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6 APRESENTAÇÃO DE RESULTADOS: A RECONSTRUÇÃO DO CASO

6.5 QUINTO PASSO: COMPARAÇÃO CONTRASTIVA ENTRE A HISTÓRIA DE

6.5.12 O Lado Empreendedor: o Trabalho Extra e a Venda de Avon e Natura

Ao analisarem-se vários trechos gerados não só na narrativa principal, como na totalidade da entrevista, é notório que o interesse de apresentação de Noeli parece refletir significativamente uma questão: a condição (ou qualidade) de vida que ela conseguiu alcançar é uma resultante quase que direta de esforços e sacrifícios (físicos e emocionais) que ela julga ter feito desde a sua infância. A centralidade do trabalho na vida de Noeli é muito perceptível em sua fala. Nos momentos em que ela se refere a qualquer uma de suas atividades, ela abre um sorriso e parece ter muita satisfação em enumerar as várias atividades que realiza:

[...] além disso (.) eu faço manta pra vender faço um monte (.) esse inverno eu disse que não ia fazer e acabei fazendo (.) acho que eu vendi umas 15 mantas (.) agora eu não posso mais porque atacou o meu cotovelo né (1) e tamo ai nesta situação toda eu tô conseguindo fazer alguma coisa pela vida né (.) eu tenho clientes que eu atendo fora lá no meu condomínio (.) tem gente que pode e tem gente que não pode uns podem mais outros podem menos então tem clientes que eu corto cabelo por 20 pila (.) tem clientes que eu vou em casa eu cobro 50 (.) se a pessoa pode pagar ela paga mais se ela não pode ela paga menos (P. 6, L. 40 – P. 7, L. 18).

Define-se a centralidade do trabalho como sendo o grau de importância geral que o trabalho possui na vida de um indivíduo em determinado momento, independente das razões que são atribuídas a tal importância. Essas razões podem ser de ordem econômica, pessoal ou psicológica ou podem gerar custos em virtude de sua interrelação com outras áreas da vida como família, vida comunitária, lazer ou religião.

O significado do trabalho na sociedade contemporânea pode ser pensado como fonte de realização pessoal capaz de conferir status e constituir elemento de afirmação econômica; em sua dimensão instrumental, na qual está em primeiro plano a necessidade econômica e a realização tem papel coadjuvante; e como elemento que permanece central na constituição das identidades dos indivíduos (ARAUJO; SCALON, 2005).

Noeli faz uma associação bastante direta entre o trabalho e os resultados práticos que ele pode proporcionar na vida das pessoas em termos de prosperidade. Ela inclusive cria uma relação de causa e efeito em que as pessoas teriam total responsabilidade sobre o seu destino e que a chave para promover uma melhora nas suas condições reside na vontade e na predisposição de trabalhar:

a gente não pode esperar que as coisas caiam do céu tu tem que batalhar tu tem que lutar tu tem que investir (.) que aí aquela coisa vai te dando uma vontade de vencer de fazer alguma coisa né (.) e tu vai fazendo (.) tu vai conseguindo porque tudo que gente quer a gente consegue né (.) a gente não pode ficar esperando que as coisas vão acontecer (.) a gente tem que fazer as coisas acontecerem (.) a gente tem que ir a luta a gente tem que ir buscar porque nada cai assim do céu né (.) nunca ganhei nada de graça e até hoje eu continuo (P. 6, L. 39 – P. 7, L.25).

Em alguns momentos ela faz julgamentos como se quisesse justificar a “superioridade” que sente em relação a colegas que ela define como “queixosos de sua sorte”, mas, que na

avaliação dela, não teriam direito de reclamar porque não “podem colher aquilo que não

(.) eu atendo fora de noite também (.) às vezes tem colegas minhas que dizem (.) ah eu não vou sair daqui do salão depois que eu sair daqui eu não quero mais saber de tesoura e pente na mão (.) capaz que eu vou cortar vamos supor assim (.) ah mas eu não vou cortar cabelo por esse valor pois (.) é mas eu também não peço vale né (.) porque ficar dependendo (.) porque a maioria ali depende do que ganha ali // E: Uh-hum// não são capaz de fazer nada além daquilo ali porque tudo é difícil (.) tudo é cansativo né (.) e eu acho que as coisas não são assim quando a gente quer as coisas (.) claro que é difícil mas se agente não for buscar nunca acontece nada (.) a gente não consegue e eu graças a Deus às vezes eu fico olhando eu tenho pouco mas o que eu tenho é muito (.) custou muito pra conquistar //E: Uh-hum// (P. 6, L. 39 – P. 7, L.25).

Neste trecho começa a ficar evidente que a orientação que ela possui para “o realizar”,

para “o empreender” está por trás de quase todas as suas ações. Em continuidade, quando ela

introduz na narrativa a situação de como se tornou revendedora Avon algumas características tidas como de perfil empreendedor também começam a ficar mais delineadas. A capacidade de reconhecer uma oportunidade, a energia e a necessidade de realizar, bem como a iniciativa, a perseverança e autoconfiança são traços comuns aos empreendedores e, na maioria das vezes, são as características que respondem pelo sucesso de quem empreende (MARKMAN; BARON, 2003).

Contando a situação que a levou a iniciar as atividades de venda da Avon, Noeli tem a intenção de demonstrar que inicialmente foi motivada por ajudar a irmã para que ela conseguisse se desenvolver nas tarefas da venda. Posteriormente é que ela vislumbrou uma oportunidade de aumento de renda sem precisar desfazer-se de sua atividade principal no salão.

Ainda que ela não estivesse procurando algo para complementar os seus rendimentos além dos trabalhos extras que ela já realizava (artesanato e serviços de cabeleireira a domicilio), as características do sistema de vendas diretas possibilita uma flexibilidade de horários e locais para a sua execução foi algo que atraiu Noeli para a continuidade desta atividade.

(.) minha irmã que começou a vender Avon (.) bateram lá na porta lá em casa (.) ela morava comigo e ai ela pegou pra vender (.) só que daí ela não vendeu daí eu disse me dá isso ai que eu vou levar (.) aí eu comecei a vender e ela não vendeu mais ela esperou que eu vendesse pra ela (.) ai só recebia né (.) eu não ganhava nada eu vendia pra ela (.) e daí como eu vi que ela se acomodou eu disse tu não vai vender (.) ah eu não vou vender (.) ah então tá eu vou passar pro meu nome ai eu vou vender (.) isso fazem 30 anos que eu tô vend - que eu vendo Avon né (.) ai comecei a vender Avon e foi indo eu fui fazendo clientela (.) depois a pessoa compra e chega e já pede daí uma vez eu quis parar (.) ai a pessoa já vem (.) ah mas eu preciso disso (.) a coisa foi rendendo foi fluindo foi fluindo (.) eu sempre vendia assim(.) mas eu precisava (.) dá um lucro (.) mas não é aquela coisa assim de=de (.) mas ajuda bastante (P. 4, L. 4- 13).

Uma das hipóteses que podem ser consideradas é que ela efetivamente tenha querido manter as duas atividades simultâneas, pois haveria a chance de ela ter ficado somente com a venda da Avon, trabalhando em casa, até que a filha Dayse que era recém-nascida, crescesse um pouco e ela pudesse voltar a trabalhar normalmente em tempo integral. Outra hipótese é que Noeli enxergasse a atividade do salão como um grande propulsor de suas vendas, pois o contato diário com um grande número de pessoas, aumentava em muito a propagação das ofertas do catálogo, bem como a logística desta venda direta também ficava muito facilitada por ela poder contar com um ponto fixo no qual as pessoas externas ao salão pudessem encontrá-la para fazer as encomendas.

Uma terceira via aponta para uma hipótese de que os bons resultados com a venda dos produtos tirassem o foco de Noeli das suas funções de cabeleireira, manicure e maquiadora, as quais eram o motivo real de seu vínculo com o salão. Além disso, Carlos poderia não autorizar que Noeli efetivasse as vendas no local de trabalho, dificultando com isso a ampliação dos contatos com clientes que ela estava desenvolvendo.

A decisão de Noeli de tornar-se revendedora dos produtos Avon pode ser visualizada também pelo ângulo de que estas atividades lhe asseguram uma renda adicional que lhe deu possibilidades de assumir o papel de provedora. O papel que tradicionalmente seria esperado que fosse desempenhado por Sérgio acabou não se concretizando e coube a ela assumi-lo. Sobre isto Noeli menciona que a preocupação dela era de manter a regularidade da receita para fazer frente as despesas da família porque se ela fosse depender de Sérgio, não teria segurança de que haveriam recursos:

Sérgio era assim se ele tinha dinheiro era só pra hoje né (.) amanha não precisava não só se vivia o dia de hoje (.) amanhã? (.) amanhã se ele tivesse carro ele andava de carro (.) se ele tivesse gasolina ele enchia o tanque de gasolina gastava tudo (.) se ele não tivesse carro e não tivesse gasolina e tivesse dinheiro (.) ele andava de táxi (.) se ele não tivesse dinheiro pro táxi (.) ele andava de lotação (P. 50, L.24-30).

Em 2003, também sem planejamento ou muita preparação prévia, Noeli se viu diante de mais uma oportunidade que a ligaria mais ainda ao sistema de vendas diretas: o convite para integrar a rede de consultoras da Natura. Noeli tem intenção de evidenciar em sua narrativa que não procurou pela atividade o que poderia denotar um interesse de apresentação de como as oportunidades chegam até ela e como ela tem capacidade de aproveitá-las, principalmente

motivada pelo seu lado empreendedor, ou seja, que novamente ela conseguiu vislumbrar um caminho favorável e que poderia lhe render bons resultados.

Ela conta que estava em frente ao salão, quando uma mulher tropeçou, caiu e a bolsa que ela trazia se abriu, esparramando uma grande quantidade de produtos na calçada. Ela foi auxiliá- la a se levantar e ao comentar sobre os produtos, a mulher lhe disse:

ah eu sou consultora Natura tu não quer vender hein (1) ai eu disse ah não=não quero eu já vendo Avon não quero (.) ai ela disse assim ó tu compra o kit (.) vai vir tudo em mercadoria tem tantas parcelas (.) vinte e dois dias pra pagar (.) vem tudo em produto tu tira de novo o valor (.) mas é assim tu vende tu vai ganhar tu vai conseguir tu vai vender não sei o que (.) ai eu pensei se tu quiser tu manda a guria vim aqui hoje (.) ai ela me convenceu (.) me deu tempo (.) ah tá a guria veio eu fechei na hora o coisa com ela e comecei (P. 4, L.15- 31).

É importante que se destaque na análise deste trecho que a preocupação de Noeli com a dificuldade de fazer frente ao investimento necessário para iniciar a atividade juntamente com a

obrigatoriedade de preservação do patrimônio representado pelo ‘nome limpo’, vai ao encontro

também de seu interesse de apresentação de ser uma pessoa capaz de enfrentar desafios e lançar- se em grandes metas e, ao conseguir atingi-las ou superá-las, mostrar aos outros o quanto tem motivos para orgulhar-se de si mesma e de suas conquistas.

Apontada também como uma característica comum aos empreendedores está a capacidade de correr riscos. Ao vislumbrarem uma oportunidade, que via de regra, está ligada ao início de um novo negócio ou nova trajetória, essas pessoas sabem que encontrarão dificuldades exatamente por estarem desbravando o desconhecido, mas mesmo percebendo o risco, a sua vontade de realização é maior e propulsiona a ação de seguir em frente (FILION, 1999).