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6 APRESENTAÇÃO DE RESULTADOS: A RECONSTRUÇÃO DO CASO

6.5 QUINTO PASSO: COMPARAÇÃO CONTRASTIVA ENTRE A HISTÓRIA DE

6.5.8 O Início da Vida Adulta

Fazendo-se uso de definições sociológicas, diferentemente de outros marcadores como votar aos dezesseis anos, poder firmar contratos de união aos dezoito, as pessoas podem ser

consideradas adultas quando são responsáveis por si mesmas ou escolheram uma carreira, casaram-se ou estabeleceram um relacionamento afetivo significativo ou iniciaram uma família. Alguns cientistas do desenvolvimento sugerem que o início da vida adulta é aquele em que se dá o fim da adolescência e a fase final da segunda década de vida, período durante o qual os jovens podem descobrir quem são e podem ter uma oportunidade de tentar novas e diferentes formas de vida (PAPALIA; FELDMAN, 2013).

Se forem aplicadas as definições sociológicas de ser responsável por si mesma e escolher uma carreira, Noeli já estaria no início de sua vida adulta praticamente desde os dezesseis anos, no entanto, com relação ao estabelecimento de um relacionamento afetivo significativo ou iniciar uma família, ela estaria ingressando nesta fase da vida somente no ano de 1981 que é quando Noeli conhece Sérgio.

Apesar de ela ter feito menção a um relacionamento anterior a Sérgio, mas os dados biográficos subsequentes não deixam claro qual a importância do vínculo que Noeli estabeleceu com Alemão, sabe-se apenas que o namoro se estendeu por alguns anos. Noeli se refere a este namoro uma única vez em sua fala e o faz pontuando exatamente o episódio que gerou o seu término:

[...] daí eu tinha um namorado né [...] aí ele foi viajar e daí quando ele voltou eu perguntei (.) quando é que tu chegou? (.) cheguei ontem (4) ai eu disse tu chegou ontem e tu não foi lá na minha casa? (.) ele disse ah não tava a fim (.) nem me deu bola né (2) daí eu disse assim (.) ah então tá tchau pra ti (3) daí saí e desci (.) foi a última palavra que eu dei com ele depois de dois anos de namoro (2) foi a última palavra//E: Uh- hum//desci e daí quando chegou lá em baixo a porta tava fechada (.) aí ele veio e disse assim péraí péraí tô brincando contigo tô brincando (2) aí ele abriu a porta e eu me fui e @ele foi atrás de mim@ até lá em casa né (.) espera aí que eu quero falar contigo eu tava brincando (1) ãhn ãhn tu chegou ontem e tu não foi procurar a tua mãe sabendo que ela tava lá em casa (.) tava operada (.) o que tu tá pensando? (.) chegou lá no prédio eu peguei entrei chaveei a porta e nunca mais falei com ele (P. 17, L. 38 – P. 18, L.28).

Verifica-se com este trecho um interesse de apresentação de mostrar que ela até poderia gostar dele, mas tinha suficiente autoestima para não se submeter a manter um relacionamento em que o parceiro não estivesse no mesmo nível de comprometimento que ela, pelo simples fato ou necessidade de ter uma companhia.

Já em relação a Sérgio, Noeli destina um espaço significativo em seu discurso para narrar com muitos detalhes desde o primeiro momento em que ela o viu numa casa noturna que ela foi com uma turma de amigos e todos os jogos de aproximação que Sérgio realizou para chamar a

atenção de Noeli. A possibilidade de que Noeli tenha ficado muito impressionada pela abordagem segura e o jeito galanteador de Sérgio fica evidente na medida em que ela reproduz, na íntegra, uma das expressões utilizadas por ele na noite em que se conheceram: “tu é a cara

mais linda que eu já vi até hoje, tu não vai sair daqui sem dançar comigo”.

O relacionamento de Noeli e Sérgio evolui muito rapidamente, praticamente sem cumprir as etapas de namoro e/ou noivado muito usuais ainda na década de 80. Em pouco tempo, eles já iniciaram uma vida em comum, passaram a morar juntos inicialmente em um apartamento alugado e, logo em seguida, compraram um apartamento, tudo isso num intervalo de cerca de um ano.

Uma das razões pelas quais Noeli tenha se envolvido tão rapidamente com Sérgio pode residir no ritmo que Sérgio imprimiu ao incipiente relacionamento deles, como ela mesmo disse:

“depois daquele dia, ele não me deu mais trégua”. Após ter ficado num namoro por um razoável

período de tempo sem que tenha presenciado qualquer manifestação do Alemão em estreitar o vínculo e firmar um compromisso mais sério com ela, é possível que Noeli achasse que o interesse demonstrado por Sérgio fosse um sinal significativo de afeição por ela e, como tal, merecia uma demonstração de aceite e conexão por parte dela. Outra hipótese passível de consideração é a de que Noeli tenha sentido grande empatia por Sérgio, e, por isso, quisesse ter mais aproximação com vistas a estabelecer um relacionamento íntimo com ele. Entre os três componentes do amor: intimidade, paixão e compromisso, a intimidade é o elemento emocional que envolve autorrevelação e leva à ligação, ternura e confiança (PAPALIA; FELDMAN, 2013).

A união de Sérgio e Noeli inicia então em 1981 e não é possível precisar se houve um casamento com cerimônia religiosa, um contrato civil ou se eles passaram a viver sob a forma de concubinato ou coabitação. As uniões consensuais ou informais, quase indistinguíveis do casamento, têm sido tão aceitas quanto o casamento e o concubinato ou coabitação é um estilo de vida cada vez mais comum em que um casal não casado envolvido em um relacionamento sexual, mora junto. Já a instituição do casamento é considerada a melhor forma de garantir a proteção e a criação dos filhos, permitindo a divisão do trabalho e uma partilha de bens materiais (PAPALIA; FELDMAN, 2013, p. 498-499).

A família tem como propriedades distintivas as seguintes características: (a) a familia tem sua origem no casamento; (b) ela inclui o marido, a mulher, os filhos nascidos da sua união, formando um núcleo em torno do qual outros parentes eventualmente podem se agregar; (c) os

membros da família estão unidos entre si por laços jurídicos, direitos e obrigações de natureza econômica, religiosa ou outra, uma rede precisa de direitos e proibições sexuaise um conjunto variável e diversificado de sentimentos como o amor, o afeto, o respeito, o medo, entre outros (LÉVI-STRAUSS, 1983, p. 76)

A família se baseia mais num fundamento social do que natural, pois nem o instinto de procriação, nem o instinto maternal, nem os laços afetivos entre marido e mulher e entre pais e filhos e nem mesmo a combinação entre todos estes fatores poderiam explicar a razão do surgimento de uma família. Lévi-Strauss (1983) acredita que isto seria reduzir, erradamente, a família à sua base natural, pois por mais que estes elementos sejam importantes, eles não poderiam, por si só, dar nascimento a uma família porque:

em todas as sociedades humanas, a criação de uma nova família tem como condição absoluta a existência previa de duas famílias, prontas, a fornecer, uma, um homem, outra, uma mulher, de cujo casamento nascerá uma terceira família e assim indefinidamente. (LÉVI-STRAUSS, 1983, p. 88).

Para ele, equivale a dizer que não poderia existir uma família se antes não houvesse uma sociedade que corresponde a uma pluralidade de famílias as quais reconhecem a existência de laços além dos da consanguinidade, e que o processo natural da filiação não pode continuar sem que esteja integrado no processo social da aliança. E como complemento, Lévi-Strauss (1983) coloca que provavelmente nunca será conhecida a forma pela qual os homens chegaram ao reconhecimento da dependência social da ordem natural.