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6 APRESENTAÇÃO DE RESULTADOS: A RECONSTRUÇÃO DO CASO

6.5 QUINTO PASSO: COMPARAÇÃO CONTRASTIVA ENTRE A HISTÓRIA DE

6.5.13 As Novas Formas Relacionais

Nos anos de 2007 e 2008 nascem os outros dois netos de Noeli, Vivian, filha de Regina e Marcos, filho de Raísa. Não são concedidas maiores informações sobre as gestações de ambas as filhas, mas algumas hipóteses podem estar ligadas a este período. Uma trataria da possibilidade de Regina e Raísa abandonarem os estudos para cuidarem dos filhos e, por isso, acabassem ficando sem qualificação para uma carreira profissional. Outra hipótese diz respeito aos recursos financeiros necessários para a constituição de uma família. Nesse caso, se poderia pensar sobre uma possível pressão para que Noeli fizesse um aporte financeiro a elas ou então que as

convidasse que para que continuassem a morar com ela possibilitando que a entrevistada lhes desse um apoio. A hipótese que se confirmou foi a de que Raísa, Alexandre, seu marido e Marcos ficaram morando com Noeli durante três anos o que se constituiu numa ajuda importante até que eles conseguissem se manter por conta própria.

No mesmo ano do nascimento de seu neto Marcos, em 2008, Noeli conhece Anilson e inicia um relacionamento com ele, o qual se mantem até os dias de hoje. Ela argumenta que teve alguma dificuldade de se ver na condição de uma mulher solteira depois de tanto tempo de casamento e que teve muita inibição para contar para as filhas que estava namorando.

Noeli faz questão de dizer que pretende continuar na condição de ‘namorada’. Apesar das

frequentes propostas de casamento que Anilson lhe faz, ela não aceitou até hoje e alega que não pretende fazê-lo, e ressalta com suas palavras: “a vida que eu levo hoje, eu não troco por nada

desse mundo”. Ela continua a sua narração, demonstrando as mudanças de vida que o

relacionamento com Anilson tem lhe proporcionado:

ai comecei a sair com ele (.) ir almoçar ir jantar coisas que eu nunca tinha feito comecei a fazer (.) fui viajar (.) andei de avião (.) que eu sempre quis andar de avião e @eu nunca tinha andado@ fui pra Montevideo (.) fui pra Punta Del Este fui lá pra Foz do Iguaçu fui pra São Paulo (.) ihh um monte de lugar (.) almoçar jantar dançar (.) coisas que eu nunca tinha feito (P. 35, L. 10- 14).

Apesar de Noeli tornar explicitas as razões para não querer assumir um casamento com Anilson, outros motivos latentes podem ser elencados. Um deles possivelmente diga respeito ao receio de repetir um modelo já vivenciado anteriormente em que ficou no papel da esposa solícita e prestativa sem ter a contrapartida nem em cuidados ou concessões de gentilezas práticas nem em consideração e respeito. Uma das hipóteses é que Noeli tenha associado ao status de casamento os sentimentos de dor e frustração e queira reservar para esta sua etapa de vida uma condição de leveza e tranquilidade.

O dado seguinte diz respeito ao infarto que Sérgio sofreu em 2010. As filhas Dayse, Regina e Raísa, com algumas variações entre elas, ficaram muito abaladas, mas prestaram solidariedade ao pai através de visitas ao hospital em que ele ficou internado. Noeli não visita Sérgio apenas telefona para desejar-lhe uma boa recuperação, numa demonstração de solidariedade.

A entrevistada interessada em apresentar o que poderia ser visto como de grande mudança em suas formas relacionais, introduz uma longa narrativa sobre a maneira como está interagindo

com suas amigas e até mesmo com suas filhas. Ela insere também um grande número de argumentações para explicar que agora está conseguindo dizer para as pessoas exatamente o que tem vontade de fazer, de dar e até de receber, no sentido de delimitar aquilo que Noeli entende

como bom para si e não para os outros. Há a hipótese de que Noeli tenha feito um ‘balanço’ de

sua vida e dele tenha apurado que passou muito tempo atendendo as expectativas dos que a cercam e menos se dando o direito de satisfazer os seus desejos e aspirações. Neste sentido, ela revisou seus conceitos e afirma que ficou “egoísta”.

Ainda em 2010, Cenira morre em decorrência de um câncer de pulmão aos oitenta e sete anos. Noeli tinha grande admiração por sua mãe, principalmente pelo sua grande capacidade de desempenhar múltiplas atividades, fosse a de trabalhar na roça, costurar, fazer vassouras de palha para vender ou dar conta do cuidado de toda casa e dos filhos. É nesta característica de Cenira em que Noeli mais se reconhece, pois o material textual fornece inúmeras passagens em que ela elenca os exemplos da quantidade de atividades que ela, Noeli, realiza e sempre realizou para prover o seu sustento e das filhas, podendo estar implícita aí a sua intenção de ressaltar a

similaridade com a mãe. A hipótese mais consistente é que ao denominar a mãe como “heroína”,

ela não só esteja fazendo uma reverência à Cenira como também a si mesma.

Atualmente Noeli continua trabalhando no Carlos Cabeleireiros, exercendo as funções de cabeleireira e maquiadora. Também segue mantendo e aprimorando sua atividade como revendedora Avon e como consultora da Natura. O relacionamento com Anilson perdura há mais de cinco anos e ela não mudou a sua decisão de morar sozinha e desfrutar dos bons e gratificantes momentos proporcionados pela vivência do namoro com Anilson sem ter os aspectos negativos da rotina imposta pelo casamento.

Pode-se colocar que a esfera do trabalho e a esfera da família são predominantes na construção da identidade social de Noeli. A origem camponesa, a forma com que Noeli viveu a sua infância e boa parte da adolescência e as dificuldades e punições impostas pela figura paterna tiveram grande influência na trajetória que Noeli iniciou após romper com o caminho de vida que estava originalmente traçado caso ela continuasse a viver em Santo Antônio do Palma junto a sua família.

Para Noeli, a família que ela formou constituiu-se numa referência fundamental e manteve o seu papel de proporcionar reconhecimento e sentimento de realização. Ao mesmo tempo em que ela expressa sofrimento pelo isolamento da família nuclear moderna e o peso do

papel de mãe na medida em que ela não contou com parentes e nem com o marido para ajudar, ela apresenta a situação atual das filhas já criadas, sendo mães e tendo suas profissões como uma

grande obra de sua “autoria” a qual lhe confere enorme orgulho.

O trabalho para Noeli representa muito mais do que uma garantia da vida material. Para ela, o trabalho é uma questão de satisfação pessoal, um meio de preservação de auto-estima e se constitui na via através da qual ela conseguiu viabilizar a sua grande mudança de vida ao ir morar na Capital. Ao proporcionar a viabilização monetária, o trabalho oportunizou também a sua inserção num grupo social totalmente desconhecido para ela, pois ao ir sozinha para outra cidade exigiu dela a formação de toda uma rede de relações que passaram a ser as suas novas referências. A sua permanência no mesmo salão há mais de 36 anos, convivendo num ambiente que possui muitas similaridades com a esfera familiar pode denotar que ela precisou reproduzir o modelo de indistinção das esferas público e privada que ela vivenciou até os dezesseis anos.

Em continuidade a esta apresentação de resultados obtidos a partir da abordagem de narrativas biográficas adotada por Gabriele Rosenthal, dá-se sequência com a exposição dos resultados originários da análise de conteúdo.