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CAPÍTULO I. O Advento da Reserva Museológica

1.4. O percurso para a criação dos Museus em Portugal

1.4.4. O sistema museológico Português Pós-Revolução de

Até meados dos anos setenta do século XX o Museu manteve-se como uma instituição incontestável. Todavia o aparecimento de novos arquétipos políticos, económicos e sociais, finalizada a II Grande Guerra Mundial tiveram repercussões a diversos níveis, inclusivé no sector institucional afectando o “Museu”.

A Mesa Redonda Promovida pelo ICOM na cidade de Santiago, no Chile, em 1972, subordinada ao tema “O Desenvolvimento e o papel dos Museus no Mundo Contemporâneo”, veio transformar a concepção de Museu, que existia até então; o campo de acção do museu alterou-se: transita-se de “colecções de objectos” a “testemunhos representativos da evolução da natureza e do homem”. Da discussão interdisciplinar da Mesa Redonda de Santiago resultaram uma série de recomendações e princípios, que ficaram conhecidos como “Declaração de Santiago”. O principal enfoque desta mesa redonda é a atribuição de uma função social ao museu, atendendo aos desajustamentos e inadequações das práticas museológicas face à realidade económica, política e social vivenciada. Deste modo na Declaração assumiu-se que:

El museo es una institución al servicio de la sociedad, de la cual es parte inalienable y tiene en su esencia misma los elementos que le permiten participar en la formación de la conciencia de las comunidades a las cuales sirven226.

225 NABAIS, António – Fernando Bragança Gil: Um percurso na APOM [Associação Portuguesa de Museologia].

In SEMEDO, Alice; SILVA, Coelho Ferreira da (Coord.) – Colecções de ciências físicas e tecnológicas em museus

universitários: Homenagem a Fernando Bragança Gil. Porto: Faculdade de Letras da Universidade do Porto,

2005, p. 13.

226 DECLARAÇÃO DA MESA REDONDA DE SANTIAGO DO CHILE - ICOM, 1972. [Consulta: 28.02.2014].

Http://www.ibermuseus.org/wp-content/uploads/2011/04/copy_of_declaracao-da-mesa-redonda-de-santiago-do- chile-1972.pdf

As experiências museais da ecomuseologia iniciadas por Hugues de Varine, e Georges Henri Riviére em França, associadas à Declaração de Santiago conduziram à criação de uma nova concepção da museologia – a Nova Museologia227 em contraponto com a “Velha”

Museologia Tabela 1..

Esta moderna forma de entender a instituição museológica tem por base a agnição da mais-valia do carácter educativo e social que o museu encerra. O Museu não é um organismo descontextualizado com o seu próprio tempo, devendo ser encarado como uma ferramenta de integração socio-cultural, pelo que cabe também aos indivíduos e às comunidades, apossarem- se da sua parcela de responsabilidade na criação da sua própria cultura.

Corolário deste novo conceito, a museologia passa a ser desenvolvida numa esfera regional, até mesmo local, dando azo à criação de museus que evidenciam a identidade de cada região. Dá-se primazia à valorização da memória colectica, à salvaguarda do património, nas suas múltiplas vertentes: a natural, a cultural e socio-económica, com o intuito de coadjuvar o fomento das populações.

Na opinião de David Varela Teixeira «o Ecomuseu situa objectos no seu contexto, preserva conhecimentos técnicos e saberes locais, consciencializa e educa para os valores do património cultural; permite desenvolver programas de participação popular e contribui para o desenvolvimento da própria comunidade»228.

Em termos museais, a emergência dos movimentos da Ecomuseologia229 e da “Nouvelle

Museóllogie”, constituem um segundo lance relevante para Portugal.

227 Apesar da ampla discussão em torno das questões levantadas pelo movimento da Ecomuseologia e preconizado

pela Declaração de Santiago, nas reuniões do Internacional Council of Museology (ICOFOM), de 1980 no México e de 1982, em Paris, não originou numa medida efectiva. Ter-se-ia que aguardar mais dois anos (1984) pela realização de um Workshop organizado por Pierre Mayrand, sobre Ecomuseus e Nova Museologia, que decorreu no Quebec, Canadá, do qual resultou uma declaração, conhecida como Declaração do Quebec. Vd. ALONSO FERNÁNDEZ, LUIS - Introducción a la nueva museología. Madrid: Alianza Editorial, 1999.

228TEIXEIRA, David José Varela – O Ecomuseu de Barroso: A nova museologia ao serviço do desenvolvimento

local. Braga: Instituto de Ciências Sociais, Universidade do Minho, 2005, p. x. Dissertação de Mestrado em

Património e Turismo.

229 O termo “ecomuseu” foi pela primeira vez referenciado em 1971, na 10ª Assembleia Geral do ICOM, para

denominar uma nova corrente de pensamento que ganhava destaque desde finais dos anos sessenta, em França, que tinha como objectivo a apresentação da cultura tradicional sem a sua descontextualização do meio socio- cultural e natural na qual havia sido criada. A difusão e implementação desta corrente deve-se aos museólogos

Tabela Comparativa

Museologia Tradicional Nova Museologia

Objectivos

Preservação e protecção de uma cultura material previamente definida

Promover o desenvolvimento social

Princípios Protecção do artefacto Protecção do território

Estrutura Organizativa

Institucionalizada; financiada a nível central; centralizada num edifício; profissionalizada; hierarquicamente organizada

Pouco institucionalizada; financiada através de recursos locais; descentralizada; participativa; trabalho em equipa baseado em direitos e deveres iguais

Atitude Orientada para os objetos

Orientada para o passado

Orientada para um tema

Orientada para a ligação entre o passado, o presente e o futuro

Tarefas

Colecção, documentação, investigação, conservação e mediação

Colecção, documentação, investigação, conservação e mediação, educação contínua e avaliação

Georges Henri Riviére, Hugues de Varine e Marcel Evrard. O ecomuseu mais preponderante foi o Museu do Homem e da Indústria, vulgarmente denominado por Ecomuseu de Le Creusot – Montenteceau-les-Mines, em França. Vd.

Tabela 1. Tabela Comparativa entre a Museologia Tradicional e a Nova Museologia. (Fonte:

Apontamentos da disciplina de Museologia e Conservação Preventiva, da Licenciatura em Arte, da Escola das Artes, da Universidade Católica Portuguesa, Centro Regional do Porto, no ano lectivo 2005/2006, tendo como docente a Doutora Cristina Pimentel).

A Nova Museologia marcou o final da década de setenta e toda a década de oitenta do século XX230, facto que pode ser justificado em parte, pelos reflexos da política cultural

salazarista, em concreto as diversas experiências operadas ao nível dos museus regionais, que visavam a promoção da unidade nacional por meio da diversidade cultural, tendo por génese a “Exposição do Mundo Português”.

O sistema organizativo social e económico vivenciado pelos ideais do corporativismo francês encontraram terreno fértil em solo nacional, cujos fundamentos e concepções tiveram eco no sector cultural, mantendo-se no período pós-1974. A política descentralizadora dos núcleos museológicos do Estado Novo, que havia promovido a criação de museus regionais, veio servir assim os propósitos desta nova corrente de pensamento, empenhada na dinamização da cultura local e da interligação das comunidades com seu meio, assistindo-se deste modo à dinamização de projectos nesta vertente, entre os quais - o ecomuseu.

Na opinião de Cristina Pimentel:

O conceito de ecomuseu seria de importância crucial para a modernização do sistema museológico do país, de acordo com os princípios socialistas e democráticos de organização política, sem contudo anular os conceitos discursivos prévios sobre os museus portugueses e o que devem ser231.

O primeiro projecto nacional de Ecomuseu resultante da criação do Serviço Nacional de Parque, Reservas e Conservação da Natureza, saiu das mãos do arquitecto paisagista Fernando Pessoa através do Ecomuseu do Parque da Serra da Estrela. Este Parque, no entanto, nunca viria a abrir ao público, o mesmo não se passando com o Ecomuseu Municipal do Seixal, inaugurado em 1982232.

230 Findo este período tornamo-nos mais conservadores. Pode-se dividir o País em termos museológicos; o Norte

é mais conservador, ligado à história, já o Centro e Sul do território Nacional estão mais ligados à história social.

231 PIMENTEL, Cristina – O sistema museológico Português (1833-1991): Em direcção a um novo modelo teórico

para o seu estudo. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenlian, FCT, 2005, p. 213.

232 DIRECÇÃO-GERAL DO PATRIMÓNIO CULTURAL Website – PATRIMÓNIO CULTURAL. Ecomuseu

Municipal do Seixal. [Consulta: 21.08.2015]. Http://www.patrimoniocultural.pt/pt/museus-e-monumentos/rede-

No domínio museal outras iniciativas foram sendo desenvolvidas, adoptando inclusive novas denominações como “museu local”, “vila museu”, ou “museu polinucleado”. As novas práticas museológicas acham-se materializadas em exemplos como o Museu Municipal de Loures, o Museu de Mértola, criado pela Câmara Municipal de Mértola em 2004233.

Ainda nos anos 80 do século XX dá-se a criação o Instituto Português do Património Cultural (IPPC)234. Este instituto tinha diversas competências das quais destacamos:

Planear e promover a pesquisa, cadastro, inventariação, classificação, recuperação, conservação, protecção, e salvaguarda dos bens que, pelo seu valor constituam elementos do património cultural do País; apoiar e fomentar a criação e funcionamento de organismos destinados à defesa e valorização do património cultural235.

Na década de noventa do século XX, concretamente em 1991 é criado por Decreto– Lei236 um novo organismo governamental denominado Instituto Português dos Museus (IPM).

Este instituto integrado no Ministério da Cultura tinha como prioridade a dinamização da rede de museus existente. Segundo Cristina Pimentel237 o IPM destinava-se a delinear uma política

museológica coerente para Portugal, não se limitando a ser uma mera estrutura administrativa que se encarregava do incremento da componente museológica e museográfica do país. Com este organismo os museus nacionais ganharam autonomia, vinculada por enquadramento jurídico. Até esse momento em termos legais os museus nacionais estavam subordinados ao mesmo estatuto organizacional e institucional que regia as demais organizações, serviços e

233 MUSEU DE MÉRTOLA Website. [Consulta: 04.06.2015]. Http://museus.cm-mertola.pt/

234O Instituto Português do Património Cultural (IPPC) foi criado em 1980 pelo Decreto-Lei N.º 59/80 de 3 de

Abril, estando integrado na Secretaria de Estado da Cultura.

235 PORTUGAL. Lei N.º 59/80 de 3 de Abril de 1980. Diário da República. I Série, N.º 79. Art. 9.º, p. 640.

236 O Instituto Português dos Museus (IPM) foi criado pelo Decreto-Lei n.º 278/91, de 9 de Agosto.

237 PIMENTEL, Cristina – O sistema museológico Português (1833-1991): Em direcção a um novo modelo

instituições que constituíam o panorama das políticas em prol da defesa do património português238.

Já no século XIX, no ano 2000, destaca-se a criação da Rede Portuguesa de Museus, gerada no âmbito de uma Estrutura de Projeto pertencente ao IPM239.

O Instituto dos Museus e da Conservação (IMC), fundado em 2007, foi um instituto público dependente do Ministério da Cultura, criado no âmbito do Programa de Reestruturação da Administração Central do Estado e que unia os precedentes Instituto Português de Museus (IPM) e Instituto Português de Conservação e Restauro (IPCR). Porém, foi extinto em 2011, por fusão com o Instituto de Gestão do Património Arquitectónico e Arqueológico (IGSPAR), originando a Direcção-Geral do Património Cultural (DGPC). Este organismo é o actual responsável pela gestão do património cultural em Portugal continental, e em termos de administração é directamente afecto ao Estado.