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O Egito faraônico: sociedade, economia e cultura

No documento HISTÓRIA GERAL DA ÁFRICA (páginas 131-136)

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Evidentemente, esse sistema só permitia uma colheita por ano; por outro lado, a curta duração do ciclo agrícola liberava grande quantidade de mão de obra para os vultosos trabalhos exigidos pelas construções religiosas e reais. Os antigos também praticavam a irrigação permanente, obtendo água de canais ou bacias escavadas até o lençol subterrâneo. Mas, durante longo tempo, as pernas e os ombros humanos carregados de jugos foram as únicas “máquinas” conhecidas para puxar água, sendo a irrigação por meio de valas utilizada somente para os vegetais, árvores frutíferas e vinhas (contudo, é possível que a invenção do shaduf durante o Novo Império tenha possibilitado duas colheitasde cereais por ano em alguns lugares)2. Por não armazenar água, os egípcios ainda não eram

capazes de atenuar as consequências de enchentes anormalmente baixas, que ocasionavam a infertilidade em várias bacias, e de enchentes excessivamente altas, que devastavam as terras e as habitações. O desenvolvimento dos silos e do transporte fluvial, porém, permitiu -lhes assegurar o abastecimento alimentar de uma província para outra ou de um ano para outro. Os rendimentos médios eram bons: os excedentes alimentavam o grande número de funcionários governamentais e os trabalhadores de fábricas de médio porte (estaleiros e arsenais, fiações ligadas a certos templos, etc.). As autoridades dos templos e os altos funcionários exerciam poderes de patronato através do controle dos recursos alimentares, que variavam conforme o período.

O pão e a cerveja, feitos de cereais, constituíam a base da dieta, mas a alimentação dos antigos egípcios era surpreendentemente variada. É impressionante a variedade de tipos de bolos e pães relacionados nos textos. Como ocorre atualmente, as hortas produziam vagens, grão -de -bico e outras leguminosas, cebola, alho -porró, alface e pepino. Nos pomares cultivavam -se tâmaras, figos, nozes de sicômoro e uvas. Também se produzia uma grande variedade de vinhos, com uma viticultura engenhosa, praticada principalmente em diversos pontos do Delta e nos oásis. A criação de abelhas fornecia o mel. O óleo era extraído do sésamo e do nabk; a oliveira, introduzida durante o Novo Império, continuou rara, não sendo seu cultivo muito bem sucedido.

O Egito faraônico não transformou todo o vale em terras agrícolas: além dos recursos que extraía dos campos e hortas, explorou também os grandes pântanos e lagos das bordas setentrionais do Delta, as praias do lago Méride, bem como as depressões à beira do deserto e os meandros do Nilo. Esses pehu abrigavam muitas e variadas aves selvagens, que eram caçadas ou capturadas

2 Ver a interpretação engenhosa que HELCK, W. e OTTO, E. (1973) propuseram para os dados do “Papiro Wilbur”.

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figura 3.1 Empilhamento do feno. (Fonte: J. Pirenne. 1961. v. J, fig. 79 (embaixo), Mastaba de Ptah- -Sekhem -Ankh. Museum of Fine Arts, Boston, n. 6483.)

Figura 3.2 Colheita. (Fonte: J. Pirenne. 1961. V. I, fig. 79 (no alto), p. 256. Mastaba de Akhet -hetep, Musée du Louvre, n. 6889.)

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com arapucas. O Nilo oferecia grande variedade de peixes, pescados com rede de arrastão, nassa para enguias, linha ou cesto; apesar da proibição de seu consumo em certas províncias ou em determinadas categorias sociais, tinham um lugar definido na dieta popular, que também era suplementada pela coleta de rizomas de ciperácea comestível, polpa de papiro e, a partir do período persa, pelas sementes do loto índico. Finalmente, os pân tanos serviam de pastagem para bovinos.

Embora o clima, muito úmido, não fosse particularmente favorável à criação de gado e, em consequência, os rebanhos exauridos tivessem que ser supridos regularmente pela Núbia e pela Ásia, essa atividade tinha uma importância considerável na vida do país e nas concepções religiosas. As mesas dos deuses e dos notáveis deviam ser bem guarnecidas de carne bovina. O corte da carcaça era uma arte refinada, e em geral as gorduras animais eram utilizadas na fabricação de unguentos perfumados. Sabe -se que os egípcios do Antigo Império tentaram criar várias espécies, como órix, antílope, gazela, etc., e até grous e hienas, mas tal prática foi abandonada por consumir excessiva mão de obra, com resultados desapontadores. Mais tarde, os ruminantes do deserto passam a ser, nos provérbios e nos rituais mágicos, o símbolo de criaturas indomáveis3. Por outro lado, os egípcios conseguiram ótimos resultados na

criação de aves domésticas, principalmente o ganso do Nilo. As cabras, tão prejudiciais às escassas árvores do vale, e os carneiros criados nas terras incultas e nas bordas do deserto, juntamente com os porcos (apesar de algumas proibições), ocuparam um espaço considerável na dieta popular. Em plena época histórica, observa -se uma transformação no tipo de rebanho ovino: por volta de -2000, o antigo carneiro de chifres horizontais torcidos, que era a encarnação de Khnum, Bés, Hershef e outros deuses antigos, foi sendo, gradualmente substituído pelo carneiro de chifres curvos, dedicado ao deus Âmon. Sua origem, africana ou asiática, é controversa. Os egípcios obtiveram êxito especial na domesticação de duas espécies africanas, intimamente associadas, em nossas representações, ao passado faraônico: o asno, utilizado desde o período arcaico, não como animal de montaria, mas de carga (paradoxalmente dedicado a Set, deus do mal), e o gato doméstico, que só aparece a partir do fim do Antigo Império e início do Médio Império (e que era cultuado como uma forma moderada das deusas ameaçadoras).

3 “Papiro Zanzing”, 3, 8 -9; CAMINOS, R. A. 1954. P. 382. Sobre a significação religiosa do órix, ver DERCHAIN, P. J. 1962.

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figura 3.3 Caça ao hipopótamo.

Figura 3.4 Pesca com rede. (Fonte: J. Pirenne. 1961. v. I, p. 201, fig. 66. Mastaba de Akhet -hetep. Musée du Louvre. Fotos Archives Photographiques, Paris.)

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