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CAPÍTULO II Os Novos Paradigmas de Reserva Museológica

2.1. O local de armazenamento das colecções: Condições usuais

2.1.2. Inacessibilidade ao espólio em reserva

Por se tratar de um local intencionalmente inacessível, no sentido de cumprir requisitos de conservação, paradigma científico, desconhecido, e por vezes até esquecido dos visitantes, a reserva suscita em certos públicos uma ideia algo romanceada associada a certos ambientes de fantasia que remetem para os contos das Mil e Uma Noites do tipo Ali Babá e os Quarenta Ladrões, pois assemelha-se no seu imaginário a um local que esconde preciosos tesouros331.

Outra versão deste universo quimérico será a de uma analogia com uma arrecadação ou arrumos caseiros, onde se encontram depositados objectos de menor valor, digamos as obras “rejeitadas”. Por contraponto, uma terceira imagem será a de um laboratório, no qual os bens culturais estão acondicionados segundos elevados padrões de conservação, qualidade, segurança, sendo apenas manuseados por profissionais especializados: os conservadores – restauradores332.

Com efeito, a reserva assume-se como um espaço imaginário aos olhos de quem não a conhece, pelo que é lógico inferir a este lugar um elevado valor simbólico333.

Esta visão é talvez mantida e sustentada em certa medida pelo facto do público ter a noção que os museus possuem muitas obras guardadas num recinto do museu ao qual lhes é negado o acesso, e não entendem muito bem o porquê de tal acontecer. Porém, já existem muitas instituições que contrariam esta lógica dando a conhecer as reservas através de diferentes abordagens, sem contudo porem em causa o fundamento da sua existência.

331 As ideias do imaginário colectivo ainda não estão de todo ultrapassadas; exemplo disso são as expressões

empregues por Philippe Richert, no relatório de informação que apresentou ao Senado Francês, em 2003 - Les

réserves des musées: Cavernes d’Ali Baba ou bric-à-brac? (RICHERT, Philippe - Rapport d’information. Paris:

Sénat, Nº 379 (2003). [Consulta: 07.02.2013]. Http://www.senat.fr/rap/r02-379/r02-3791.pdf.).

332 GOMES, Maria Fernando; VIEIRA, Eduarda - As Reservas Visitáveis do Musée des Arts et Métiers em Paris.

ECR - Estudos de Conservação e Restauro. Nº 5 (2014), p. 132. [Consulta: 31.05.2014].

Http://revistas.rcaap.pt/ecr/article/view/3748

333 ALZUA, Véronique de – Outil au servisse du musée ou facteur de risque? La reserve visitáble. Paris:

A panorâmica apresentada ganha novo impulso quando é sabido que na realidade a maioria do espólio das instituições se encontra em reserva e mais do que isso, suscita questões quando especialistas como Tomislav Šola referem que apenas uma percentagem restrita das colecções – 10%, pode estar bem preservada, apesar de 60% do orçamento dos museus estar direccionado para a conservação334. Neste âmbito as pessoas poderão interrogar-se acerca das

reais funções e funcionalidades de uma reserva, e querem saber se as obras que os museus detêm estão bem conservadas. Aponta-se ainda que neste domínio os museus públicos têm uma grande parcela de responsabilidade no total esclarecimento destas “dúvidas” e assegurarem a preservação efectiva do património cultural, porque são geridos com fundos do erário público.

No caso particular do Reino Unido, de acordo com uma reportagem elaborada pelo jornalista Matt Cooke335, para a BBC, em Janeiro de 2011, os museus gastam grandes somas de

dinheiro para manter as suas colecções armazenadas.

Diversas instituições tentaram encontrar soluções em consequência dos cortes orçamentais do Estado Britânico, pelo que não é de estranhar que se coloque a questão: até que ponto se justificam os gastos no armazenamento dos bens culturais que se encontram inacessíveis ao público? O National Maritime Museum gastava à data, £140,00 o equivalente a cerca de 159,447.00€ todos os anos, sendo que 93% dos objectos encontram-se em depósito. A Tate Gallery gastava £465,500 o equivalente a 530.265,55€. Já o Bristih Museum gastava £86,280 que corresponde a 98,250.00 €, para manter 99% das suas colecções em reserva.

Face à actual conjuntura económica europeia e aos continuados cortes orçamentais na área da cultura, estas razões podem impulsionar os museus a expor mais peças das suas colecções que estão por norma armazenadas.

Na entrevista Sally Cross sugere que a inclusão de peças nas exposições permanentes ou a realização de exposições temporárias, constituem formas de retirar os objectos das reservas. No National Maritime Museum, embora existam cerca de 40 mil pinturas e 70 mil desenhos e impressões em reserva, expondo apenas um número limitado de obras, qualquer

334 ŠOLA, Tomislav – Redefining collecting. In KNELL, Simon J. (edit). - Museums and the future of collections.

3ª ed. Aldershot: Ashgate Publishing Limited, 2005, p. 252.

335 COOKE, Matt - London museums urged to show more 'hidden' artefacts. [Consulta: 18.04.2011].

pessoa pode aceder às obras em depósito, bastando para tal realizar uma marcação para o efeito. O museu afirma haver um equilíbrio em preservação vs exposição das colecções.

Num tal contexto o projecto de gestão museológica tem que ser rigoroso e abarcar inevitavelmente a área de reserva. Recorde-se que o «collection storage involves more than a physical facility. It reflects the museum’s roles and programmes in exhibition, education and research»336.

Será importante que cada instituição realize uma reflexão sobre a forma como encara o património que detém em reserva. Adopta concepção dinâmica ou uma concepção estática? A primeira versão induz a um planeamento global, marcado por uma estreita interacção entre a zona de exposição e a de reserva, fruto de uma vitalidade de programação, de uma política que privilegia a rotatividade das colecções. Já na segunda, a reserva demonstra ser encarada como um simples local de armazenamento, um recinto secundário, onde a primazia é dada aos objectos em exposição.

Uma percepção distorcida do conceito de reserva pode ocasionar contudo, que no mesmo recinto além de bens culturais se passem a depositar outro tipo de materiais sem grande uso, e que não têm um destino previsto, isto pelo simples facto de se associar uma reserva a uma arrecadação, que só se vai lá de quando a quando. Por estranho que pareça estas situações acontecem, mesmo quando existem pessoas qualificadas nos quadros das instituições.

A inacessibilidade aos objectos acondicionados em reserva, tal como a questão da sobrelotação supracitada, potencia o desenvolvimento de eventuais problemas / anomalias, respeitantes ao estado de conservação das peças. Nestas condições os bens como que vão ficando esquecidos, descurados e não havendo uma vistoria periódica e sistemática pode incorrer-se em situações deveras preocupantes e gravosas.

As instituições museológicas que se deparam com a inadequação das dimensões das suas superfícies, em particular dos espaços de reserva, devem equacionar a possibilidade de construírem de raiz uma nova edificação, concebida para albergar as colecções em depósito – deslocalização das reservas, assegurando exigências conservativas, de segurança, de facilidade de acesso às colecções, seu manuseamento e a difusão dos bens culturais. Outra solução a equacionar é a mutualização de reservas337.