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Os primeiros espaços de armazenamento de bens patrimoniais – As Bibliotecas

CAPÍTULO I. O Advento da Reserva Museológica

1.2. Os primórdios da reserva

1.2.1. Os primeiros espaços de armazenamento de bens patrimoniais – As Bibliotecas

As bibliotecas66 serão talvez um dos espaços de armazenamento de bens patrimoniais

mais antigos, de que há memória.

O termo biblioteca apareceu na Grécia com o significado de "cofre do livro" e, por extensão, designando o local onde os livros eram conservados, bem assim como as colecções de livros em si mesmas. Além da componente patrimonial - conservação da memória colectiva, através da informação registada em suportes materiais - também, desde as origens, a função "serviço" - uso e pesquisa de informação - surge implícita no conceito de "biblioteca"67.

Com a descoberta da escrita a transmissão do conhecimento passa para além da via verbal, a ser realizada por meio de um suporte; os primeiros registos de escrita – a escrita cuneiforme terão sido efectuados em tábuas de argila. Os suportes foram variando e evoluindo

66 A noção de Biblioteca do grego theche, cofre, e biblion, livro, é um «local público ou particular contendo uma

colecção de livros e material similar organizada a permitir a leitura, conforme certos princípios teorias e técnicas estudadas na biblioteconomia» (CHORÃO, João Bigotte (dir.) - Enciclopédia Verbo Luso-Brasileira de Cultura. Lisboa: Editorial Verbo, 1998, p. 901.). «Na definição tradicional do termo, é um espaço físico em que se guardam livros. De maneira mais abrangente, biblioteca é todo espaço (concreto, virtual ou híbrido) destinado a uma colecção de informações, sejam escritas em folhas de papel (livros, monografias, enciclopédias, dicionários, manuais) ou ainda digitalizadas e armazenadas em outros tipos de materiais, tais como CD, fitas, VHS, DVD e bancos de dados. Revistas e jornais também são coleccionados e armazenados especialmente em uma hemeroteca.» (WIKIPÉDIA Website. Biblioteca. [Consulta: 20.01.2014]. Http://pt.wikipedia.org/wiki/Biblioteca ).

67 RIBEIRO, Fernanda - Biblioteca: novos termos para um velho conceito. Porto: Universidade do Porto.

Faculdade de Letras. Biblioteca Central, 1996, p.29. «Já na Antiguidade temos, portanto, perfeitamente conceptualizada uma realidade, que progressivamente se complexificou, tornando nítidas as suas componentes próprias, que permitem hoje afirmar, sem receio, que o conceito define um sistema de informação específico» (Ibidem).

com o passar do tempo, em parte pela fragilidade dos materiais empregues, transitando dos de origem mineral, como o supracitado ou a pedra, aos de origem vegetal, como o papiro, usado pelos Egípcios, cujos rolos apareciam nas principais bibliotecas como a de Carnaque, Mariett, ou Edfu68, e os de proveniência animal como o pergaminho, acabando por ser criado o livro

mais tarde, à semelhança dos actuais.

A Biblioteca de Nínive, ou também denominada de Biblioteca de Assurbanípal, é considerada a primeira biblioteca da História e crê-se ter sido fundada pelo rei assírio Assurbanipal II (século VII a. C.). Localizada no palácio de Nínive, era composta por uma colecção de cerca de 22 mil placas de argila, com textos em escrita cuneiforme – muitos deles bilingues, em sumério e acádico – contendo informações sobre distintas áreas do saber: transações económicas, contas, textos sobre o mundo natural, geografia, matemática, astrologia e medicina; astronomia; códigos de leis; relatos de aventuras e textos religiosos69. Do vasto

acervo destaca-se a famosa Epopeia de Gilgamesh, ou Épico de Gilgamesh que é um antigo poema épico da Mesopotâmia, assumindo-se como uma das primeiras obras da literatura mundial70.

Diversas civilizações possuíram bibliotecas, desde os babilónios, assírios, egípcios, persas, chineses, gregos71, romanos, entre outras, todavia, a mais célebre da Antiguidade é com

certeza a Biblioteca de Alexandria, no Egipto. A biblioteca terá sido erigida nas imediações do Mouseion72, no século III a.C., na vigência do reinado de Ptolomeu II.

68 CHORÃO, João Bigotte (dir.) - Enciclopédia Verbo Luso-Brasileira de Cultura. Lisboa: Editorial Verbo, 1998,

p. 902.

69 WIKIPÉDIA Website. Biblioteca de Nínive. [Consulta: 24.01.2014].

Http://pt.wikipedia.org/wiki/Biblioteca_de_N%C3%ADnive

70 Encontra-se em exibição no British Museum, em Londres.

71 Os gregos denominavam “bibliotheke” aos compartimentos onde eram conservados os rolos dos manuscritos,

no interior de salas. «A primeira biblioteca pública foi a de Atenas, fundada por Licurgo no ano 330 a. C.» (CHORÃO, João Bigotte (dir.) - Enciclopédia Verbo Luso-Brasileira de Cultura. Lisboa: Editorial Verbo, 1998, p. 902.).

72 O Mouseion que significa Templo das Musas e da Memória terá sido construído durante o reinado de Ptolomeu

I. «Etimologicamente derivado do grego mouseion, o termo museu referia-se ao templo das Musas, e, por extensão, à pequena colina de Atenas consagrada também as Musas» (COELHO, Maria Conceição Pires - Da origem dos Museus, do seu conteúdo, arquitetura e livre acesso. Brotéria: Cultura e Informação. Nº3 Vol 142 (1996), p. 365.). O mouseion passa a ser um espaço físico, palpável, real, pela primeira vez com a criação da Biblioteca de Alexandria, já que até então o mouseion era um espaço mitológico, onde as musas viviam. Desde essa altura a

Aquella gran biblioteca, de la más vasta, célebre y ejemplar, reunió a una comunidad de estudiosos cuyo propósito era la tesaurización de todos los libros del mundo, la posesión material de todo el património escrito universal. Almacenados en palacio, el medio millón de rollos de papiro que llegó a reunir, aportaba al reino de los Ptolomeos la dimensión universal que había alimentado el sueño de Alejandro Magno: la ambición de dominar toda la memoria del mundo, griega y no griega. De ahí, la advocación del centro alejandrino bajo la protección de las Musas, su consideración como un mouseion73.

Consta-se que mais tarde, em conjunto com a do Serapeu contabilizou um total de 700 mil volumes. Outra biblioteca que teve grande relevância foi a de Pérgamo74 assim como a de

Augusto, existindo na época de Constantino 28 bibliotecas em Roma75.

A invasão dos Bárbaros ocasionou uma inércia no movimento de proliferação de bibliotecas, dispersando muitas preciosidades bibliográficas, e, foi graças aos monges (sobretudo beneditinos) que recolheram nos seus conventos muitas obras famosas e se dedicaram a copiá-las, que se teve acesso a uma parte do conhecimento da Antiguidade Clássica. No entanto, a tradição das bibliotecas públicas foi quase suspensa na época Medieval, salientando-se todavia a de Córdoba, em Espanha, a do Monte Atos, na Grécia, entre outras76.

As bibliotecas nos primórdios eram sagradas, e, como tal, dirigidas por sacerdotes e anexas aos templos77. Não eram mais do que vastos quartos ou salas, destinadas ao

armazenamento de placas de barro gravadas ou rolos de papiro. Na perspectiva de Umberto

palavra mouseion é empregue para definir um pequeno santuário junto à biblioteca, adornado com estátuas de Musas, que servia de inspiração aos eruditos. Durante a Idade Média esta denominação foi pouco utilizada, sendo por vezes associada à ideia ou conceito de “studium”, cuja designação se refere a local de estudo, ou ainda estava relacionada com a acumulação de tesouros – as Schatzkammer. O conceito de mouseion ressurge no Renascimento, com Cosimo de Medici.

73 BOLAÑOS ATIENZA, María (edit.) - La Memoria del Mundo. Cien años de Museología 1900 – 2000. Madrid:

Ediciones TREA S.L, 2002, p. 11.

74 A biblioteca de Pérgamo fundada por Atalo, no século III a. C., fazia uso da escrita em pergaminhos. A

designação é derivada do nome da cidade e do suporte novo de origem animal. (GRANDE ENCICLOPÉDIA PORTUGUESA E BRASILEIRA. Biblioteca. Lisboa: Editoria Enciclopédia Lda, 1978, Vol IV., p. 648).

75 ECO, Umberto – A biblioteca. Lisboa: Difel, Difusão Editorial, Lda, 1987, p. 14.

76 GRANDE ENCICLOPÉDIA PORTUGUESA E BRASILEIRA. Biblioteca. Lisboa: Editoria Enciclopédia

Lda., 1978, Vol IV, p. 649.

Eco, a função de uma biblioteca na época de Assurbanípal ou de Polícrates, talvez estivesse associada a uma função de recolha com o propósito de evitar a dispersão dos rolos ou volumes. Mais tarde a função passou a ser a de “entesourar” já que os rolos eram valiosos. Na Idade Média (com os beneditinos), a função era de transcrever, arrogando «a biblioteca quase como uma zona de passagem, o livro chega, é transcrito e o original ou a cópia voltam a partir»78. O

autor acrescenta: «Penso que em determinada época, talvez já entre Augusto e Constantino, a função de uma biblioteca seria também a de fazer com que as pessoas lessem, e portanto, mais ao menos, de respeitar as deliberações da UNESCO»79.

Não obstante, corroborando as palavras de Filomena Baganha «conservar foi, durante séculos, o principal objectivo das bibliotecas»80.