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CAPÍTULO III: DIREITOS FUNDAMENTAIS DOS CONTRIBUINTES COMO

3.7. Direitos de liberdade

3.7.6. Liberdade de tráfego

Estabelece a Constituição que é vedado aos entes políticos com poder de tributar “estabelecer limitações ao tráfego de pessoas ou bens, por meio de tributos interestaduais ou intermunicipais, ressalvada a cobrança de pedágio pela utilização de vias conservadas pelo Poder Público”.569

A previsão constitucional traduz imunidade à tributação do tráfego de pessoas com fundamento na liberdade de ir e vir e em relação ao tráfego de bens com supedâneo na liberdade de comércio e também no princípio federativo.570 Relaciona-se com o direito fundamental que revela ser livre a locomoção no território nacional em tempo de paz para a pessoa e seus bens; com o direito de livre exercício de trabalho, ofício ou profissão; com o livre exercício de qualquer atividade econômica e com o princípio federativo.571

569

Art. 150, V, da Constituição Federal. 570

TORRES, Ricardo Lobo. Tratado de direito constitucional financeiro e tributário. (Os direitos humanos e a tributação: imunidades e isonomia). Rio de Janeiro: Renovar, v. 3, 1999. p. 100/120.

Procura evitar, assim, que o trânsito de pessoas e bens entre os Estados e entre os Municípios configure hipótese de incidência de tributo,572 ou seja, que os entes políticos de direito público interno possam reproduzir, no interior da federação, tributos típicos daqueles que oneram a circulação de bens entre países, a exemplo dos impostos de importação e exportação.

Apesar de restringida a possibilidade de ofensa a esse preceito diante da minuciosa discriminação constitucional da competência para instituir tributos, a sua utilidade advém, em regra, para coibir a elevação ou redução de carga tributária, baseada em operações interestaduais ou intermunicipais e instituições de taxas.573

A vedação constitucional direciona-se para toda modalidade de tributo que impeça o direito de ir e vir e que possa ferir a liberdade de comércio, no trânsito de bens, alcançando também os ingressos patrimoniais e os cobrados pelos órgãos da Administração Indireta, se ofensivos à liberdade de locomoção e ao livre comércio.574

Excetua-se, entretanto, a cobrança de pedágio pela utilização de vias conservadas pelo poder público.575 Essa figura sempre teve a sua natureza jurídica controvertida. Diante da Constituição de 1988, uma corrente reconhece a natureza tributária do pedágio, em oposição à natureza de preço público, ao aduzir que ela tratou especificamente da figura no contexto de uma limitação ao poder tributário sobre tráfego.576 Em igual orientação, depois de narrar a evolução do pedágio no Brasil, Bernardo Ribeiro de Moraes informa que na Constituição

572

MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 18.ed. São Paulo: Malheiros, 2000. p. 221. 573

Em nível municipal, informa Fábio Fanucchi que o Município de Santos pretendeu cobrar taxa de veículos de outros Municípios que transitassem por suas ruas, com a pretensão de recuperar prejuízo para a respectiva preservação. FANUCHI, Fábio. In: MARTINS,. Ives Gandra da Silva (Coord.). Comentários ao código

tributário nacional. São Paulo: Saraiva. 1998. p. 116. Relacionada com essa questão, no plano ambiental,

algumas taxas têm sido instituídas, tendo por parâmetro não diretamente a prestação de serviços ou exercício do poder de polícia, mas a própria utilização dos recursos do meio ambiente pelo contribuinte (usuário, normalmente turista), guardando uma relação indireta com a prestação de serviços direcionada à preservação ambiental É o caso da Taxa de Preservação Ambiental do Arquipélago de Fernando de Noronha, "incidente sobre o trânsito e permanência de pessoas na área sob jurisdição do Distrito Estadual" e que tem como fato gerador "a utilização, efetiva ou potencial, por parte das pessoas visitantes, da infra-estrutura física implantada no Distrito Estadual e do acesso e fruição ao patrimônio natural e histórico do Arquipélago de Fernando de Noronha." Conforme artigos 83 e 84 da Lei n° 10.430 de 29 de dezembro de 1989, modificada pela Lei n.º 11.305 de 28 de dezembro de 1995.

574

TORRES, Ricardo Lobo. Tratado de direito constitucional financeiro e tributário. (Os direitos humanos e a tributação: imunidades e isonomia). Rio de Janeiro: Renovar, v. 3, 1999. p. 101, 123 e 124.

575 Art. 150, V, in fine, da Constituição Federal.

vigente o pedágio passou a ser tributo, representando uma nova modalidade de taxa, com fato gerador definido diretamente na Constituição.577 De outro foco, se tem enaltecido que, a rigor,

o pedágio não é tributo, mas preço público que ultimamente tem sido objeto da fiscalidade periférica de certos grupos sociais.578

Ao lado da natureza jurídica do pedágio, aparece a problemática do fato gerador que novamente divide as opiniões. Alguns entendem que a Constituição relaciona o pedágio a uma atuação estatal específica, tendo como fato gerador a utilização de vias conservadas pelo Poder Público (um bem público), diferentemente das taxas que se legitimam em razão do poder de polícia ou pela prestação efetiva ou potencial de serviços públicos,579 é dizer, o “pedágio, hoje, é devido pela utilização de vias conservadas pelo Poder Público e não pela utilização de serviço público”.580

Por outro enfoque, Sacha Calmon diz que os pedágios só encontram amparo constitucional se tiverem como fato gerador prestação dos serviços de conservação e melhoramento das vias trafegáveis e se forem pagos somente pelos usuários, devendo a autorização de cobrança interligar-se com o preceito que discrimina o fato gerador das taxas (art. 145, II, da Constituição Federal).581

Em igual rota, Mizabel Derzi acha que o pedágio conforma uma taxa de serviço público de conservação e alerta para a divisão doutrinária no caso da concessão do serviço para empresas privadas, onde revela que, nessa situação, uns descaracterizam a natureza de taxa-pedágio para preço público e outros confirmam a natureza tributária com suas conseqüências.582

577

MORAES, Bernardo Ribeiro de. Compêndio de Direito Tributário. 5.ed. Rio de Janeiro: Forense, v. 1, 1996. p. 343/344.

578

TORRES, Ricardo Lobo. Tratado de direito constitucional financeiro e tributário. (Os direitos humanos e a tributação: imunidades e isonomia). Rio de Janeiro: Renovar, v. 3, 1999. p. 103/104.

579

AMARO, Luciano. Direito Tributário Brasileiro. 9.ed. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 49. 580

MORAES, Bernardo Ribeiro de. Compêndio de Direito Tributário. Primeiro volume. 5º ed. Rio de Janeiro: Forense, 1996. p. 346.

581

COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Comentários à Constituição de 1988: sistema tributário. 6.ed. Rio de Janeiro: Forense, 1996. p. 70.

582

DERZI, Misabel. In: BALEEIRO, Aliomar. Direito Tributário Brasileiro. 11.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003. p. 111/112.

No âmbito do ICMS, tem-se procurado, em certas ocasiões, implantar-se tratamento diferenciado, em razão da procedência da mercadoria na circulação entre Estados e Municípios, proibição expressamente contida no art. 152 da Constituição Federal, o princípio da unidade tributária estadual e municipal que se entrelaça com a limitação de tráfego.583 Num aspecto de exigências formais, a vedação também se impõe, como no caso de revalidação de documentação fiscal.584

Nesse passo, a norma constitucional que limita o poder de tributar em relação ao tráfego de pessoas e bens, inspirando-se em direitos fundamentais, assegura para os

583

Conforme acentuamos em despacho proferido no Processo n.º 17110-0/2001, da 3ª Vara da Fazenda Pública Estadual, da Comarca da Capital – AL: “Revelam as impetrantes que as operações com aves e ovos estão acobertadas pelo instituto da isenção, formalizada nos Convênios n.°s 44/75, 78/91 e 124/93 e que o Decreto n° 38.142/99, unilateralmente, revogou a isenção para estabelecer um mecanismo tributário de tratamento diferenciado para as operações internas e interestaduais. A fonte do Direito Tributário, decreto, estaria eivada de vício pela ausência de Convênio autorizando a revogação e pelo tratamento diferenciado que implementou, redundando em ofensa ao princípio da liberdade de tráfego, ao princípio da isonomia e do livre exercício de atividades econômicas. Numa análise ainda de cunho perfunctório, revela-se presente o pressuposto legal da relevância dos fundamentos do pedido. É que revogação de isenção e a concessão de crédito presumido devem preceder de deliberação por meio de Convênio. Essa foi a fórmula encontrada para evitar desequilíbrios entre os entes tributantes, em matéria de ICMS, procurando manter uma espécie de uniformidade. Com efeito, a criação de tratamento tributário diferenciado em razão da procedência da mercadoria, encontra óbice intransponível no princípio da liberdade de tráfego de sede constitucional. Esse princípio que limita o poder de tributar impede que por medidas normativas estaduais ou municipais se estabeleçam verdadeiras barreiras alfandegárias no espaço territorial interno do país. Demais disso, esse dicrímen que busca proteger a produção interna (de dentro do Estado), ao tempo em que onera a produção externa, se mostra ofensivo ao princípio da isonomia, bem como ao princípio que garante o livre exercício da atividade econômica. Sem dúvida, ao se criar tratamento tributário diferenciado, ocorre uma intervenção sobre o domínio econômico com significativa alteração nos preços dos produtos, tornando inviável a comercialização dos que se situam em outros Estados. Apesar de reconhecer que devem ser estimuladas medidas protecionistas da atividade econômica interna, tanto do Estado de Alagoas como do Brasil (visto que todos os países praticam tais medidas, seja ostensivamente ou não), é preciso que elas se adeqüem ao sistema jurídico nacional. Na espécie, certamente traduzindo esse anseio de proteção, o Chefe do Executivo implementou medida tributária, ao que parece, francamente em dissonância com os preceitos fundantes das relações tributárias, aqueles que impõem constitucionalmente os seus limites de atuação do poder tributário. Uma observação que parece confirmar o protecionismo e disputa pelo afastamento da produção externa ao Estado de Alagoas, revela-se em recente decisão judicial que proferi (Processo n.º 12.361-8/00 - 2ª Vara da Fazenda Estadual) a respeito dos mesmos produtos aqui questionados, em que a via da limitação ao tráfego recebeu a roupagem sanitária através de portaria do Secretário de Agricultura. Relevantes os fundamentos do pedido, demonstra-se que a demora poderá causar prejuízo irreparável ou de difícil reparação para as impetrantes, pela interrupção de suas operações econômicas e consequentemente pelo prejuízo financeiro que daí decorre. Ante o exposto, defiro o pedido para conceder a liminar e suspender os efeitos do Decreto n° 38.142/99, em relação às impetrantes, garantindo-lhes o livre exercício de suas respectivas atividades econômicas, ao permitir que as entradas no Estado de Alagoas e as saídas internas (de aves e ovos) se operem sem a tributação imposta pelo mencionado diploma normativo, ficando a autoridade e seus comandados impedidos de executarem os comandos do decreto, até ulterior decisão”.

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“ICM – Nota fiscal – Prazo de validade – Legislação de Estado-membro que limita a eficácia do documento em mesmo quando emitido em outra unidade da Federação, exigindo revalidação – Inadmissibilidade – Restrição que somente pode atingir as notas fiscais emitidas em seu território – Caracterização de limitação ao tráfego no território nacional – Tributo e penalidade pecuniária não devidos – Obrigações acessórias insubsistentes, posto que não há interesse nem competência para a arrecadação do imposto – Aplicação do art. 9º, III, do CTN” (TJSC, in RT 648/170).

contribuintes a liberdade de livre circulação e o exercício de atividades econômicas entre os Estados e Municípios, não podendo, por esse motivo, ser objeto de tributação.

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