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Mineração e indústria

No documento HISTÓRIA GERAL DA ÁFRICA (páginas 136-138)

A nobreza e a guarda praticavam a caça à lebre e aos animais de grande porte no deserto, como esporte e meio de variar a alimentação cotidiana, mas é provável que essa atividade não tivesse grande relevância econômica. A real importância do deserto residia na variedade de recursos minerais que oferecia: as tinturas verdes e negras do deserto arábico, utilizadas para tratar e embelezar os olhos desde a Pré -História; pedras sólidas e de bela aparência usadas pelos construtores e escultores (calcário fino de Toura, arenito de Silsileh, granito de Assuã, alabastro de Hatnub, quartzito de Djebel el -Ahmar e grauvaca de Hammamat)4; e pedras semipreciosas, como a turquesa do Sinai ou as cornalinas

e ametistas da Núbia. A vitrificação (esteatita vitrificada e “faiança egípcia” com núcleo de quartzo) desenvolveu -se muito cedo, estimulando a manufatura de objetos com a aparência da turquesa ou lazurita. O Egito do Novo Império aperfeiçoou as técnicas de fabricação de vidro graças aos contatos com a Ásia, adquirindo um domínio acurado do processo.

Uma das riquezas que o país extraía das vastas cercanias áridas era o ouro, proveniente do deserto arábico e da Núbia. Símbolo da imortalidade perfeita, esse metal ainda não desempenhava o papel econômico fundamental que iria adquirir em civilizações mais recentes, mas era considerado um símbolo de riqueza e bem mais valorizado do que a prata, embora esta última, metal importado, sempre fosse mais rara e, no Antigo Império, mais preciosa do que o ouro. As numerosas jazidas de cobre existentes nos desertos eram de teor muito baixo (exceto no Sinai) e o Egito logo se tornou dependente do cobre asiático. E preciso observar que as inovações técnicas da metalurgia do Egito faraônico sempre estiveram aquém das que se verificaram no Oriente Próximo. A Idade do Bronze e posteriormente a Idade do Ferro foram tardias no Egito. O metal era relativamente raro e precioso; a madeira e o sílex substituíram -no com sucesso nos implementos agrícolas, e a pedra dura nos instrumentos para esculpir; os utensílios e armas de metal eram conservados e distribuídos pelos serviços públicos5.

Embora o antigo Egito tivesse que importar metais e madeira de seus vizinhos asiáticos, sua capacidade industrial era insuperável em dois setores.

4 A grauvaca (incorretamente chamada de xisto em muitos trabalhos) é uma ‘’rocha quartzosa, de granulação fina, compacta, dura e cristalina, muito parecida com a ardósia, apresentando, em geral, várias tonalidades de cinza’’: LUCAS, A. 1962. PP. 419 -20.

5 Sob a XIII dinastia, as pontas de flecha e os dardos de pedra eram calcados nos modelos de metal, mas sua produção obedecia a técnicas tradicionais arcaicas, como revelam as armas encontradas na fortaleza de Mirgissa: VILA, A. pp. 171 -99.

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O Egito faraônico: sociedade, economia e cultura

Os faraós exportavam têxteis (o linho egípcio da época era de uma qualidade inigualável) e papel. O papiro, usado para diversos fins – na confecção de velas, cordas, vestuário, calçados –, possibilitou principalmente a fabricação de um suporte muito flexível para a escrita. Esse material era a fonte de poder do escriba e foi muito solicitado no exterior com a expansão da escrita alfabética nas adjacências do Mediterrâneo oriental. O cultivo intensivo do papiro provavelmente contribuiu para o desaparecimento dos pântanos, refúgios dos pássaros, crocodilos e hipopótamos, que, na opinião dos próprios antigos, davam brilho à paisagem egípcia.

O desenvolvimento dos transportes foi um fator determinante no progresso do regime faraônico. Raramente utilizados, os bovinos eram atrelados ao arado ou ao trenó funerário; o asno, mais resistente e menos exigente, era o animal de carga ideal nos campos e nas trilhas do deserto (sabemos que o cavalo, introduzido durante o segundo milênio, continuou a ser um luxo reservado aos guerreiros, e que o rico potencial econômico da roda, cujo princípio já era conhecido desde o Antigo Império6, não foi explorado). O asno, com um

rendimento reconhecidamente menor – embora fosse conhecida a técnica de utilizá -lo em tropas – precedeu e muitas vezes substituiu o camelo, adotado lenta e gradualmente nos campos a partir da época persa. Para o transporte de carga a longa distância, o Egito utilizava o rio e seus canais: as embarca ções grandes e pequenas eram rápidas e seguras. As qualidades precoces da náutica egípcia possibilitaram tanto a centralização econômica quanto as prodigiosas realizações arquitetônicas (pirâmides, templos gigantescos, colossos, obeliscos). Além disso, mesmo em tempos muito antigos, barcos à vela percorriam o mar Vermelho e o Mediterrâneo (não há nada que prove a teoria de que os fenícios ensinaram os egípcios a navegar). Para deslocar os pesados blocos de pedra necessários principalmente às construções sagradas, a engenharia faraônica inventou métodos engenhosos, mas de uma simplicidade surpreendente, utilizando, por exemplo, as propriedades derrapantes do limo molhado para deslocar simples trenós (sem rodas nem rolamentos), aproveitando a enchente do Nilo para lançar as barcaças carregadas de enormes blocos ou utilizando esteiras de junco como âncora flutuante7. É através da reconstituição de tais procedimentos – em

que um homem moderno nunca pensaria, confundido que está por tecnologias

6 Uma escada de assalto montada sobre rodas acha -se representada numa sepultura da VI dinastia: SMITH, W. S. 1949. p. 212, fig. 85.

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sofisticadas e outras ideias de eficiência – que a pesquisa está desvendando os mistérios da ciência faraônica8.

A maior parte dos processos agrícolas e industriais foi inventada por volta do III milênio; ao que parece, os egípcios eram lentos e tímidos – e até mesmo preconceituosos –, quando se tratava de adotar inovações técnicas provenientes do exterior. No estágio atual dos estudos e da documentação, parece que as notáveis realizações dos primeiros tempos forneceram soluções para os problemas mais vitais dos habitantes do vale e levaram ao estabelecimento de um sistema social e político eficaz, o “despotismo faraônico”. As falhas desse sistema eram minimizadas por uma representação religiosa tão coerente que ainda sobreviveu, nos templos, vários séculos, após ter a conquista estrangeira demonstrado a incapacidade de a tradição e sua correspondente prática social atenderem ao desafio de forças novas.

No documento HISTÓRIA GERAL DA ÁFRICA (páginas 136-138)