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Período histórico

No documento HISTÓRIA GERAL DA ÁFRICA (páginas 185-197)

Na civilização egípcia faraônica do período histórico, podem -se distinguir duas correntes principais, sendo a primeira constituída pelo legado material do Neolítico e do Pré -Dinástico, e a segunda, também oriunda do passado remoto, pelo legado cultural, mais abstrato. Ambas se interrelacionam, constituindo o fenômeno cultural egípcio. O legado material compreende o artesanato e as ciências (geometria, astronomia, química), a matemática aplicada, a medicina, a cirurgia e as produções artísticas; o cultural abrange a religião, a literatura e as teorias filosóficas.

O artesanato

A contribuição do antigo Egito à produção artesanal aparece nos trabalhos em pedra, como já vimos, mas também no artesanato em metal, madeira, vidro, marfim, osso e muitos outros materiais. Os egípcios exploraram diversos recursos naturais do país, e aos poucos foram aprimorando as técnicas necessárias à pro- dução de instrumentos de pedra e de cobre, como machados, cinzeis, marretas e enxós, habilmente projetados para serem usados na construção e na indústria, com a finalidade de abrir orifícios ou fixar blocos. Também faziam arcos, flechas, adagas, escudos e clavas de arremesso.

Durante muito tempo, e mesmo no período histórico, os instrumentos e as armas herdados do Neolítico continuaram a ser feitos de pedra. As falésias calcárias que margeiam o Nilo são ricas em sílex de grandes dimensões e de excelente qualidade, que os egípcios ainda utilizaram por muito tempo depois da descoberta do cobre e do bronze. Além disso, os rituais religiosos muitas vezes exigiam o uso de instrumentos líticos, fato que contribuiu amplamente para a perpetuação das técnicas de talhar a pedra, em especial o sílex.

Até o final do período faraônico, o ferro foi pouco usado na confecção de vasos; as técnicas de metalurgia, no Egito, limitaram -se ao uso do ouro, da prata, do cobre e de ligas de cobre, como o bronze e o latão. Vestígios de mineração e processamento do cobre foram descobertos no Sinai, na Núbia e em Buhen, onde os faraós do Antigo Império dispunham de forjas para a fusão desse metal.

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No Sinai e na Núbia, os egípcios trabalhavam em colaboração com as popu- lações locais; consequentemente, as técnicas empregadas no processamento do metal passaram com facilidade de uma cultura para outra. Talvez por essa época a escrita faraônica – por intermédio da escrita proto sinaíta, que influenciou –, tenha desempenhado um papel importante na invenção do alfabeto, ao mesmo tempo que a metalurgia do cobre se difundia, primeiro pela bacia do Nilo e depois para outras áreas.

Já nos primórdios do período dinástico (cerca de -3000), os egípcios conhe- ciam e empregavam na fabricação de seus utensílios de cobre todas as técnicas básicas da metalurgia, como a forjadura, a martelagem, a moldagem, a estampa- gem, a soldagem e a rebitagem, técnicas estas que eles dominaram rapidamente. Além dos utensílios, foram encontradas grandes estátuas egípcias de cobre, datadas de -2300. Textos mais antigos, datados de -2900, assinalam a existên- cia de estátuas do mesmo tipo, e cenas de mastabas de um período ainda mais remoto mostram as oficinas onde o ouro e o electro, liga de ouro e prata, são transformados em joias. Embora a metalurgia do ouro e do cobre não tenha surgido no Egito, não há dúvida de que este contribuiu significativamente para o seu aperfeiçoamento e expansão.

Como sublinhamos no início deste capítulo, muitas vezes é difícil precisar se determinada técnica teve origem numa cultura asiática ou africana. Gra- ças, porém, às representações encontradas em sepulcros, o Egito nos forneceu inúmeras informações sobre as técnicas utilizadas pelos artesãos. Nas oficinas representadas em pinturas ou em baixos -relevos nas paredes dos túmulos, pode- mos ver, por exemplo, carpinteiros e marceneiros trabalhando na confecção de móveis, armas e barcos. Tanto os instrumentos que empregavam – alicates mar- telos, serras, brocas, enxós, cinzeis e marretas – quanto o modo de utilizá -las são representados fielmente e com inúmeros detalhes. Assim, sabemos que a serra egípcia era uma “serra de puxar”, e não “de empurrar”, como a serra moderna. Para os estudiosos da história das técnicas e das vias pelas quais elas chegaram até nós, trata -se de uma verdadeira mina de informações, que ainda não foi inteiramente explorada.

Além dessas representações, os antigos egípcios deixaram em suas sepulturas miniaturas de oficinas com artesãos ocupados na fabricação de vários objetos. Essas miniaturas são de valor inestimável para o historiador na interpretação das técnicas e do modo pelo qual se desenvolveram. Ademais, a enorme quantidade de objetos artesanais encontrados, feitos a mão ou com o auxílio de ferramen- tas, atesta a diversidade de indústrias existentes no antigo Egito. A ourivesaria, por exemplo, utilizava materiais preciosos e semipreciosos, como ouro, prata,

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figura 5.2 Fabricação de vasos de metal. (Fonte: N. de G. Davies. 1943. The Metropolitan Museum of Art, Egypt Expedition. Nova Iorque. v. XI, pr. LIII. Foto The Metropolitan Museum of Art, Nova Iorque.)

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feldspato, lápis -lazúli, turquesa, ametista e cornalina, produzindo com notável precisão coroas, colares e demais adornos.

A cultura precoce do linho fez com que muito cedo os egípcios adquirissem grande habilidade na fiação manual e na tecelagem. Esta última já era conhecida desde o início do Neolítico (cerca de -5000), e seu surgimento coincidiu com a emergência da civilização no vale do Nilo. As mulheres teciam o linho com grande perícia, com frequência operando dois fusos simultaneamente. Uma característica da fiação egípcia era a produção de fios longos, segundo uma téc- nica em que o fuso era colocado a grande distância da fibra crua. Para aumentar ainda mais essa distância, as mulheres encarapitavam -se em bancos altos. Seus teares – de início horizontais e, a partir do Médio Império, verticais – permi- tiam a fabricação de tecidos longos, empregados na confecção de roupas de uso diário, bastante amplas, e de bandagens e mortalhas utilizadas nos rituais de embalsamamento.

Para os faraós os tecidos constituíam um produto de troca particularmente apreciado no exterior. O mais fino, o bisso, era tecido nos templos e gozava de fama especial. Os Ptolomeus supervisionavam as oficinas de tecelagem e con- trolavam a qualidade da manufatura, e sua administração central, sem dúvida seguindo o costume dos primeiros faraós, organizava as vendas ao estrangeiro; estas trouxeram ao rei grandes lucros devido à qualidade superior dos produtos dos tecelões egípcios. Temos aqui um exemplo de uma das maneiras pelas quais se transmitiu o legado egípcio.

As indústrias da madeira, do couro e do metal aperfeiçoaram -se e os seus produtos conservaram -se em boas condições até nossos dias.

Outros objetos fabricados pelos artesãos egípcios incluíam vasos de prata, ataúdes de madeira, pentes e cabos de marfim decorados. Os antigos egípcios tinham um talento especial para tecer junco selvagem, confeccionando estei- ras, e a fibra da palmeira possibilitou a produção de redes e cordas resistentes. A manufatura da cerâmica teve início na Pré -História, com formas bastante rudimentares, evoluindo em seguida para uma cerâmica mais fina, vermelha e de bordas negras, mais tarde polida e gravada. Os recipientes eram utilizados para armazenar diversos materiais, mas alguns tinham finalidade puramente decorativa. A crença em determinados valores e, em particular, na vida eterna, por exigir a manufatura de uma grande quantidade de objetos – quase sempre decorados – para os mortos, levou a uma grande produção, de alto grau de perfeição.

Deve -se ao Egito, se não a invenção, pelo menos a difusão das técnicas de fabricação do vidro a toda a civilização mundial. Embora seja verdade que a

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Mesopotâmia e as civilizações do Indo desde muito cedo conheciam a técnica da esmaltagem, base da fabricação do vidro, não há indícios de que tenham sido os responsáveis pela sua difusão. Pode -se, no máximo, supor que aqui também houve convergência e que a fabricação do vidro foi descoberta independente- mente na Ásia e no vale do Nilo.

O certo é que em pouco tempo os egípcios demonstraram grande habilidade na arte da vidraria. Há indícios da existência de contas de vidro no período pré -dinástico (cerca de -3500), embora não seja certo que tenham sido delibe- radamente fabricadas pelos artesãos. O vidro como tal tornou -se conhecido na V dinastia (cerca de -2500) e começou a se difundir durante o Novo Império (cerca de -1600). Nessa época, não era utilizado apenas na confecção de contas, mas também na fabricação de vasos de uma grande variedade de formas, desde o elegante cálice com pé até os vasos em forma de peixe. Em geral eram policro- mos, e sempre opacos. O vidro transparente apareceu no reinado de Tutancâmon (cerca de -1300). A partir de -700 aproximadamente, os vasos egípcios de vidro conhecidos como “alabastro” difundiram -se por toda a região do Mediterrâneo. Os fenícios os copiaram, e sua manufatura transformou -se em indústria.

Na Baixa Época signos hieroglíficos moldados em vidro colorido eram incrustados em madeira ou pedra para formar inscrições. As técnicas dos vidrei- ros faraônicos transmitiram -se aos artesãos do período helenístico, que inven- taram o vidro “de sopro”. Alexandria tornou -se, então, o principal centro de manufatura de objetos de vidro, exportando -os para regiões distantes, como a China. Aureliano impôs uma taxa aos produtos de vidro egípcios importados por Roma. Mais tarde, o Império Meroíta passou a importar objetos de vidro do Egito, adotando as técnicas de fabricação desse material e difundindo -as para o alto vale do Nilo.

Uma das indústrias mais importantes do antigo Egito foi a do papiro, de invenção autóctone. Nenhuma outra planta teve, no Egito, papel tão significa- tivo. As fibras do papiro eram usadas na fabricação ou calafetagem de embar- cações e na confecção de pavios de candeeiros a óleo, esteiras, cestos, cordas e cabos. Os cabos que serviram para amarrar a ponte flutuante que Xerxes tentou fazer atravessar o Helesponto foram fabricados no Egito, com fibras de papiro. Reunidos em feixes, os talos do papiro funcionavam como pilares na arquitetura primitiva, antes que os arquitetos clássicos os tomassem como modelo para suas colunas simples ou fasciculadas, com capiteis em forma de flores abertas ou fechadas. O papiro era utilizado principalmente na fabricação do “papiro”, de onde vem a palavra “papel”, sem dúvida um cognato do paperaâ, termo egípcio

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figura 5.3 Fabricação da cerveja. Antigo Império. (Foto Otonoz.)

Figura 5.4 Modelo de uma oficina de tecelagem. XII dinastia, c. - 2000. (Fonte: W. Wolf. 1955. pr. 45. Foto The Metropolitan Museum of Art, Nova Iorque.)

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figura 5.5 Marceneiros trabalhando. (Fonte: N. de G. Davies. 1943. pr. LV. The Metropolitan Museum of Art, Nova Iorque.)

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que significa “Aquele da Grande Residência” (Palácio Real), e que chegou até nós através da Antiguidade clássica.

O papiro era produzido dispondo -se transversalmente camadas sucessivas de finas tiras extraídas dos talos da planta, as quais, após pressão e secagem, formavam uma grande folha.

Vinte folhas de papiro, unidas enquanto ainda úmidas, formavam um rolo de 3 a 6 m de comprimento. Vários rolos podiam ser unidos de modo a formar uma unidade de 30 ou 40 m de comprimento; tais rolos constituíam os “livros” egípcios. Eram segurados com a mão esquerda e desenrolados à medida que se fazia a leitura. O herdeiro direto desse rolo é o “volume” da Antiguidade clássica. De todos os materiais empregados como suporte para a escrita na Antigui- dade, o papiro certamente foi o mais prático, por ser flexível e leve. A fragilidade, porém, era o seu único inconveniente. Resistia por pouco tempo à umidade e queimava facilmente. Calculou -se que para se manter em dia o inventário de um pequeno templo egípcio eram necessários 10 m de papiro por mês. Durante a dinastia ptolomaica, os notários de província usavam de seis a treze rolos, ou 25 a 57 m por dia. Todas as grandes propriedades, palácios reais e templos manti- nham registros, inventários e bibliotecas, o que indica a existência de centenas de quilômetros de papiro, embora só tenham sido descobertas algumas centenas de metros.

Utilizado no Egito desde a I dinastia (cerca de -3000) até o fim do período faraônico, o papiro foi, mais tarde, adotado pelos gregos, romanos, captas, bizan- tinos, arameus e árabes. Grande parte da literatura grega e latina nos chegou em papiros. Os rolos desse material constituíam um dos principais produtos de exportação do Egito. O papiro foi, sem sombra de dúvida, um dos maiores legados do Egito faraônico à civilização.

Todas essas indústrias demandavam técnica e habilidade, levando à criação de uma classe de artesãos e ao aprimoramento das técnicas. Museus e coleções particulares do mundo inteiro abrigam centenas e até mesmo milhares de exem- plares arqueológicos dos diversos produtos do antigo Egito.

A tradição e a perícia na construção em pedra não foram uma contribuição técnica menor dos egípcios ao mundo. Não era nada fácil transformar os imensos blocos brutos de granito, calcário, basalto e diorito em blocos bem talhados e polidos, destinados a diferentes projetos arquitetônicos.

Além disso, a busca de pedras para a construção dos monumentos, assim como a prospecção de minérios metálicos e a procura de fibras, de pedras semi- preciosas e de pigmentos coloridos, contribuiu para a difusão das técnicas egíp- cias na África e na Ásia.

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Os egípcios não hesitavam em procurar pedras em pleno deserto, por vezes a uma centena de quilômetros do Nilo. A pedreira de onde se extraiu o diorito para a famosa estátua de Quéfren, atualmente no Museu do Cairo, localiza -se no deserto da Núbia, a cerca de 65 km a noroeste de Abu Simbel. A exploração das pedreiras remonta ao início da história do Egito (cerca de -2800).

As técnicas egípcias de extração variavam segundo a natureza da pedra. Em se tratando do calcário, abriam -se galerias nas largas camadas das falésias do Eoceno que margeiam o Nilo. Assim foram extraídos enormes blocos de pedra de excelente qualidade usados na construção das Grandes Pirâmides, as quais foram depois revestidas com blocos de granito. Os depósitos de arenito na região de el -Kab, no Alto Egito e na Núbia, eram explorados a céu aberto. Para as pedras duras, os trabalhadores primeiro talhavam um sulco em torno do bloco a ser extraído e depois, em vários pontos ao longo do sulco, praticavam profundos talhos no interior dos quais inseriam cunhas de madeira. Estas eram, então, molhadas, e a dilatação da madeira era suficiente para fender o bloco ao longo dos sulcos. Essa técnica ainda hoje é empregada nas pedreiras de granito. Seria uma herança do Egito?

As únicas ferramentas utilizadas pelos egípcios no trabalho das pedreiras eram a marreta de madeira e o cinzel de cobre para pedras moles, como o calcário e o arenito, e o picão, o cinzel e o martelo de pedra dura para rochas metamórficas, como o granito, o gnaisse, o diorito e o basalto. Se a pedreira ficasse longe do Nilo, organizavam -se expedições das quais chegavam a parti- cipar até 14 mil homens, entre oficiais e soldados, cavouqueiros e carregadores, escribas e médicos. Essas expedições eram equipadas para permanecer longos períodos fora do Egito e devem ter contribuído para a difusão da civilização egípcia, especialmente na África.

A habilidade adquirida na extração de pedras no início do período dinástico levou os egípcios, à época do Antigo Império (cerca de -2400), a escavar suas sepulturas diretamente na rocha. Muito antes dessa data, de -3000 a -2400, a construção de sepulturas, projetadas como habitações para os mortos, já os havia levado a construir imponentes superestruturas que, com o passar do tempo, vieram a constituir as pirâmides em degraus e, posteriormente, as pirâmides propriamente ditas.

A perícia dos egípcios no trabalho da madeira manifesta -se brilhantemente na construção naval. As necessidades da vida diária no vale do Nilo, onde o rio era a única via de comunicação acessível, fizeram dos egípcios excelentes navega- dores desde os tempos mais remotos. Os barcos ocupavam, desde a pré -história, uma posição de destaque entre seus primeiros trabalhos artísticos. Visto acre-

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figura 5.6 Colunas protodóricas de Deir el -Bahari. (Fonte: J. Pirenne. v. II, p. 156 -7, fig. 36. Foto J. Capart.)

Figura 5.7 As pirâmides de Snefru, no Dachur. (Fonte: J. Pirenne. 1961. v. I, p. 100, fig. 25.)

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ditarem em uma vida pós -morte calcada na vida terrena, não é de surpreender o fato de colocarem miniaturas de barcos nos túmulos ou representarem nas paredes cenas de navegação e de construção de barcos. Chegavam mesmo a enterrar embarcações verdadeiras perto dos túmulos, para que os mortos pudes- sem utilizá -las. Isso aconteceu em Heluan, num túmulo subterrâneo das duas primeiras dinastias, e no Dachur, nas proximidades da pirâmide de Sesóstris III. O ano de 1952 foi marcado por uma descoberta extraordinária: duas gran- des covas abertas na rocha e cobertas por lajes de calcário foram descobertas ao longo do flanco meridional da Grande Pirâmide. No interior das mesmas encontravam -se – parcialmente desmontados, mas completos, com seus remos, cabinas e lemes – os barcos utilizados por Quéops. Um deles foi removido e restaurado, o outro ainda espera ser retirado do seu “túmulo”.

O barco de Quéops, hoje abrigado num museu especial, foi reconstruído. Quando descoberto, consistia em 1224 peças de madeira que tinham sido par- cialmente desmontadas e amontoadas em treze pilhas sucessivas no interior da cova. O barco mede 43,4 m de comprimento por 5,9 m de largura e tem capacidade para cerca de 40 t. As pranchas laterais têm uma espessura de 13 a 14 cm. É difícil calcular com precisão o seu calado, mas com certeza era bas- tante reduzido em relação ao tamanho do navio. Embora com uma estrutura elementar de vigas, o barco de Quéops não possui quilha; tem o fundo plano e é estreito. O mais notável é o fato de ter sido construído sem pregos: as peças de madeira se mantêm unidas apenas pelo emprego de encaixes do tipo macho e fêmea. Seus elementos constitutivos – pranchas, vigas e traves transversais – são unidos entre si por meio de cordas, fato que facilitou a reconstituição. O navio possui uma cabina central grande e espaçosa e, na proa, um abrigo coberto. Não tem mastro, sendo impulsionado a remo ou rebocado, embora no Egito a vela já fosse usada muito antes do reinado de Quéops. Esse método de construção, em que as peças são unidas por meio de amarras, tornou possível a realização de expedições militares anfíbias longe do Egito, no mar Vermelho e no rio Eufrates. De fato, o exército egípcio levava consigo, desmontadas, as embarcações de que poderia vir a necessitar.

Pela proporção entre a largura e o comprimento dos barcos, bem como por seu baixo calado, pode -se observar que foram projetados para a navegação fluvial. O objetivo principal era obter uma capacidade máxima, evitando, ao mesmo tempo, os encalhes. Entretanto, já na V dinastia, e provavelmente antes, os egípcios sabiam como adaptar seus navios à navegação marítima. Os barcos de Sahure mostram que, para uso no mar, a altura da proa e da popa eram consideravelmente reduzidas. No caso do barco de Quéops, elevavam -se muito

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figura 5.8 Carnac: câmara do barco de Âmon.

Figura 5.9 Gisé: câmara do barco de Quéops.

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acima da linha da água, o que dificultava a manobra da embarcação nas ondas do Mediterrâneo ou do mar Vermelho. Além disso, os engenheiros navais egípcios emprestaram grande solidez à estrutura do barco como um todo equipando -o com um cabo de torção que passava por sobre a ponte e prendia firmemente a popa à proa. Esse cabo também funcionava como quilha, assegurando a solidez de toda a estrutura e reduzindo o risco de se partir ao meio.

A introdução dessas modificações permitiu às embarcações egípcias afrontar as expedições marítimas mais longínquas empreendidas pelos faraós, seja no Mediterrâneo, em direção à Palestina, Síria, Chipre e Creta, seja no mar Ver-

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