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III Dinastia

No documento HISTÓRIA GERAL DA ÁFRICA (páginas 109-114)

Já se observou que os reis das duas primeiras dinastias (período arcaico) parecem ter -se preocupado principalmente com as conquistas e sua consolidação. A nosso ver, porém, o novo dogma da realeza divina começou de fato com a II dinastia, e só então o Egito se tornou uma nação unificada. A dinastia foi fundada pelo rei Zoser, que, a julgar pelas evidências, era um soberano vigoroso e capaz. Entretanto sua fama foi consideravelmente obscurecida pela de seu célebre súdito Imhotep (I -em -htp), arquiteto, médico, sacerdote, mágico, escritor e autor de provérbios. Vinte e três séculos após sua morte, tornou -se ele o deus da medicina, em quem os gregos (que o chamavam de Imuthes) reconheciam Asclépio. Sua realização mais notável como arquiteto foi a “pirâmide de degraus” e o vasto complexo funerário construído para seu faraó em Saqqara, numa área de 15 ha, na forma de um retân gulo de 544 m por 277 m. A construção compreendia um muro circular, semelhante a uma fortaleza, e Imhotep introduziu notável inovação substituindo a pedra pelo tijolo.

Os outros reis da III dinastia são figuras tão obscuras quanto os das duas primeiras, embora a imensa pirâmide em degraus inacabada do rei Sekhemkhet (provavelmente filho e sucessor de Zoser em Saqqara) e a enorme escavação de um túmulo não concluído em Zawijet -el -Aryan, no deserto ao sul de Gisé, sejam indicações suficientes de que o complexo piramidal de Zoser não foi o único. O rei Huny, último da III dinastia, é o predecessor imediato de Snefru,

11 Em inglês, ver SMITH, W. S. 3. ed. Cambridge, 1971; em francês, VANDIER, J. “L’Ancien Empire” e “La Fin de l’Ancien Empire et la Première Période Intermédiaire”. In: DRIOTON, E. & VANDIER, J. pp. 205 -38, 239 -49.

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o fundador da IV dinastia. Foi ele quem edificou uma pirâmide em Meidum, cerca de 70 km ao sul do Cairo. Esse monumento, originalmente construído em degraus, sofreu várias ampliações e transformações antes de se tornar uma verdadeira pirâmide (talvez por obra de Snefru).

IV Dinastia

A IV dinastia, um dos pontos altos da história egípcia, começa com o longo e ativo reinado de Snefru, cujos anais, em parte preservados na Pedra de Palermo12,

relatam as campanhas militares vitoriosas contra os núbios do sul e as tribos líbias do oeste, a manutenção do comércio (principalmente o de madeira) com a costa síria e os grandes empreendimentos de construção executados durante vários anos, incluindo a edificação de templos, fortalezas e palácios em todo o Egito. Snefru reinou 24 anos; provavelmente pertencia a um dos ramos menores da família real. Para legitimar sua posição, casou -se com Hetep -Heres13, a filha

mais velha de Huny, infundindo sangue real à nova dinastia. Mandou construir duas pirâmides em Dachur, uma de tipo romboide (ao sul), e outra de forma verdadeiramente piramidal (ao norte) e de dimensão próxima à da grande pirâmide de Khufu em Gisé.

Os sucessores de Snefru, Khufu (Quéops), Khafre (Quéfren) e Mankaure (Miquerinos) são conhecidos principalmente pelas três pirâmides que erigiram no alto do promontório de Gisé, 10 km a sudoeste do atual Cairo. A pirâmide de Khufu apresenta uma particularidade: é a maior construção de uma única peça já erigida pelo homem14 e, devido à perfeição do trabalho, à precisão

do projeto e à beleza das proporções, continua a ser considerada a primeira das Sete Maravilhas do mundo. As pirâmides do filho e do neto de Khufu, conquanto menores, apresentam semelhanças na construção e na disposição de suas estruturas secundárias.

Houve muitas interrupções na sucessão real da IV dinastia, devido às lutas de sucessão entre os filhos das várias esposas de Khufu. Seu filho Dedefre governou

12 Ver Introdução.

13 O túmulo da rainha Hetep -Heres foi descoberto em Gisé e revelou um mobiliário de excelente qualidade, testemunho da habilidade dos artesãos egípcios durante o Antigo Império. Ver REISNER, G. A. 1955. 14 Sabe -se que a pirâmide propriamente dita, símbolo solar que contém ou cobre a cripta funerária onde

repousa a múmia real, é apenas um elemento do complexo que constitui a sepultura real completa. Esta última inclui, além da pirâmide, um templo baixo, na planície, em geral chamado o “Templo do Vale”, e uma aleia aberta ou caminho, que se estende do templo à parte alta do complexo, no planalto desértico, onde se situam a pirâmide propriamente dita e o templo funerário erigido na face oriental. Todo o recinto é cercado por uma parede. Ver EDWARDS, I. E. S. 1970.

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o Egito durante oito anos, antes de Khafre; outro se apoderou do trono durante um curto período no final do reinado de Khafre. É provável que um terceiro filho tenha sucedido ao último rei efetivo da dinastia, Shepseskaf.

V Dinastia

A origem dessa dinastia está ligada à crescente influência do clero de Heliópolis. Uma lenda do Papiro Westcar15 relata que os três primeiros reis

da V dinastia descendiam do deus Rá e de uma mulher chamada Radjedet, esposa de um sacerdote de Heliópolis. Os três irmãos eram Userkaf, Sahure e Neferirkare. Sahure ficou conhecido principalmente pelos magníficos baixos- -relevos que decoravam seu templo funerário em Abusir, ao norte de Saqqara. É fato bem conhecido que, apesar de as pirâmides reais da V dinastia serem muito menores do que os grandiosos túmulos da IV dinastia e sem embargo de uma construção inferior, os templos funerários vizinhos das pirâmides eram obras elaboradas, abundantemente decoradas com baixos -relevos pintados, alguns deles de caráter semi -histórico. A maior parte dos reis dessa dinastia mandou construir nas proximidades das pirâmides grandes templos dedicados ao deus- -Sol, todos dominados por um gigantesco obelisco solar.

Além da construção e dotação de muitos templos, relacionados na Pedra de Palermo, os faraós da V dinastia concentravam suas atividades na defesa das fronteiras do Egito e na expansão das relações comerciais com os países vizinhos. Expedições punitivas contra os líbios do deserto ocidental, os beduínos do Sinai e as populações semitas do sul da Palestina foram registradas nas paredes de seus templos funerários. Embarcações de grande envergadura visitaram a costa da Palestina durante os reinados de Sahure e Isési. Os navios egípcios atingiram também as praias de Punt, na costa somali, à procura de produtos de grande valor, como mirra, ébano e animais. O comércio do cedro com a Síria continuou a prosperar. No antigo porto costeiro de Biblos, no sopé das encostas arborizadas do Líbano, aumentava o número de frotas egípcias encarregadas do comércio da madeira para construção. Sabe -se que as relações comerciais com Biblos existiam desde as primeiras dinastias (ver Capítulo 8). Um templo egípcio foi erigido nesse local durante a IV dinastia, e descobriram -se objetos com os nomes de vários faraós do Antigo Império na cidade e nos arredores do velho porto.

15 Texto redigido durante o Médio Império: ver LEFEBVRE, G. 1949, p. 79. O relato do Papiro de Westcar é fictício. Os primeiros reis da V dinastia descendiam dos reis da IV dinastia. Ver BORCHARDT, L. 1938. pp. 209 -15. No entanto parece fora de dúvida que o clero de Heliópolis desempenhou um papel importante na época da transição da IV para a V dinastia.

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figura 2.4 Quéfren. (Fonte: J. Pirenne. 1961. v. I, p. 116, fig. 33.)

VI Dinastia

Não existem provas de que a transição da V para a VI dinastia foi acompanhada de agitações políticas. Com o longo e dinâmico reinado de Pépi I (o terceiro rei), a dinastia revelou toda a sua força. Pela primeira vez um rei egípcio abandonava as táticas militares puramente defensivas para penetrar com o grosso de seu exército no coração do país inimigo. Com o avanço do

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grande exército comandado por Uni, o general egípcio, os inimigos recuaram para suas terras nativas até o monte Carmelo, ao norte, e durante a última de cinco campanhas sofreram emboscadas de tropas terrestres desembarcadas de navios egípcios na extremidade norte da costa palestina.

A julgar por algumas indicações, é possível que Pépi I tenha nomeado seu filho Merenrê co rregente, pois ao que parece teria reinado sozinho durante cinco anos, aproximadamente. Nessa época, porém, ele procurou expandir e consolidar o poder egípcio na Núbia, e pouco antes de sua morte apareceu pessoalmente na Primeira Catarata para receber a homenagem dos chefes das províncias núbias.

Com a morte de seu irmão Merenrê, Pépi II, que contava seis anos, subiu ao trono e governou o país durante 94 anos, morrendo no ano de seu centésimo aniversário, após um dos mais longos reinados da história. Durante a minoridade do rei, a administração do país ficou nas mãos de sua mãe e de seu irmão. O segundo ano do reinado de Pépi II foi marcado pelo retorno de Herkhuf, monarca de Elefantina, que viajara pela Núbia até a província de Yam; este trouxe consigo um rico carregamento de tesouros e um dançarino pigmeu como presente para o rei. Com grande entusiasmo, o rei de oito anos enviou uma carta de agradecimento a Herkhuf, solicitando -lhe tomasse todas as precauções possíveis para que o pigmeu chegasse a Mênfis em bom estado16.

O longo reinado de Pépi II terminou em meio à desorganização política cuja origem remonta ao início da VI dinastia, época em que o poder crescente dos monarcas do Alto Egito lhes permitiu construir seus túmulos na própria província, e não ao lado da pirâmide do rei, na necrópole. A descentralização progrediu rapidamente. À medida que o rei perdia o controle das províncias, a autoridade se concentrava mais e mais nas mãos dos poderosos governadores provinciais. A ausência de monumentos posteriores às construções de Pépi II é um sinal evidente do empobrecimento da casa real. Como a desintegração evoluía rapidamente, o empobrecimento atingiu todas as classes sociais. Não se sabe ao certo se as forças desintegradoras eram já demasiado intensas para que um faraó pudesse combatê -las ou se o reinado muito longo de Pépi II, que mal soube defender o país, precipitou o colapso. O fato é que o Antigo Império chegou ao fim quase imediatamente após sua morte, iniciando -se o período de anarquia denominado Primeiro Período Intermediário.

16 Herkhuf, o monarca, fez gravar o texto da epístola real nas paredes de seu túmulo em Assuã. A tradução do texto é de BREASTED, J. H. (1906. pp. 159 -61). O aspecto antropológico do problema do “anão dançarino do deus” foi estudado por W. R. DAWSON (1938. pp. 185 -9).

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