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O sistema econômico e social

No documento HISTÓRIA GERAL DA ÁFRICA (páginas 138-140)

É preferível evitar termos abstratos na descrição dos métodos de produção faraônicos, já que o nosso conhecimento a respeito é bastante vago devido à insuficiência de fontes9.

Os documentos disponíveis permitem distinguir alguns dados gerais. O comércio exterior, a exploração de minas e de pedreiras eram atividades estatais. A maior parte das transações comerciais conhecidas pelos textos envolve pequenas quantidades de mercadorias e é constituída por contratos privados entre particulares; a intervenção de intermediários profissionais – em geral agentes comerciais do rei ou de um templo – é rara. Não há razão para se acreditar na existência de uma “burguesia” de empreendedores e comerciantes privados, e embora a expressão “socialismo de Estado”, por vezes utilizada, seja ambígua e anacrônica, tudo indica que, de modo geral, a produção e a distribuição estavam nas mãos do Estado.

De fato, uma investigação do material disponível dá a impressão de que tudo dependia do rei. É verdade que em princípio todos os poderes de decisão e todos os recursos materiais pertenciam a ele. O rei tinha o dever religioso de assegurar a ordem cósmica, a segurança do Egito e a felicidade de seu povo neste mundo e no mundo pós -morte, não apenas exercendo sua autoridade como rei, mas mantendo o culto aos deuses, o que o levava a partilhar seus privilégios

8 Mais recentemente, CHEVRIER, H. 1964. pp. 11 -17; 1970. pp. 15 -39; 1971. pp. 67 -111. 9 Notas críticas e bibliografia em JANSSEN, J. J. 1975. pp. 127 -85.

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O Egito faraônico: sociedade, economia e cultura

econômicos com os templos. Por outro lado, tanto para celebrar o culto nos templos quanto para administrar os negócios da nação, o faraó, teoricamente o único sacerdote, guerreiro, juiz e produtor, delegava seu poder a toda uma hierarquia de indivíduos; um meio de pagar esses funcionários era ceder -lhes terras, cujas rendas passavam a lhes pertencer. Na verdade, em todos os períodos o monopólio real dos meios de produção era mais teórico do que prático.

Com certeza, as expedições para Punt, Biblos, Núbia e para o deserto à procura de mercadorias exóticas e pedras eram, em geral, enviadas pelo rei e conduzidas por funcionários governamentais. A construção dos templos também era função do governo. Na época imperial, o reino de Kush, anexado, e os protetorados palestino e sírio, por exemplo, eram explorados diretamente pela coroa. Já o aproveitamento da terra egípcia não dependia exclusivamente do faraó. Ao lado dos domínios reais havia as terras dos deuses; estes possuíam campos, rebanhos, oficinas, etc. (no apogeu do culto a Âmon, o próprio deus podia possuir minas), dispondo de uma hierarquia burocrática própria. O fato de que os deuses por vezes ficassem isentos, por privilégio real, de certos impostos e taxas significa, em última instância, que os templos eram os “proprietários” de suas terras, do pessoal empregado e dos instrumentos de produção. Além disso, ao menos a partir da XVIII dinastia, os guerreiros recebiam o direito hereditário à posse da terra. Os altos funcionários beneficiavam -se de dotações fundiárias que eles mesmos dirigiam. As cenas da vida doméstica esculpidas nas mastabas do Antigo Império mostram que esses funcionários tinham seus próprios rebanhos e artesãos, bem como uma pequena frota de barcos. Não sabemos como se constituíam as fortunas privadas e transmissíveis, mas é patente que tenham existido e que, além dos cargos oficiais – cuja transmissão aos descendentes não dependia exclusivamente de seu detentor –, havia os “bens domésticos”, que podiam ser legados livremente. Contudo, praticamente em todas as épocas, o direito à posse da terra se aplicava a áreas limitadas e esparsas, de modo que as grandes fortunas não tomaram a forma – temida pelas autoridades – de latifúndios. Sabe -se que existiram pequenas propriedades, principalmente durante o Novo Império, período em que o termo “campos de homens pobres” de fato designava as terras de pequenos agricultores independentes, bem diferenciados dos arrendatários que trabalhavam os campos do rei ou dos deuses. Em número relativamente pequeno, os estrangeiros deportados para o Egito ao tempo das grandes conquistas eram trabalhadores especializados (viticultores palestinos, tropeiros líbios) ou colonos militares. De modo geral, os escravos adquiridos por particulares eram apenas serviçais domésticos e, embora haja provas de sua existência, acredita -se que a mão de obra escrava (por vezes penal)

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forneceu uma força de trabalho apenas limitada para a agricultura (ainda que, posteriormente, associação dos “respondentes” mágicos – colocados à disposição dos defuntos – a um grupo de escravos comprados10 fizesse crer que o escravismo

tornou possível, sob os Raméssidas, a realização dos principais trabalhos de irrigação e beneficiamento das terras). Verdade é que a massa da população trabalhadora parece ter -se ligado de fato à terra, que só poderia abandonar em caso de impossibilidade de pagamento dos impostos.

Podemos supor que nas aldeias predominava uma economia doméstica e que a parte principal do trabalho no campo era feita pelos homens. Nas cidades- -mercado, nos domínios reais e templos, a especialização profissional era bem desenvolvida. As corporações – às vezes bastante hierarquizadas de padeiros, ceramistas, arranjadores de flores, fundidores, escultores, desenhistas, ferreiros, aguadeiros, guardas de todos os tipos, guardadores de cães, pastores de ovelhas, de cabras e de gansos, etc. trabalhavam para o rei ou para os templos, e o ofício se transmitia de pai para filho. Sabemos com certa segurança como vivia a comunidade de trabalhadores que, instalados num povoado vizinho ao Vale dos Reis (atual sítio de Deir el -Medina), escavavam e deco ravam os túmulos dos faraós e das rainhas. Os artistas e escavadores eram funcionários públicos dirigidos por um escriba real e dois chefes de equipe nomeados pelo soberano11.

Eram pagos regularmente com cereais, algumas vezes coletados diretamente das rendas de um templo, e rações de peixe, verduras, legumes ou outros alimentos. Trocavam pequenos serviços e bens entre si e administravam sua própria justiça (exceto quando consultavam o veredicto oracular de um deus local). Seu status era suficientemente elevado e sua posição moral sólida o bastante para que a comunidade pudesse recorrer à greve se houvesse atraso na distribuição de suas rações.

No documento HISTÓRIA GERAL DA ÁFRICA (páginas 138-140)