• Nenhum resultado encontrado

Fontes para a história do vale do Nilo na Antiguidade

No documento HISTÓRIA GERAL DA ÁFRICA (páginas 37-40)

A importância e a situação privilegiada do vale do Nilo devem-se à posição que ocupa na porção nordeste do continente. O vale teria permanecido apenas um tema intelectualmente estimulante, servindo, no máximo, como uma introdução à pesquisa histórica, se não fosse também a região mais rica da África em fontes históricas antigas. Essas fontes nos permitem controlar e avaliar o papel dos fatores geográficos na história da África como um todo, a partir de -5000. Permitem-nos também alcançar um conhecimento acurado dos eventos históricos do Egito propriamente dito, bem como, mais especialmente, fazer uma ideia precisa da cultura material, intelectual e religiosa do baixo e médio vale do Nilo, até os pântanos do Bahr el-Ghazal.

As fontes de que dispomos são de natureza arqueológica – portanto, mudas, pelo menos aparentemente – e literária. As primeiras, especialmente para os períodos mais antigos, só foram exploradas e organizadas recentemente. Até o momento, elas não apenas são incompletas e irregulares como também têm sido pouco ou mal utilizadas. As fontes literárias, por outro lado, têm uma longa tradição.

XXXVII

Introdução Geral

Na verdade, muito antes de Champollion, o misterioso Egito já despertava curiosidade. No período arcaico, no século VI antes da Era Cristã, os sucessores dos pré-helenos já haviam chamado a atenção para a diferença entre os seus costumes e crenças e os do vale do Nilo. Graças a Heródoto, essas observações chegaram até nós. Com o objetivo de compreender melhor seus novos súditos, os reis ptolomaicos, surpreendidos pela originalidade da civilização egípcia, patrocinaram a compilação de uma história do Egito faraônico, no século III antes da Era Cristã, abordando aspectos políticos, religiosos e sociais. Mâneton, egípcio de nascimento, foi encarregado de escrever essa história geral do Egito. Tinha acesso aos arquivos antigos e sabia lê-los. Se seu trabalho tivesse chegado

figura 1 O Nilo, fotografado por um satélite Landsat em órbita a 920 km da Terra (do artigo de Farouk El-Baz, “Le Courrier de l’Unesco”, jul. 1977, foto Nasa, EUA). O conjunto de sessenta fotografias do Egito tiradas pelo satélite mostra nitidamente (em alto contraste) a estreita faixa fértil constituída pelo vale do Nilo, bem como o triângulo do Delta e o oásis do Fayum. O deserto ocupa dois terços da imagem, a oeste do Nilo. Na parte inferior, podem-se distinguir fileiras de dunas desenhando curvas paralelas.

XXXVIII África antiga

até nós na íntegra, teria evitado muitas incertezas. Infelizmente desapareceu quando a biblioteca de Alexandria foi queimada. Os excertos preservados em várias compilações, frequentemente reunidos para fins apologéticos, fornecem- nos, não obstante, um sólido esquema da história egípcia. Na verdade, as 31 dinastias “manetonianas” continuam sendo, até hoje, a base da cronologia relativa do Egito.

O fechamento dos últimos templos egípcios sob Justiniano I, no século VI da Era Cristã, levou ao abandono das formas faraônicas de escrita – hieroglíficas, hieráticas ou demóticas. Apenas a linguagem falada sobreviveu, no copta; as fontes escritas caíram gradualmente em desuso. Foi só em 1822, quando Jean- François Champollion (1790-1832) decifrou a escrita hieroglífica, que se pôde novamente ter acesso aos documentos antigos, escritos pelos próprios egípcios. Essas fontes literárias egípcias antigas devem ser utilizadas com reservas, pois têm uma natureza particular. Frequentemente foram elaboradas com um propósito específico: enumerar as realizações de um faraó, para mostrar que ele cumprira plenamente sua missão terrestre de manter a ordem universal desejada pelos deuses (Maât) e de resistir às forças do caos que cada vez mais ameaçavam essa ordem. Podiam também ter o propósito de garantir eterna devoção e lembrança aos faraós que fizeram por merecer a gratidão das gerações seguintes. Nessas duas categorias de documentos enquadram-se, respectivamente, os longos textos e as imagens históricas que adornam certas partes dos templos egípcios, e as veneráveis listas de ancestrais, como aquelas entalhadas nos templos em Carnac, durante a XVIII dinastia, e em Abidos, durante a XIX.

Para compilar listas reais como as mencionadas acima, os escribas dispunham de documentos redigidos por sacerdotes ou por funcionários reais, o que sugere a existência de arquivos oficiais bem organizados. Infelizmente, apenas dois desses documentos chegaram até nós, e, ainda assim, incompletos. São eles a Pedra de Palermo e o Papiro real de Turim.

A Pedra de Palermo (assim chamada porque o maior fragmento do texto é conservado no museu dessa cidade da Sicília) é uma placa de diorito gravada nas duas faces, com os nomes de todos os faraós que reinaram no Egito desde o começo da V dinastia, por volta de -2450. A partir da III dinastia, a Pedra de Palermo arrola não só os nomes dos soberanos na ordem de sucessão, mas também os principais eventos de cada reinado ano a ano; tais listas constituem verdadeiros anais. É lamentável que esse documento incomparável esteja quebrado, tendo chegado incompleto até nós.

O Papiro de Turim, preservado no museu dessa cidade, não é menos importante, embora consista apenas em uma lista de governantes, com seus

XXXIX

Introdução Geral

protocolos completos e o número de anos, meses e dias de seus reinados, em ordem cronológica. Fornece uma lista completa de todos os faraós, desde os primeiros tempos até aproximadamente -1200. Embora tenha sido descoberto intacto no século XIX, este documento foi manuseado com tanto descuido por ocasião do transporte que se despedaçou, tendo sido necessário anos de trabalho para a sua restauração. Mesmo assim, existem ainda hoje muitas lacunas. Uma das peculiaridades do Papiro de Turim é o fato de agrupar os faraós em séries. No final de cada série, o escriba acrescentou o número total de anos de reinado dos faraós de cada grupo. Temos aqui, sem dúvida, a fonte das dinastias de Mâneton.

No documento HISTÓRIA GERAL DA ÁFRICA (páginas 37-40)