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HERÓDOTO IV, 42 34 YOYOTTE, J 1958 p 370.

No documento HISTÓRIA GERAL DA ÁFRICA (páginas 177-181)

O restante da África

33 HERÓDOTO IV, 42 34 YOYOTTE, J 1958 p 370.

35 Ver capítulos 8, 9, 10 e 11.

36 P. MONTET (1970. p. 129) faz uma observação mais cautelosa sobre o assunto: “Antes de Harkhuf, um viajante de nome Bawerded trouxe consigo um anão dançarino, nativo da terra de Punt”.

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verdade que a expedição de Harkhuf pertence ao domínio da história, ao passo que muitas outras se revestem de um caráter lendário ou fictício37. Contudo,

pouco se sabe sobre o antigo habitat dos pigmeus, sendo, portanto, arriscado afirmar que eram encontrados em grande número nas regiões superiores das bacias do Nilo38. Além disso, não há provas de que o tal anão fosse um pigmeu,

e até o momento não se sabe com certeza onde se situava a terra de Yam39.

Como se vê, os indícios de contatos relacionados à curiosidade científica ou ao gosto pelo exótico são incertos e inconsistentes. A observação bastante comum de que a fauna africana está presente na iconografia egípcia não constitui de modo algum, no estádio atual dos nossos conhecimentos, prova decisiva da existência de relações entre o Egito e o interior da África. O babuíno, animal sagrado de Tot, e as peles de pantera, que faziam parte dos paramentos sacerdotais no ritual do culto de Osíris oficiado por Hórus, e também das vestes dos faraós, podem ter sido provenientes de países fronteiriços ou mesmo de trocas eventuais entre mercadores. Uma avaliação segura da extensão do conhecimento que os egípcios tinham da África só será possível após intensa pesquisa no sentido de investigar a cronologia e o significado qualitativo e quantitativo das diversas referências a animais encontradas em textos e imagens egípcios.

Quer as relações com a África tenham sido estabelecidas por necessidade, quer por curiosidade, os indícios coletados são por demais inconsistentes e sua interpretação é muito difícil e controversa para que possamos, nesse momento, chegar a qualquer conclusão. Existem, entretanto, vários caminhos abertos para uma investigação frutífera.

O leitor não deve,portanto, ficar com a impressão de que o que segue é aceito sem restrições ou está provado, embora seja perfeitamente justificável registrar algumas hipóteses e enfatizar a conveniência de se realizarem mais pesquisas.

É lícito que se pergunte – e até hoje quase ninguém o fez – se os egípcios tinham condições de utilizar o estanho nigeriano. Nos tempos antigos, havia dois pólos conhecidos de produção de estanho: a Cornualha e as Índias Orientais. Seria absurdo supor que Nok teve origem nas antigas minas de estanho em Bauchi, com um mercado no vale do Nilo?40 Por ora, trata -se meramente de

37 GIRGÜS, M. 1963.

38 Sobre as variações quanto à localização dos pigmeus, ver PRÉAUX, C. 1957. pp. 284 -312.

39 R. HERZOG (1968) é da opinião de que Harkhuf alcançou os pântanos de Swadi ou as colinas do Darfur. T. SAVE -SODERBERGH (1953. p. 177) situa a terra de Yam ao sul da Segunda Catarata e acredita que “os oásis da Líbia” ao sul do Nilo teriam servido como pontos de muda para expedições que se dirigiam ao sul e que prenunciam as futuras caravanas do Darfur.

40 Para uma crítica a esta suposição, ver o artigo de SCHAEFFER, em FEA. Na sua opinião, o estanho utilizado pelos egípcios teria vindo da África.

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Relações do Egito com o resto da África

uma hipótese acadêmica, mas que merece ser investigada: se os resultados fossem positivos, elucidariam muitos aspectos das relações entre o Egito antigo e a África mais ao sul, atualmente tão difíceis de compreender. Para tanto, seria fundamental um exame minucioso, em todos os níveis e com a ajuda de todas as disciplinas, de quaisquer vestígios remanescentes nas regiões de passagem, como Darfur e Bahr el -Ghazal, Nesse campo, como em tantos outros, quase tudo está por fazer. Através de pesquisas extensas e minuciosas, os etnólogos poderiam acrescentar novos dados a essa difícil questão.

Muito se tem perguntado se o encosto para cabeça com base de coluna inventado pelos egípcios não se teria difundido, juntamente com sua civilização, por outras regiões da África41. Mais uma vez, é preciso ter cautela e evitar a tentação do

difusionismo. Seria esse encosto – assim como outros exclusivamente africanos – originário do Egito? Não estariam presentes em outras culturas distantes da África? Não seriam eles de natureza funcional, podendo, por conseguinte, terem sido inventados em diferentes lugares, distantes uns dos outros?

Em outro campo, seria possível concluir – como fazem alguns pesquisadores talvez um pouco precipitados – que toda e qualquer forma de “realeza sagrada” na África é de origem egípcia, resultado de um relacionamento físico e histórico entre o Egito antigo e seus criadores africanos?42 Não seria plausível pensar em

desenvolvimentos espontâneos mais ou menos distantes no tempo?

Quais teriam sido as rotas percorridas pelo culto ao carneiro, animal sagrado de Âmon adorado em Kush, no Saara, entre os Ioruba e os Fon? Por enquanto, devemos nos limitar a registrar todas essas semelhanças e presenças, evitando as conclusões apressadas43.

Em diversos campos, é possível apontar semelhanças entre as técnicas, práticas e crenças do Egito antigo e as da África, de origem mais ou menos recente. Um dos exemplos mais atraentes é, à primeira vista, o do “duplo” da pessoa física (chamado de Ka no antigo Egito), a quem os egípcios atribuíam grande importância, assim como o fazem hoje várias sociedades da África. As formas de pós -vida desses “duplos” entre os Bantu, os Ule ou os Akan, por exemplo, tentam -nos a associá -las com as concepções egípcias da época dos faraós44.

41 Uma observação sobre os encostos para cabeça com base de coluna dos antigos egípcios e sobre as afinidades etnográficas reveladas pelo seu uso, feita por E. T. HAMY no livro de G. PARRINDER, p. 61, dá -nos um bom exemplo de um encosto de cabeça africano, em exposição no Museu Britânico. Um outro foi descoberto no Fezzan: DANIELS, C. M. 1968b.

42 Ver HUNTINGFORD, G. W. B. In: OLIVER, R. & MATHEW, G. pp. 88 -9, e DAVIDSON, B. 1962. p. 44. 43 WAINWRIGHT, G. A. 1951.

44 S. SAUNERON (Paris, 1959. p. 113) chama a atenção para a vantagem dessa associação, mas recomenda cautela.

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Há muito tempo tem -se observado que os Dogon enterram sua cerâmica para magia – e não são, de maneira nenhuma, os únicos a fazê -lo. Esse costume foi comparado ao dos egípcios, que colocavam em gamelas fragmentos de cerâmica inscritos com os nomes dos inimigos, enterrando -as em locais específicos. Também se chegou a comparar os ritos de inumação egípcios com os que eram oficiados por ocasião dos funerais dos reis de Gana no século XI antes da Era Cristã, conforme a descrição de al -Bakri.

Seria interminável a lista de práticas semelhantes acumuladas durante décadas por estudos de caráter mais ou menos científico. A linguística, por si só, oferece um vasto campo de pesquisa, em que as probabilidades, até o momento, superam as certezas.

Tudo isso nos leva a concluir que a civilização egípcia provavelmente exerceu influência – embora não se saiba ainda em que medida – sobre as civilizações africanas mais recentes. Ao se procurar abordar essas últimas, seria prudente considerar também a influência em sentido contrário, isto é, até que ponto o Egito foi influenciado por elas. Uma influência que se prolongou por mais de 5 mil anos não constitui prova de contatos sincrônicos, do mesmo modo que vestígios de contatos não constituem prova de sua continuidade. Trata -se de uma investigação fascinante que está apenas começando.

Em termos gerais, os laços entre o Egito e o continente africano nos tempos faraônicos é um dos temas mais importantes a desafiar os historiógrafos africanos de hoje. Coloca em questão grande número de postulados científicos ou filosóficos – como, por exemplo, a aceitação ou rejeição da hipótese de que os mais antigos povos do Egito eram negros, sem exceção, e a aceitação ou rejeição da teoria do difusionismo. Questiona também a metodologia ou a pesquisa, por exemplo, referente à circulação das invenções, do cobre e do ferro, dos tecidos aos suportes para a escrita. Levanta dúvidas quanto à possibilidade, até agora tranquilamente aceita, de um pesquisador isolado ser bem -sucedido num campo tão vasto sem a ajuda de disciplinas correlatas.

Sob qualquer ponto de vista, este problema constitui um teste para a consciência científica, a precisão e a imparcialidade dos africanos que se empenharem em esclarecê -lo, com a ajuda, agora mais lúcida do que no passado, de pesquisadores estrangeiros.

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