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Função do judiciário no campo dos direitos sociais

CAPÍTULO II: ASPECTOS ESSENCIAIS DA TEORIA DOS DIREITOS

2.8. Interpretação dos direitos fundamentais

2.8.6. A interpretação e aplicação dos direitos fundamentais pelo Poder Judiciário

2.8.6.2. Função do judiciário no campo dos direitos sociais

Os direitos fundamentais sociais, em regra, têm por objeto prestações estatais positivas e dependem de concretização legislativa e da existência de recursos públicos disponíveis, sendo certo que a Constituição Federal lhes reconheceu a condição de direitos fundamentais.249 Analisaremos a tarefa do judiciário a partir do tipo de reconhecimento dos direitos sociais.

Em primeiro lugar, exaltem-se os denominados direitos originários a prestações sociais que já estão definidos suficientemente na Constituição e independem de mediação legislativa. Trata-se da invocação de direito subjetivo a prestações extraído diretamente da previsão constitucional que assegura direitos sociais, permitindo a aplicação imediata pelo judiciário nos casos em que a norma “determine suficientemente o conteúdo da prestação e

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ANDRADE VIEIRA, José Carlos. Os direitos fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976. Coimbra: Livraria Almedina, 1998. p. 136/137, passim.

que o procedimento para sua realização esteja expresso, ou, no mínimo, implicitamente regulado na Constituição”.250

Em segundo lugar, ressaltam-se os direitos sociais definidos a nível programático onde se instala em maior medida as controvérsias sobre a eficácia e aplicabilidade de tais direitos. Para fazer valer os direitos fundamentais que importam em limitação da intervenção do Estado na esfera privada, em regra não é necessária a alocação de recursos do poder público, dado o cunho de abstenção que envolve. No entanto, a implementação de prestações positivas que satisfaçam os direitos fundamentais sociais, de segunda geração, como as que procuram viabilizar os serviços de saúde e assistência social, carecem da utilização de recursos e estão a depender da conjuntura econômica, da limitação dos recursos existentes e canalizados para tal finalidade, além do próprio poder de disposição por parte do destinatário do comando normativo, ou seja, aquele a quem compete fornecer os serviços.

A partir dessa inferência, discute-se se a regra da aplicabilidade imediata também se aplica para os direitos sociais. Em Constituições como a de Portugal, a aplicabilidade imediata refere-se apenas aos direitos fundamentais representativos de liberdades e garantias negativas,251 enquanto no Brasil a Constituição não fez ressalva semelhante.

Do ponto de vista positivo, tem-se entendido que a regra da aplicabilidade imediata impõe aos órgãos estatais, e assim ao judiciário, a tarefa de maximizar a eficácia dos direitos sociais e criar condições materiais para sua realização.252 Há quem defenda, no entanto, uma interpretação restritiva do preceito constitucional apenas para os direitos e garantias individuais e coletivas do art. 5º da Constituição Federal,253 o que afasta a incidência no tocante aos direitos sociais. Por outro lado, existe quem procura demonstrar que segundo a Constituição Brasileira, os direitos sociais são fundamentais com todas as conseqüências dessa natureza254 e ainda quem pondera que as chamadas liberdades sociais se equiparam aos

250 SARLET, Ingo Wolfgan. A eficácia dos direitos fundamentais. 3.ed. Porto Alegre: Livraria dos Advogados, 2003. p. 296. Mais adiante, na p. 307, o autor cita o exemplo da vinculação do valor do benefício da Previdência Social ao salário mínimo, como um exemplo de aplicação imediata decorrente do art. 201, § 5º da Constituição.

251

CANOTILHO, JJ. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 4. ed. Coimbra: Almedina, [s/d]. p. 430.

252

KRELL, Andréas J. Direitos Sociais e Controle Judicial no Brasil e na Alemanha . Porto Alegre: Sergio Fabris Editor, 2002. p. 38.

253

NETO, João Pedro Gebran. A Aplicação Imediata dos Direitos e Garantias Individuais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 158.

254

KRELL, Andréas J. Direitos Sociais e Controle Judicial no Brasil e na Alemanha . Porto Alegre: Sergio Fabris Editor, 2002. p. 49.

direitos de defesa por exigir uma abstenção pelo destinatário e normalmente não depender de recursos ou concretização legislativa (ex. direito de greve).255

Numa via de interpretação que enaltece os efeitos negativos do comando constitucional, comum a todas as normas que definem direitos fundamentais, ressaltam-se como eficácia diretamente aplicável às normas que veiculam direitos fundamentais sociais, mesmo as programáticas: a) revogam atos normativos contrários às disposições programáticas; b) obrigam ao legislador seguir os parâmetros fixados e não poder atuar em sentido contrário; c) servem de norte para interpretação, integração e aplicação das normas em geral; d) geram direito subjetivo no sentido negativo, na medida em que se pode exigir que o Estado se abstenha de atuar em contrário ao conteúdo do direito de cunho positivo.256

Pensamos que a função primordial no estabelecimento de políticas públicas relativamente aos direitos sociais compete ao Poder Legislativo, quando as respectivas normas constitucionais fixarem programas de fins, passíveis de controle pelo judiciário em seu “conteúdo mínimo”.257 Contudo, ressalva-se ao judiciário não o poder de criar, mas o de impor a execução de políticas públicas já estabelecidas nas normas constitucionais e ordinárias258, além do poder de assegurar os direitos sociais representativos de liberdades por sua equiparação aos direitos de defesa na forma de aplicação direta.

No tocante à aplicação ou não da cláusula pétrea para os direitos fundamentais sociais, estamos com os que encampam uma interpretação sistemática, levando a uma ampliação da proteção contra a atuação do legislador, para reconhecer, com Ingo Sarlet, que, na constância de um Estado Democrático Social de Direito, a eliminação de certos direitos importaria numa ofensa ao princípio da dignidade da pessoa humana.259

Por final, resta a problemática dos direitos derivados, quais sejam, aqueles direitos fundamentais sociais já concretizados em nível legislativo. Aqui o pleito do

255

SARLET, Ingo Wolfgan. A eficácia dos direitos fundamentais. 3.ed. Porto Alegre: Livraria dos Advogados, 2003. p. 262/3/4, passim.

256 SARLET, Ingo Wolfgan. A eficácia dos direitos fundamentais. 3.ed. Porto Alegre: Livraria dos Advogados, 2003. p. 283 - 286, passim.

257 VIEIRA DE ANDRADE, José Carlos. Os direitos fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976. Coimbra: Livraria Almedina, 1998. p. 139.

258 KRELL, Andréas J. Direitos Sociais e controle Judicial no Brasil e na Alemanha. Porto Alegre: Sergio Fabris Editor, 2002. p. 94.

259

SARLET, Ingo Wolfgan. A eficácia dos direitos fundamentais. 3.ed. Porto Alegre: Livraria dos Advogados, 2003. p. 384/5/7, passim.

interessado pode partir, tendo por referência à própria lei ordinária em face da mediação promovida pelo legislador. Complexa, de outra ordem, é a questão da “proibição de retrocesso” que visa impedir que o legislador possa eliminar posições jurídicas por ele criadas, entendendo alguns que à “medida em que concretizado o direito prestacional transforma-se em direito de defesa”.260

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