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Isenção de tributos estaduais e municipais pela União

CAPÍTULO III: DIREITOS FUNDAMENTAIS DOS CONTRIBUINTES COMO

3.6. Direitos de igualdade

3.6.4. Isenção de tributos estaduais e municipais pela União

Com base na teoria dos poderes implícitos até a Constituição de 1937, o Supremo Tribunal Federal entendia que era possível a União conceder isenções de tributos estaduais e municipais, desde que se referisse à matéria inserida em sua competência legislativa, a exemplo dos transportes aéreos e da energia elétrica. Já na Constituição de 1946, o texto descrevia que os serviços públicos não estavam sujeitos à isenção tributária, salvo quando estabelecida pelo poder competente ou quando a União a instituísse por lei especial para os próprios serviços, em nome do interesse comum. No que pertine à isenção, o interesse comum foi interpretado de forma ampliada para permitir à União concedê-la em relação a tributos dos Estados e Municípios e também de modo restritivo de que só caberia para os seus respectivos tributos.504

Através da Constituição de 1967/69, porém, atribuiu-se textualmente que a União, por lei complementar e atendendo a interesse social ou econômico nacional, poderia conceder isenções de impostos estaduais e municipais.505 Em via oposta, o texto atual contém comando que veda à União “instituir isenções de tributos da competência dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios”.506 São as denominadas isenções heterônomas, pois, quando cabíveis, são concedidas por órgão diverso daquele detentor da competência para instituição do tributo.

O tema tem voltado a debate diante da evolução mundial na integração regional de países, como é o caso do MERCOSUL, e mesmo antes disso já se questionava a possibilidade de a União conceder isenções de tributos estaduais e municipais mediante tratados internacionais.

504

TORRES, Ricardo Lobo. Tratado de direito constitucional financeiro e tributário. (Os direitos humanos e a tributação: imunidades e isonomia). Rio de Janeiro: Renovar, v. 3, 1999. p. 391.

505

Art. 19, § 2º, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1967/69. 506 Art. 151, III, da Constituição Federal.

A doutrina é controversa. Alguns entendem que a União não pode conceder isenção por tratado, apresentando como objeção o teor literal da vedação do art. 151, III, da Constituição,507 ora em exame.

Outros, por caminho diverso, procuram demonstrar que a proibição atinge apenas a atuação da União enquanto ente de direito público interno, diferenciando a atividade que exerce no plano internacional onde “congrega e representa todos os Estados-Membros perante o ‘direito das gentes’ na qualidade de Estado brasileiro e em nome da República Federativa do Brasil”508 daquela operada no plano interno. O impedimento alcança apenas essa última atuação, em conformidade com a isonomia entre as pessoas políticas que vigora no federalismo brasileiro, pois, na esfera internacional prevalece a representatividade do Estado Federal pela União que está dotada de soberania. Assim, não só no caso de isenção, mas quando “a norma de um tratado afasta, reduz ou condiciona a aplicação de norma tributária estadual ou municipal, vale, pois, o preceito do tratado e não o da lei do Estado ou do Município”.509 Concordamos com as duas últimas linhas de pensamento, uma delas já reconhecemos em decisão judicial.510

507

Dentre vários, é o entendimento de Ives Gandra e José Eduardo Soares de Mello. Respectivamente. MARTINS, Ives Gandra da Silva. Tributação no Mercosul. In: MARTINS, Ives Gandra da Silva (Coord.).

Tributação no Mercosul. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997. p. 32/33. MELLO, José Eduardo Soares

de. Tributação no Mercosul. In: MARTINS, Ives Gandra da Silva (Coord.). Tributação no Mercosul. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997. p. 200.

508

GRUPENMACHER, Betina Treiger. Tratados Internacionais em matéria tributária e ordem interna. São Paulo: Dialética, 1999. p. 123.

509 AMARO, Luciano. Direito Tributário Brasileiro. 9.ed. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 184.

510 Fundamento exposto em sentença proferida no Processo n.º 9794-1/98, da Comarca da Capital - AL. “Pretende a impetrante afastar ato iminente da autoridade que poderá impedir o trânsito das mercadorias adquiridas, Bacalhau Norueguês, ao argumento de que a operação a ser realizada está acobertada pelo instituto da isenção. A tese levantada pela autoridade está amparada no art. 151, III, da Constituição Federal, o qual descreve que: “quando a União, pessoa jurídica interno adere a um tratado internacional, não tem poder para vincular outro ente federativo, mas apenas ela própria”. Pretende demonstrar a inconstitucionalidade do tratado em referência, provocando uma ingerência na competência assegurada aos Estados-Membros. Apesar dos bons argumentos trazidos pela autoridade apontada como coatora, penso que a interpretação sistemática do ordenamento constitucional e infraconstitucional conduzem a uma solução diversa da encontrada pelo impetrado. Com efeito, o impedimento constitucional, aposto no art. 151, III, da Constituição Federal, há de ser entendido para as situações em que a União atua na qualidade de pessoa jurídica de direito interno. Quando incorpora a função de representante da República Federativa do Brasil, na qualidade de pessoa de direito internacional, no exercício da soberania, a restrição não encontra sustentáculo. Quando a União atuar representando a República Federativa do Brasil, aderindo a tratado internacional com concessão de isenção de imposto estadual, afasta-se a invasão de competência por se configurar no conceito da República Federativa que abrange a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios. O entendimento contrário nos levaria à criação de uma espécie de limitação à soberania, não aceito na ordem institucional instaurada. Para respaldar nosso entendimento, a matéria que cuida do benefício fiscal acha-se pacificada na jurisprudência pátria: SÚMULA N.º 20 - STJ , “A mercadoria importada de país signatário do GATT é isenta do ICM, quando contemplado com esse favor o similar nacional”. SÚMULA N.º 71 – STJ, “O bacalhau importado de país signatário do GATT é isento do ICM”. Assim, tenho por configurado o direito líquido e certo da impetrante, dada a extensão do benefício por força de avença internacional, conforme entendimento jurisprudencial já cristalizado. Pelas razões expostas, julgo procedente o pedido para

A limitação constitucional veda ingerência da União, enquanto sujeito de direito público interno, na competência tributária dos Estados e Municípios com fundamento na isonomia entre os entes federativos. Para o contribuinte importa num direito a que a União se abstenha de conceder tratamento diferenciado a contribuintes em relação a tributos estaduais e municipais.

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