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Redefinição do princípio da legalidade (o controle de constitucionalidade

CAPÍTULO III: DIREITOS FUNDAMENTAIS DOS CONTRIBUINTES COMO

3.5. Direitos à segurança

3.5.1.5. Redefinição do princípio da legalidade (o controle de constitucionalidade

A doutrina contemporânea tem procurado redefinir o papel do princípio da legalidade que teve de início a função de conter o absolutismo monárquico, mas que no Estado Social não conseguiu sustar os excessos do Poder Executivo e nem os do próprio Poder Legislativo que tencionou fortalecer.

Para instrumentalizar o controle quanto aos atos dos legisladores, a legalidade assume a formatação de legalidade constitucional, com a prevalência do princípio da constitucionalidade, enquanto no nível de atuação do Poder Executivo, a legalidade passa a incluir um novo conceito que engloba a compatibilização do ato administrativo não apenas

382

Art. 2º, inciso III, da Lei Complementar n.º 87/96. 383

Discute-se se o serviço prestado pelos provedores de internet constitui serviço de comunicação para efeito de incidência do ICMS ou serviço comum abrangido pelo ISS ou ainda modalidade de serviço que não está inserida na área de atuação de nenhum dos dois tributos, em face da falta de precisão da norma, caracterizando atipicidade.

com a lei num sentido estrito, mas também com os princípios constitucionais positivados, superando-se a legalidade pelo princípio da juridicidade.384

A legalidade, assim, recebe “o invólucro formal da Constituição”,385 com acentuado reflexo na esfera tributária, em razão do elevado nível de constitucionalização desse ramo do direito que se demonstra por capítulo específico, tratando do Sistema Tributário Nacional na Constituição386 e que tem recebido constantes alterações no sentido de aumento da regulação constitucional.

Com efeito, essa passagem do princípio da legalidade para o princípio da constitucionalidade implica uma elevação do nível de controle sob o ângulo da constitucionalidade, seja da atuação do Poder Legislativo em que seus atos devem guardar compatibilidade com a normatização constitucional, seja do Poder Executivo na conformação de seus atos administrativos, não apenas com a legalidade num sentido estrito, mas também com o princípio da constitucionalidade ou, numa versão particularizada da doutrina, com o princípio da juridicidade que engloba as leis e os princípios positivados constitucionalmente.

Essa vinculação perpassa para o Poder Judiciário na tarefa de fiscalização da constitucionalidade das leis e atos administrativos em matéria tributária. A validade de leis e de atos normativos tem sido freqüentemente contestada pela via do processo judicial tributário, sob o argumento de incompatibilidade vertical, com as regras e princípios constitucionais que cuidam de tributação tanto em nível abstrato no controle concentrado, como em nível concreto no controle difuso. Bem assim tem-se invocado o controle da atuação do próprio constituinte derivado, através da edição de emendas constitucionais.

A formulação analítica das normas sobre tributação na Constituição fornece uma ampla margem para invocação de questões constitucionais nas demandas entre os contribuintes e o Estado, sendo certo que, no quadro atual, dificilmente esses pontos não são deduzidos em juízo, o que importa cada vez mais no deslocamento do parâmetro da legalidade tributária para uma constitucionalidade tributária.

Esse fenômeno também acontece na atuação da administração tributária através da edição de atos administrativos, notadamente o lançamento tributário. A vinculação ao

384

MORAES, Germana de Oliveira. Controle Jurisdicional da Administração Pública. São Paulo: Dialética, 1999. p. 23.

385

BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 1996. p. 384. 386 Capítulo I, do Título VI, da Constituição Federal.

princípio da constitucionalidade, no campo dos atos tributários, impõe que a administração observe não só a lei em sentido estrito, mas também o que as normas constitucionais prescrevem sobre o tema objeto de decisão.

É de se perquirir também que “o princípio da legalidade é substituído pelo princípio da constitucionalidade nos casos em que a Constituição serve como ‘habilitação’ imediata do agir da administração”.387 Isso ocorre em diversos institutos tributários que recebem um tratamento diretamente da Constituição, além dos direitos fundamentais dos contribuintes que estão dotados de aplicabilidade imediata por conduto constitucional e que limitam a atuação do poder tributário, inclusive na sua manifestação procedimental.

A redefinição da legalidade tributária na seara da administração para um princípio da constitucionalidade ou de juridicidade, de caráter vinculante, traz à tona a problemática do controle de constitucionalidade pela administração na edição de seus atos.

No Brasil, o ordenamento jurídico fornece duas formas de solução para as controvérsias tributárias: o Processo Administrativo Tributário e o Processo Judicial Tributário. Normalmente os sistemas europeus possuem uma justiça administrativa que decide as questões tributárias, daí que o problema da apreciação da constitucionalidade pela administração, no campo tributário, restringe-se à atuação da administração ativa.

Em nosso sistema, porém, diante da instituição de Processo Administrativo Tributário para fins de dirimir controvérsias dos contribuintes com o Estado, a doutrina tem discutido com fervor a natureza do ato produzido pela administração enquanto órgão de julgamento para descobrir se este é eminentemente administrativo ou jurisdicional, o que redunda numa aferição de funções típicas e atípicas da administração e do judiciário.

Uma outra questão, interligada, que conduz a uma necessária distinção entre funções é a que diz respeito ao controle de constitucionalidade que surge ao aferir-se a sua operacionalidade pelos órgãos de julgamento administrativos.

Para tomada de posição nesse tema, cabe verificar que Ruy Barbosa Nogueira, desde 1965, já esposava a distinção entre administração ativa e judicante. "No exercício da administração ativa o funcionário não pode negar aplicação à lei, sob mera alegação de sua

387

CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 4.ed. Coimbra: Almedina, 1997. p. 703

inconstitucionalidade, em primeiro lugar porque lhe não cabe a função de julgar, mas de cumprir e, em segundo, porque a sanção presidencial afastou do funcionário da administração ativa o exercício do ‘poder executivo’. Porém, aquele investido da função de julgar não a pode exercer, sem levar em conta a Lei Magna, para conduzir o processo da interpretação e chegar a uma solução coerente dentro do quadro constitucional, ou mesmo deixar de aplicar a medida, se manifestamente contra a Constituição".388

Ao interpretar e defender a existência de uma jurisdição administrativa, sem embargo das críticas que se impõem a esse conceito, James Marins faz importante referência quanto a mitigações exigidas pela ordem positiva, doutrina e jurisprudência, à decantada pureza das funções do Estado, na clássica tripartição dos poderes oriunda da doutrina de Montesquieu.389 O autor deixa entender, pela crítica que faz às restrições expressadas no Anteprojeto de Código de Processo Administrativo Tributário, que concorda com a possibilidade de as autoridades julgadoras proferirem decisão sobre constitucionalidade de lei no âmbito do Processo Administrativo Tributário.390

O assunto ressente-se de tratamento legislativo uniformizado, já que as leis ou não se referem a esse tipo de controle ou taxativamente negam a possibilidade de controle de constitucionalidade, só que boa parte das leis é anterior à Constituição de 1988,391 o que faz aumentar as incertezas como bem refletiu o debate instaurado no XXIII Simpósio Nacional de Direito Tributário, onde se registrou entendimentos contrários e favoráveis ao controle.392

Condensaremos algumas teses em prol do controle de constitucionalidade pelos órgãos de julgamento da administração e outras na linha contrária.

388

NOGUEIRA, Ruy Barbosa. Da Interpretação e Da Aplicação das Leis Tributárias. 2.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1965. p. 32, nota de rodapé n.º 1.

389

"A premissa teórica da existência de um Poder Executivo atrofiado, limitado a funções de administração e execução, sem quaisquer funções de cunho jurisdicional, em verdade, representa concepção que discrepa de nossa própria realidade positiva uma vez que a Constituição Federal de 1988 consagra expressamente o processo administrativo em seu art. 5°, inciso LV, ensejando à luz do sistema a possibilidade da existência de uma denominada jurisdição administrativa (sem embargo das eventuais críticas que se possa fazer à denominação)."MARINS, James. Decisões Tributárias Administrativas e Controle Judicial. Revista

Dialética de Direito Tributário, São Paulo, Dialética, n. 19, 1997. p. 47.

390

MARINS, James. Decisões Tributárias Administrativas e Controle Judicial. Revista Dialética de Direito

Tributário, São Paulo: Dialética, n. 19, 1997. p. 45. De forma mais clara em: MARINS, James. Direito Processual Tributário Brasileiro. São Paulo: Dialética, 2000. p. 303.

391

Conforme o previsto no art. 125, inciso I, da Lei n° 4.418/82, do Estado de Alagoas, que afirma não se incluir na competência dos órgãos julgadores a declaração de inconstitucionalidade.

392

Consoante expressado nos diversos artigos publicados no livro o Processo Administrativo Tributário. MARTINS, Ives Gandra (Coord.). Processo Administrativo Tributário. São Paulo: Revista dos Tribunais: Centro de Extensão Universitária, 1999.

No grupo dos favoráveis, aponta-se desde logo para a garantia constitucional da ampla defesa e do contraditório no processo administrativo, como uma nota diferencial aposta pela Constituição de 1988.

É que, ao ser impugnado o ato de lançamento pelo sujeito passivo da obrigação tributária, dá-se a instauração de uma relação processual no seio da administração, com as garantias assemelhadas à judicial por força de norma expressa de cunho constitucional.393 Diante desse quadro, a garantia de ampla defesa autoriza a argüição de toda matéria que envolva nulidade do ato de lançamento, desde vícios formais na sua confecção, até argumentos pela ilegalidade do ato ou inconstitucionalidade de lei ou ato normativo que lhe sirva de suporte. Se o contribuinte na impugnação pode alegar a inconstitucionalidade, a autoridade julgadora não pode se negar a decidir, sob pena de reduzir-se o espaço de defesa que deixaria de ser ampla.394

Por outro giro, na interpretação e aplicação do direito aos casos concretos, impõe- se primordialmente a observância das normas constitucionais,395 pela supremacia que elas detêm no ordenamento jurídico. Assim, todos devem observância à Constituição, incluindo-se nesse leque as autoridades julgadoras do processo administrativo. Demais, o princípio da legalidade, num sentido amplo, pressupõe estar a lei ou ato normativo em conformidade com a Constituição.396

Advoga-se ainda a inexistência de monopólio do Poder Judiciário quanto ao controle de constitucionalidade397 e que esta é peculiar à função jurisdicional exercida pelo

393

Art. 5°, LV, da Constituição Federal. 394

MARTINS, Ives Gandra da Silva (Coord.) Processo Administrativo Tributário. São Paulo: Revista dos Tribunais: Centro de Extensão Universitária, 1999. p. 72.

395

Diva Malerbi. Processo Administrativo Tributário. In: MARTINS, Ives Gandra da Silva (Coord.) Processo

Administrativo Tributário. São Paulo: Revista dos Tribunais: Centro de Extensão Universitária, 1999.

p. 129.

396 TALARICO, Marilene. Processo Administrativo Tributário. In: MARTINS, Ives Gandra da Silva (Coord.)

Processo Administrativo Tributário. São Paulo: Revista dos Tribunais: Centro de Extensão Universitária,

1999. p. 72. 396

Diva Malerbi. Processo Administrativo Tributário. In: MARTINS, Ives Gandra da Silva (Coord.) Processo

Administrativo Tributário. São Paulo: Revista dos Tribunais: Centro de Extensão Universitária, 1999.

p. 331/332. 397

Ricardo Lobo Torres. Processo Administrativo Tributário . In: MARTINS, Ives Gandra da Silva (Coord.)

Processo Administrativo Tributário. São Paulo: Revista dos Tribunais: Centro de Extensão Universitária,

1999. p. 72. 397

Diva Malerbi. Processo Administrativo Tributário. In: MARTINS, Ives Gandra da Silva (Coord.) Processo

Administrativo Tributário. São Paulo: Revista dos Tribunais: Centro de Extensão Universitária, 1999.

Poder Executivo,398 no que pode a autoridade julgadora deixar de aplicar norma inconstitucional.

Em direção contrária ao controle de constitucionalidade em nível administrativo, afirma-se que "se a autoridade administrativa entende que determinada lei é inconstitucional, cabe-lhe sobrestar o julgamento e representar ao Chefe do Poder Executivo suscitando a questão que julga pertinente",399 não podendo deixar de aplicar a lei. De outro enfoque, conclama-se que a Constituição não contém norma que conceda competência às autoridades administrativas para decidir sobre constitucionalidade.400

Denota-se, em arremate, que há uma relativa margem em favor da possibilidade de controle de constitucionalidade pela administração judicante, não só de ordem numérica, mas, principalmente, de cunho substancial.

Convém sobrelevar um argumento que não se viu utilizar com ênfase pelos debatedores, embora seja de conhecimento de todos. Trata-se da constitucionalização do Direito Tributário que não traduz fenômeno recente no nosso direito, mas representa uma normatização consolidada e que tem se acentuado cada vez mais,401 e suas conseqüências não são de todo explicitadas, notadamente no questionamento ora exposto.

A Constituição reserva um campo especial para o Sistema Tributário Nacional, no qual não só estabelece os princípios basilares da tributação, mas também faz inscrever diversas normas que, de ordinário, não estão contidas em sistemas tributários de outros países. Ao invés de traçar apenas as linhas mestras, vai mais além para fixar as modalidades de tributos, a repartição da competência tributária, as limitações ao poder de tributar, os impostos em espécie, até aspectos relativos à compensação de tributo, como faz ao cuidar do ICMS, dentre outras funções.

398

SACFF, Fernando Facury. Processo Tributário e Estado Democrático de Direito. In: MARTINS, Ives Gandra da Silva (Coord.) Processo Administrativo Tributário. São Paulo: Revista dos Tribunais: Centro de Extensão Universitária, 1999. p. 549.

398 Diva Malerbi. Processo Administrativo Tributário. In: MARTINS, Ives Gandra da Silva (Coord.) Processo

Administrativo Tributário. São Paulo: Revista dos Tribunais: Centro de Extensão Universitária, 1999.

p. 549. 399

Marco Aurélio Greco. In: MARTINS, Ives Gandra da Silva (Coord.) Processo Administrativo Tributário. São Paulo: Revista dos Tribunais: Centro de Extensão Universitária, 1999. p. 706.

400

MACHADO, Hugo de Brito. Algumas questões do processo administrativo tributário. In: MARTINS, Ives Gandra da Silva (Coord.) Processo Administrativo Tributário. São Paulo: Revista dos Tribunais: Centro de Extensão Universitária, 1999. p. 150.

401

Excluídas aquelas que trataram de norma financeira, as emendas que seguem cuidaram de matéria tributária, modificando ou ampliando o texto já existente. Emendas Constitucionais n.ºs. 03/93, 12/96, 20/98, 21/99, 29/2000, 33/2001, 37/2002, 39/2002, 42/2003.

A Constituição é extremamente analítica nesse setor do direito, o que faz caracterizar a atividade de interpretação e aplicação do Direito Tributário como uma tarefa de manejo freqüente de normas constitucionais, não só porque elas representam o fundamento de validade das demais normas, mas porque o que de essencial em matéria tributária está disciplinado na carta fundamental.

Daí que constitui tarefa penosa decidir controvérsia em matéria tributária sem recurso à Constituição. Negar que essa função seja exercida pelos órgãos de julgamento da administração, em boa parte dos casos, é suprimir um controle efetivo e amputar o princípio da ampla defesa, pois o impugnante pode levantar a questão constitucional, mas o órgão julgador não pode decidir. Que esse ato incorpora substancialmente função jurisdicional dentro da administração402 também parece claro, pela natureza de que se reveste, não sendo a ausência de coisa julgada um empecilho para essa conclusão.

Por fim, ainda conectadas com essa problemática da constitucionalidade e com a redefinição do princípio da legalidade, aparecem as situações de restrições legislativas a direitos dos contribuintes, onde não se deve examinar apenas a admissibilidade constitucional da restrição por reserva legal, mas também a sua compatibilidade com o princípio da proporcionalidade. Essa nova orientação permite converter o princípio da reserva legal no princípio da reserva legal proporcional.403

Compreendendo o princípio da proporcionalidade como uma das idéias fundantes da Constituição, Suzana de Toledo Barros afirma que o princípio da proporcionalidade “complementa o princípio da reserva legal (art. 5º, II), entendido este como submissão de uma determinada matéria - como a dos direitos fundamentais – exclusivamente à lei formal. E, ao

402

Expõe Marcello Caetano que “em muitos países há órgãos da administração que resolvem, com independência, casos concretos mediante julgamento, isto é, aplicando a lei a um caso concreto por solicitação dos interessados e precedendo audiência contraditória. O acto que decide essa pendência de interesse é um acto jurídico unilateral de Direito Público, é praticado por um órgão da administração. Visa a produzir efeitos jurídicos num caso concreto, mas exerce a jurisdição contenciosa, e podemos chamar-lhe para simplificar, acto jurisdicional apenas. Repare-se bem que falo em acto jurisdicional e não em acto judicial. Este corresponde a uma noção orgânica, é todo o acto praticado por tribunais ou pelos seus juízes no exercício da respectiva jurisdição. Ao passo que acto jurisdicional se caracteriza por certos aspectos formais, sem que importe saber quem o pratica. E esses aspectos são: o fato de quem decide ter de ser solicitado por petição do interessado, a existência de conflito de interesses a resolver, a instrução do pedido com audiência de outros interessados, a decisão por aplicação da lei aos factos provados – sem submissão a ordens ou instruções superiores”. CAETANO, Marcello. Princípios Fundamentais do Direito Administrativo. Coimbra: Almedina, 1996. p. 98/99.

403

MENDES, Gilmar Ferreira. A proporcionalidade na Jusrisprudência do Supremo Tribunal Federal. In:

Direitos Fundamentais e Controle de Constitucionalidade . 2.ed. São Paulo: Celso Bastos Editor, 1999.

complementá-lo, a ele se incorpora, de modo a converter-se no princípio da reserva legal proporcional ou, ainda, no devido processo legal substancial”.404

Com efeito, mesmo considerando a delicadeza de que se reveste esse exame no plano da constitucionalidade, o qual requer mais do que uma mera compatibilidade vertical da lei ou ato normativo com a Constituição, é de se assegurar a competência da administração judicante para sua apreciação. É que atualmente o princípio da proporcionalidade está entre aqueles a que a administração obrigatoriamente terá que obedecer,405 além de pautar sua atuação conforme a lei e o direito.406

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