou contrato consigo mesmo desde que presente autorização da lei ou do mandante. O exemplo mais comum desta fi gura negocial é o mandato em causa própria, em que o mandante transfere poderes ao mandatário para alie- nar determinado bem, por certo preço, a terceiros ou a si próprio (art. 685).

O art. 119 do Código Civil dispõe que é anulável o negócio conclu- ído pelo representante em confl ito de interesses com o representado, se tal fato era ou devia ser do conhecimento de quem com aquele tratou. A ação anulatória deve ser proposta no prazo decadencial de cento e oitenta dias, a contar da conclusão do negócio ou da cessação da inca- pacidade.

A invalidade do negócio concluído pelo representante em confl ito de interesses com o representado não deve ser confundida com a invali- dade do negócio concluído por pessoa incapaz sem a devida represen- tação. Se a pessoa absolutamente incapaz celebrar negócio jurídico sem estar representada, este será nulo, devendo ser proposta ação declarató- ria de nulidade (a qual não tem prazo para ser proposta). E se pessoa re- lativamente incapaz celebrar negócio sem assistência, este será anulável, devendo ser proposta ação anulatória no prazo de quatro anos, contados a partir do dia em que cessar a incapacidade (Código Civil, art. 178, III).

Conforme dispõe o art. 120 do Código Civil, os requisitos e os efei- tos da representação legal são os estabelecidos nas normas respectivas (p. ex.: Código Civil, arts. 3º e 4º; Lei de Falências etc.); os da represen- tação voluntária são os da Parte Especial do Código (arts. 653 a 692).

No documento LIVRO PROPRIETARIO direito civil i (páginas 135-140)