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7 APRESENTAÇÃO DE RESULTADOS A PARTIR DA ANÁLISE DE

7.3 O RELACIONAMENTO DOS REVENDEDORES INDEPENDENTES COM SEUS

Todas as empresas que fabricam produtos ou prestam serviços para consumidores finais sabem da importância que estes têm para a continuidade de seus negócios. As marcas as quais são revendidas pelos revendedores independentes fazem muitas estratégias e ações de comunicação a fim de aumentarem o seu reconhecimento e os seus índices de preferência junto aos potenciais ou já consumidores, entretanto são os revendedores enquanto canais de distribuição que efetivamente realizam o processo de aproximação e oferecimento dos produtos aos clientes.

Os revendedores exercem grande influência sobre a tomada de decisão dos consumidores, pois ao apresentarem e explicarem as caracteristicas dos produtos através do contato direto, face a face, eles têm a possibilidade de interagirem com os clientes interferindo em seus anseios e

7 A campanha é o período de tempo que as revendedoras limitam as vendas dos produtos e geralmente tem duração de 20 dias. A cada ano são realizadas cerca de dezenove campanhas. Nem todas as campanhas de um país começam e terminam nas mesmas datas para a otimização da logística por parte da empresa.

desejos. Muitas vezes, a influência dos revendedores pode ocorrer até em sentido contrário, fazendo com que o cliente abra mão de um produto em detrimento do outro, ou mesmo não compre. No caso do revendedor vender duas ou mais marcas concorrentes, ele pode induzir o cliente a preferir algum produto de uma marca, ao invés da outra.

Noeli menciona situações em que ela, mesmo podendo ter prejuízo deixando de vender, recomenda que a cliente não compre determinado produto, pois ela acredita que estaria tendo uma má conduta caso não avisasse a cliente sobre a inapropriedade daquela escolha:

ela encomendou um monte de porcaria sabe (.) porque tem aquelas coisas que tu vê (.) tem coisas que tu sabe que é porcaria (.) do Avon tem coisas assim (.) inclusive da Natura tem coisas que eu digo (.) olha não compra isso aqui porque não é bom (.) porque eu sou uma vendedora que eu digo pra cliente quando o produto nao presta (.) às vezes eu deixo de fazer a venda porque eu não quero que tu te prejudique.

Apesar do uso da tecnologia, a venda continua sendo uma atividade altamente centrada em relações humanas (KERIN et al., 2007). O contato pessoal e próximo dos revendedores com seus clientes gera um clima de confiança em que, não raras vezes, os revendedores tornam-se amigos de pessoas com quem eles mantem a relação de vendas há vários anos. A escolha dos produtos no catálogo feita em conversa direta com revendedor suscita uma serie de interações nas quais ficam expressas muitas opiniões e até sentimentos dos clientes. Ao captarem as manifestações dos consumidores, os revendedores armazenam uma quantidade valiosa de dados, os quais são fortemente almejados pelas marcas fabricantes, prova disso que para obterem as mesmas informações sobre os consumidores, elas necessitam investir altas somas em pesquisas e monitoramentos de mercado.

Neste sentido, as OVDs têm investido na criação de canais de comunicação e relacionamento entre os revendedores e seus clientes a fim de dar-lhes ferramentas para que as interações se intensifiquem e, com isso, tanto se proporcione um aumento de vendas quanto seja possível gerar um banco de dados que ficará de posse das OVDs. A Natura lançou em 2013, um

projeto denominado ‘Rede Natura’, o qual interliga virtualmente os consultores Natura, os

consumidores finais e a própria companhia e também o qual a empresa apresenta como um aditivo no reforço do modelo de venda direta. Com este projeto, os consultores podem ter a sua própria página na internet, por meio de um sistema de busca, os consumidores têm possibilidade de encontrar um consultor pelo nome, bairro, cidade ou código postal. A Natura acredita que

desta forma está colaborando para que seu consultor possa “dar atenção à qualidade do relacionamento que constrói e mantém com seus clientes.” (NATURA, 2013, p. 96).

Para que os vendedores possam dar um bom atendimento a seus clientes é necessário que eles estejam capacitados para isso. O que quer dizer que eles precisariam passar por processos de treinamento e qualificação a fim de desenvolver e aprimorar suas habilidades. A venda pessoal não é um ato isolado, tendo como característica o fato de ser um processo que pode ser separado em seis etapas: a prospecção, a pré-abordagem, a abordagem, a apresentação, o fechamento e o acompanhamento. E, como tal, possui um conjunto de técnicas que correspondem a cada uma destas fases e que podem ser aprendidas e desenvolvidas por quem as deve praticar (KERIN et al., 2007).

O apoio dado às equipes de vendas pelas empresas é considerado um dos pontos de interessante reflexão. Ao mesmo tempo que é recomendável que as empresas disponham de mecanismos para promover a qualificação da venda através de treinamento e capacitação, as OVDs não podem obrigar os revendedores a cumprir estes programas. Nas empresas burocráticas, os funcionários possuem um número de horas destinadas à participação de treinamentos e realizam avaliações periódicas sobre o aproveitamento dos conteúdos apresentados. Já nas OVDs não é possível implementar esta dinâmica, tendo em vista a fisionomia da relação entre elas e seus revendedores. O fato de não poderem utilizar nenhuma das práticas que caracterizem o vínculo de emprego, as empresas do SDV se veem impossibilitadas de utilizar este expediente de qualificação da força de vendas e de disseminação da cultura corporativa entre os vendedores.

Noeli não faz nenhuma referência a treinamentos ou programas educacionais recebidos para a sua atividade como revendedora. Ao afirmar que “eu sou uma pessoa assim que eu aprendi a vender”, denota que a sua experiência no dia a dia da venda é que foi moldando e consolidando os seus saberes para a prática das vendas diretas. Para se ter uma força de vendas que entenda perfeitamente do negócio da empresa é necessário o investimento em treinamentos. Estes têm por finalidade fazer com que a equipe conheça a empresa, seus produtos e serviços, as características do seu público-alvo e concorrentes, e também, apresente a forma de abordagem que deve ser adotada junto ao consumidor (BOONE; KURTZ, 2009).

Da mesma forma, em relação à captação de clientes ou da chamada fase de prospeção em que são identificados os potenciais clientes, Noeli comenta: “ai comecei a vender Avon e foi

indo, eu fui fazendo clientela”, ou então “a coisa foi rendendo, foi fluindo, foi fluindo” corroborando a ideia de que realizou esta etapa quase que intuitivamente, não tendo recebido nenhuma orientação especializada para isso. Entretanto, ela menciona que nas reuniões da Natura que são realizadas para entregar os materiais de cada campanha, há um momento de instrução sobre os produtos e abordagens de vendas e também sobre questões de lucratividade:

elas te mostram todas as promoção (.) elas botam como é que diz um=um uma tela com tudo ali (.) o lucro que tu vai ter como é que vai ser (.) então te ensina a vender como é que tu vai lucrar (.) oh esse produto se tu comprar tu vai tirar tanto tu vai pagar tanto (.) tem a pronta entrega quando a cliente pedir tu vai vender ele pelo preço normal (.) esse produto vai ter 150% em cima de lucro sabe (.) então ela te ensina como ela faz uma tabela pra ti ver (.) como é que funciona né (.) porque as vezes antigamente eu não via nada disso sabe eu só sabia vender

Em relação às outras das seis etapas do processo de vendas destacados por Kerin et al. (2007), Noeli também não mencionou ter recebido orientações especificas de como proceder e ela costuma seguir os mesmos principios que ela utiliza para sua conduta de vida em geral. No caso de um problema havido com uma cliente, ela conta como conduziu a situação para evitar novos transtornos:

no mês passado eu me incomodei com uma da Avon que encomendou um Renew (.) ela me ligou e disse ah não é este produto que eu pedi (.) veio gel e não pedi gel (.) eu pedi creme porque eu não pedi esse aqui (.) mas aos gritos no telefone (.) tá tu faz o seguinte (.) tu traz o produto aqui que a gente vê que eu tô com a revista [...] ai passou-semais uns dias e ela veio com o produto (.) fui lá e peguei a revista e disse (.) mas olha aqui o que que tá escrito aqui (.) isso aqui tu olhou na revista tu leu e tu pediu (.) eu quero esse tá aqui ó (.) não mas isto aí é gel (.) mas tá escrito aqui com a letra dela (.) mas o que tá escrito (.) creme gel sim (.) mas eu pedi creme (.) mas ele é creme gel não porque não sei o que (.) tá só um pouquinho (.) me dá o produto aqui (.) fui lá no meu caixa dois (.) peguei o valor todo do produto (.) ó tá aqui o dinheiro do produto (.) daí ela disse assim (.) ah tá eu vou levar esse aqui (.) ai eu disse eu sinto muito mas não tem mais (.) eu já vendi (.) e virei as costas e fui atender minha cliente que eu tava atendendo (.) porque se a cliente começa a fazer complicação (.) eu não digo nada sabe (.) tudo bem.

Como especificado, as OVDs não criam parâmetros para a condução dos processos de vendas, cabendo a cada revendedor autônomo conduzi-los da sua forma. Segundo Noeli, ela agiu com sua cliente das vendas diretas da mesma forma como faria em relação a uma de suas clientes do salão, pois acredita o relacionamento deve ser mantido se for benéfico para as duas partes, caso contrário, deve ser interrompido. Ela complementa:

um dia desses a mesma cliente me ligou pedindo um produto (.) ai eu disse tá (.) só que eu não pedi para Avon (.) ai ela me ligou perguntando se já veio o produto (.) ai eu disse pra ela que estava em falta (.) ai ela me ligou de novo (.) o produto não tava em falta (.) a pessoa liga quatro cinco vezes e continua em falta porque eu não peço mais (.) não bato de frente contigo não te boto a correr (.) até o dia que tu vai ver que eu não vou te vender mais né (1) tu tem que dizer umas quatro cinco vezes com educação (.) não vou vender mais pra ti porque tu é chata.

Contornar um problema havido no processo de vendas requer autocontrole que é uma das características mais difíceis a ser desenvolvida por um profissional que atue nesta área. O autocontrole envolve limitar emoções e exercitar a paciência. A lista de características pessoais para ser um bom vendedor é longa, e ser justo e ético, sem dúvida, faz parte dela (FUTRELL, 2014).

Noeli também tem consciência que pelo fato de exercer suas atividades de vendas diretas no ambiente do salão de cabeleireiros em que trabalha, ela não pode deixar nenhuma situação escapar de seu controle, gerando uma condição de litígio ou mal-estar aparente, até porque como ela mesma diz: “lá no salão o meu trabalho é cabeleireira, o Carlos não vai deixar eu botar os clientes do salão a correr por causa de uma venda da Natura, então, se eu tiver que perder, tenho

que perder a Natura e não o Salão”.

Outro aspecto que deve ser administrado pelo revendedor durante o seu relacionamento com os clientes é a questão dos pagamentos. Ao fazer a encomenda, marcando no catálogo ou folheto de ofertas os produtos que desejam, os clientes não assumem qualquer tipo de compromisso formal com os revendedores, cabendo a estes honrar os compromissos junto às empresas. Portanto, o revendedor precisa ter um controle eficaz em relação aos pedidos dos clientes, sob pena de arcarem com os prejuízos caso estes não honrem a palavra empenhada no momento da encomenda. Noeli exemplifica como trata estas situações relativas ao pagamento e/ou suas cobranças:

eu liguei pra ela que o produto tinha vindo (.) ela mandou a guria vim buscar (.) a guria veio com 70 reais (.) ah eu vou levar 70 reais de produto (.) terça-feira a mãe vem buscar o resto (.) eu disse mas ela encomendou mais (.) sei que ela levou os 70 reais e deixou o resto dos produtos (.) passou-se mais 15 dias e não veio buscar (.) eu tenho uma data pra pagar né (.) claro que eu tenho uma reserva pra quando acontece estas coisas (.) só que eu não deixo acontecer (.) ai passou-se uns 15 dias ela mandou a guria com mais 100 pila pra buscar mais produtos e o que sobrou e deixou um pra trás (.) ai eu disse pra guria mas assim vocês me quebram porque eu não vendo assim eu disse pra ela (.) eu tenho data pra pagar (.) então diz pra tua mãe que quando ela quiser (.) que ela encomende o que ela pode pegar no mês e (.) no outro mês ela encomenda outro que dai (.) não fica ruim nem pra ela e nem pra mim

A partir deste trecho fica visível a preocupação de Noeli em manter um nível de respeito, pois a relação de vendas não pode se constituir num campo de adversários em que os interesses de ambos são contraditórios. Estabelecer regras para uma boa condição de interação entre as partes ou para evitar futuros desentendimentos também é uma forma de zelar pelos clientes. Nesse sentido, Noeli expressa contentamento com o relacionamento quando afirma “as minhas clientes são maravilhosas”, ou ainda quando declara “as clientes não me incomodam, então eu tive tanta sorte até hoje”, conotando sentir-se satisfeita e compensada através das suas atividades de vendas diretas.

As chamadas gratificações intrínsecas ou psicológicas são recompensas não financeiras geradas pelo individuo e podem ocorrer simplesmente por saber que o trabalho foi bem executado. As pessoas gostam de sentir-se bem com seu trabalho e uma carreira em vendas possibilita que o vendedor experimente diariamente essas boas sensações e recompensas intrínsecas (FUTRELL, 2014).