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A positivação dos direitos dos contribuintes e a construção dos direitos

CAPÍTULO III: DIREITOS FUNDAMENTAIS DOS CONTRIBUINTES COMO

3.3. A positivação dos direitos dos contribuintes e a construção dos direitos

A Constituição Federal positiva um rol de princípios e imunidades, ao abrir seção com a nomenclatura "das limitações ao poder de tributar", colocando-os na condição de direitos e garantias dos contribuintes, sem prejuízo de outras que a legislação inferior venha a edificar.277

Pela natureza dos direitos assegurados e até pela vertente nominal, boa parte dos direitos assume a feição de direitos de defesa dos contribuintes contra a intervenção do Estado, por meio da tributação.

A positivação constitucional dos direitos e garantias dos contribuintes guarda relação com a positivação dos direitos fundamentais,278 em sentido amplo, como elemento estruturante do Estado de Direito na versão intitulada de Estado Fiscal. A limitação do exercício do poder intervencionista tributário pelo princípio da legalidade fundamenta, num

275 Na concepção de Bobbio, “Estado patrimonial é o Estado no qual o soberano detém o território da nação como propriedade sua, na forma de dominium eminens ou propriedade originária da qual brotam as propriedades dos indivíduos, e que se manifesta por exemplo no direito de expropriação por utilidade pública”. BOBBIO, Norberto. O filósofo e a política. Tradução de César Benjamin. Rio de Janeiro: Contraponto, 2003. p. 145.

276

NABAIS, José Casalta. O dever fundamental de pagar impostos. Coimbra: Almedina, 1998. p. 213. 277

Arts. 150 a 152 da Constituição Federal. 278

No sistema peruano, Bustamante pondera que o reconhecimento constitucional dos princípios que limitam o poder impositivo pela Constituição não faz outra coisa senão traduzir os direitos humanos no campo da tributação. BUSTAMANTE, Javier Luque. Algunas Reflexiones sobre las Relaciones entre los Derechos Humanos y la Tributación. Revista de Direito Tributário, São Paulo, Revista dos Tribunais, n. 52, abr/jun, 1990. p. 61.

primeiro plano, a primeira e principal conquista de direito de defesa contra o arbítrio e excesso de poder na vertente tributária.

Concebendo-se que os direitos fundamentais conhecidos como de primeira geração, em sentido amplo, visam proteger a propriedade, a liberdade, a igualdade, justifica-se a sua aplicação na esfera tributária já que, nesse plano, todos esses direitos estão inteiramente envolvidos e seriamente comprometidos caso não paire uma nítida proteção mediante coerente arcabouço normativo de limitação.

É certo que o direito de propriedade revela-se assegurado no Estado Fiscal onde se garante o livre exercício da atividade econômica e o direito de propriedade, sendo o tributo o preço que se paga por essa liberdade, inclusive a de acumular patrimônio, ao contrário do que acontecia no Estado de feição patrimonialista, onde “desvalorizava-se a riqueza individual e o trabalho que a produzia, e se proibiam o luxo e a usura, ao revés de se tributarem os rendimentos do capital e do trabalho e do consumo suntuário e os empréstimos, dilargando-se a liberdade”.279

A vinculação dos direitos humanos com a tributação tem sido debatida em conclaves internacionais,280 embora o tema seja considerado novo quanto à ligação de dois temas antigos, como é o caso da tributação e dos direitos humanos,281 tendo despertado a atenção doutrinária.282 Ao enaltecer a relevância do ordenamento financeiro no seio do Estado Social, Chulvi destaca duas razões básicas no sistema espanhol: a relação de dependência com os direitos fundamentais e a forma de divisão territorial de poder.283

279

TORRES, Ricardo Lobo. A idéia de liberdade no estado patrimonial e no estado fiscal. Rio de Janeiro: Renovar, 1991. p. 38.

280

Como as I Jornadas da Asociación Internacional de Tributación y Derechos Humanos, realizadas em Lima, Peru de 4 a 8.12.1989, e as XX Jornadas do Instituto Latinoamericano de Direito Tributário (ILAD), realizadas em Salvador, Brasil, de 3 a 8 de dezembro de 2000.

281 HENDERSON, Enrique Vidal. Poder Tributario y Derechos Humanos. Revista de Direito Tributário n.º 53. São Paulo: Revista dos Tribunais, jul/set de 1990. p. 57.

282

Além de obras apresentadas nos eventos citados na nota anterior, destacamos os livros de: TORRES, Ricardo Lobo: Tratado de direito constitucional financeiro e tributário. (Os direitos humanos e a tributação: imunidades e isonomia). Rio de janeiro: Renovar, 1999. v. 3. e A idéia de liberdade no estado patrimonial

e no estado fiscal. Rio de Janeiro: Renovar, 1991; NOGUEIRA, Alberto. A reconstrução dos Direitos Humanos da Tributação. Rio de Janeiro: Renovar, 1997; MARTINS, Ives Gandra (Coord.). Direitos Fundamentais do Contribuinte . São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000; e mais recentemente, FISCHER,

Octávio Campos. Tributos e Direitos Fundamentais. São Paulo: Dialética, 2004. O tema também tem sido objeto de aulas ministradas pelo Professor Fernando Facury Scaff em diversos cursos e, em especial, no Curso de Pós-graduação em Direito da Universidade Federal de Pernambuco - UFPE.

283

CHULVI, Cristina Pauner. El deber constitucional de contribuir al sostenimiento de los gastos públicos. Madrid: Centro de Estudios Políticos y Constitucionales, 2001. p. 62.

A par dessa vinculação genérica, no Brasil, o reconhecimento em caráter específico dos direitos dos contribuintes como fundamentais possui algumas peculiaridades. Primeiramente dada à previsão do princípio da legalidade e da anterioridade entre os direitos individuais na Constituição de 1967, com a Emenda de 1969 (art. 153, § 29) e que, como norte de interpretação histórica, revela uma orientação do sistema positivo que, face ao nível ampliado de proteção da Constituição vigente, não tenderia a enfraquecer, mas sim em consolidar e ampliar o teor de segurança jurídica para as relações tributárias entre Estado e contribuintes. Em segundo lugar, pela força emanada de decisão paradigmática do Supremo Tribunal Federal284 que enquadrou o "princípio da anterioridade" dentro da categoria dos direitos fundamentais, justificando a inclusão no art. 5°, § 2°, com ofensa ao art. 60, § 4°, todos da Constituição Federal, o que importa na utilização do conceito de direitos fundamentais no sentido material.

Consoante enfatiza Fernando Facury Scaff, a decisão do Supremo Tribunal Federal firmou posicionamento de que dentre os direitos individuais do art. 5ª da Constituição inserem-se os direitos previstos especificamente para os contribuintes no art. 150, que trata do Sistema Tributário Nacional, fazendo revelar que tais normas constitucionais formam um "estatuto mínimo" dos contribuintes, já que outros direitos e garantias poderão advir da legislação infraconstitucional.285

Com efeito, apesar de já iniciada a construção teórica sobre a relação dos direitos fundamentais com a tributação, extraída de textos positivados e de concepções doutrinárias, a posição do Supremo Tribunal Federal demarca a solidificação dessa teorização no plano jurisprudencial.286

A par desse marco judicial e fazendo uso da evoluída e sedimentada teorização da doutrina dos direitos fundamentais no âmbito da Teoria Geral do Direito e do Direito Constitucional, procura-se aqui demonstrar a viabilidade da sua transposição para o Direito Constitucional Tributário, na formulação embrionária de uma Teoria dos Direitos Fundamentais dos Contribuintes.

284

ADIN n.º 939/DF. 285

SCAFF, Fernando Facury. O Estatuto Mínimo do Contribuinte. In: MARTINS, Ives Gandra (Coord.).

Direitos Fundamentais do Contribuinte. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. p. 456/7.

3.4. Dimensões mais relevantes da categoria dos direitos fundamentais dos

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