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CAPÍTULO II Os Novos Paradigmas de Reserva Museológica

2.3. Abertura do espaço de reserva ao público

2.3.2. Reserva como lugar de discurso / comunicação

2.3.2.1. Sistema de mediação

A arte está em constante interacção com a sociedade onde se tecem as relações entre a política, cultura, e o espaço público. Este processo de vinculação das esferas da cultura e do social é também conhecido pela denominação de mediação cultural468.

465 Ibidem, p. 4 e 5.

466 Ibidem, p. 7. 467 Ibidem.

468 CULTUR POUR TOUS Website. Guide: La médiation culturelle en questions. 2014, p. 2. [Consulta:

8.05.2015]. Http://mediationculturelle.culturepourtous.ca/materiel/Guide_mediation-culturelle-en-questions.pdf. Vd JOLI-CŒUR, Sophie - Définition des termes et des concepts - Lexique et bibliographie. 2007. [Consulta:

Jean Davallon considera que a mediação cultural pode ser definida ao nível funcional. Esta visa fazer aceder um público a obras (ou saberes) e a sua acção consiste em construir um interface entre esses dois universos estranhos um ao outro (o do público e do objecto cultural), com o fim preciso de permitir uma apropriação do segundo pelo primeiro. Mas, na prática, ela não deixa de cobrir coisas tão diversas como a actividade profissional dos mediadores (de museu ou de património, por exemplo); uma forma de acção cultural por oposição à animação cultural; a construção de uma relação com a arte; produtos destinados a apresentar ou a explicar a arte ao público, entre outros469.

O processo de mediação nos museus pode assumir múltiplos formatos, e os diferentes dispositivos participam do propósito geral da mediação. Véronique de Alzua enumera alguns exemplos: os dispositivos visuais, constituídos pela museografia, a cenografia (no sentido de veículo indutor de um sentido aos objectos expostos), mapas, esboços, desenhos explicativos, fotografias; os dispositivos escritos, que englobam cartéis, ou etiquetas, textos afixados, guia da visita, o catálogo da exposição; os dispositivos de multimédia, compostos por filmes, bandas sonoras, terminais de computador; e as visitas guiadas, das quais fazem parte os guias, os mediadores do museu, ou oradores470.

As práticas de mediação e de valorização do património cultural também compreendem o acolhimento a grupos escolares, o centro de documentação aberto ao público, ou o espaço de valorização da colecção.

A mediação no âmbito de uma reserva visitável envolve dois propósitos distintos: as colecções, e a reserva.

Mediação sobre as colecções: Uma reserva visitável abre-se sobre a colecção, permitindo a

visualização de um maior número de objectos. Mas, dadas as características de uma reserva, a quantidade de informação não pode, e não deve ser idêntica à encontrada nas salas de exposição O mesmo acontece nos sistemas de armazenamento visível ou nas reservas visíveis. De acordo

8.05.2015]. Http://www.culturepourtous.ca/mediation/lexique_biblio_2007.pdf; e LAFORTUNE, Jean-Marie (dir.) - La médiation culturelle: le sens des mots et l'essence des pratiques. Québec: Presses de l’Université du Québec, 2012.

469 DAVALLON, Jean - La médiation: la communication en procès? MEI - Médiation et information. Nº 19

(2003), p. 38. [Consulta: 8.05.2015]. Http://www.mei-info.com/wp- content/uploads/revue19/ilovepdf.com_split_3.pdf.

com as experiências institucionais desenvolvidas na actualidade as obras são acompanhadas de um mínimo de informação: por norma uma etiqueta que indica o nome do artista, título da obra ou nome do objecto, origem, datação e número de inventário, o que satisfaz a curiosidade da maior parte do público. Porém na reserva visível e no armazenamento visível é usual encontrarmos dipositivos multimédia que fornecem informações detalhadas. Assim os visitantes interessados podem obter mais esclarecimentos sobre os objectos. Numa reserva visitável a mediação deve ser adaptada, indo de encontro a objectivos claros e estipulados, e de certo modo ser sintética, evitando o risco de desinteresse do público e sobrecarregar a visita471.

Mediação sobre a reserva: O museu é muitas vezes definido através das funções que

desempenha: a função de conservação, de investigação e divulgação, podendo portanto ser considerado um mediador entre as colecções e o público. O museu é uma organização de desenvolvimento de competências. Com efeito, as diversas profissões que são estruturantes das funções do museu ilustram a diversidade desse conhecimento: conservação, pesquisa, restauro, difusão, exposição, mediação, etc. O museu é em si uma instituição detentora de conhecimento (savoir faire), e através das reservas visitáveis o museu disponibiliza mais um instrumento de transmissão de conhecimento (faire savoir). A abertura das reservas representa uma oportunidade de comunicação com os visitantes de forma a explicar-lhes o espaço de reserva, a sua razão de ser e das especificidades que congrega, tornando visíveis as funções alusivas à conservação e à difusão das obras. O propósito da mediação sobre a reserva deve, à semelhança da mediação sobre as colecções, ter um objectivo claro e preciso. Ao colocar a mediação na tónica do conhecimento, do saber fazer, o próprio museu posiciona-se como um lugar de trabalho concreto, em constante evolução, o que lhe confere um status social diferente. Assim o museu e a reserva perdem seu caráter elitista para se tornar num local de trabalho como os outros, mais acessível ao grande público.

Dès lors, on peut envisager l’utilisation de la réserve visitable comme dispositif de médiation en soi, véhicule d’un propos sur la conservation préventive des collections. En expliquant les raisons d’être de la réserve, la fragilité du patrimoine et les raisons pour lesquelles il doit être protégé, en induisant que l’exposition est facteur de nombreux risques pour les oeuvres, le public peut devenir un partenaire de la conservation472.

A reserva visitável não se deve contentar em ser um mero espaço de visita, mas face à vertente de exposição que ela possui, mostrar aos visitantes aquilo que ela se propõe fazer ao tornar visível e legível a sua própria organização. Ela vai-se mostrar mostrando. O dispositivo de mediação ao chamar a atenção sobre a forma como mostra, torna-se em um segundo nível, dispositivo de ostenção473.

Do ponto de vista de Célestine Ousset, sem dispositivo de mediação, sem uma sinalética clara e visível, o público não apreende a mensagem vinculada, pelo facto de andar pela reserva, e todos os esforços de apresentação e os custos desta abordagem são em vão474.

A inexistência de mediação é um fenómeno mais recorrente nos sistemas de armazenamento visível e nas reservas visíveis, já que as duas variantes são por norma integradas no modo comunicativo tradicional dos métodos expositivos, a título exemplificativo veja-se a área de reserva da Instituição Schaulager, em Basileia, na Suíça, ou, L’Arsenal – La Reéserve visible du Musée de L’Armée, em Paris475. Todavia, pôde-se constatar in loco que o processo

de mediação na reserva do Musée des Arts et Métiers, em Paris é bem estruturado e conduzido, permitindo que a experiência vivenciada seja positiva e enriquecedora a diversos níveis, assumindo-se como mais uma ferramenta pedagógica de consciencialização do público para a conservação do património cultural.476

Provavelmente pela dificuldade em compreender a verdadeira finalidade de uma reserva visível ou visitável, a ausência de conhecimento ou de motivação por parte dos visitantes leva a que os utilizadores que mais usufruam e tirem partido deste método, sejam os que se inserem na tipologia do público especializado. Contribui para essa incompreensão o facto das reservas visitáveis serem um fenómeno de comunicação recentede finais do século XX, de ser um tipo

473 DAVALLON, Jean - L’ Exposition à l’ouvre: Estratégies de communication symbolique. Paris: Harmattan,

1999, p. 163.

474 OUSSET, Célestine - Conserver ou diffuser: un dilemme pour la réserve visitable. Paris: Université de Paris I

- Panthéon Sorbonne, 2010, Vol. I, p. 99. Master professionnel de conservation preventive des biens culturels, 2009 – 2010.

475 Vd. Iten 2.3.4. Visibilidade das Colecções – Experiências institucionais desenvolvidas, Experiências

institucionais Internacionais.

476 GOMES, Maria Fernando; VIEIRA, Eduarda - As Reservas Visitáveis do Musée des Arts et Métiers em Paris.

ECR - Estudos de Conservação e Restauro. Nº 5 (2014), p. 145. [Consulta: 31.05.2014].

de oferta à partida considerado mais elitista, o que pode ser explicável pela inexistência de um discurso museológico construído, neste domínio. Até certo ponto, o público apenas está familiarizado com o discurso museológico do espaço de exposição. Para países com algum deficit de educação patrimonial torna-se difícil a compreensão para o público indiferenciado esta tipologia de reserva, e o fim a que se destina, atendendo a que o museu ao oferecer mais um produto chamado reserva visitável está a reforçar o objectivo da comunicação, uma vez que já disponibilizava isso no espaço de exposição, e passa a fazê-lo agora no espaço privado de reserva. Muitos poderão questionar a função da reserva pelo antagonismo da vertente de conservação estar aliada à comunicação477.

Atendendo a que a visita às reservas visitáveis pressupõe que esta seja guiada, dá-se destaque de seguida ao papel do guia478, uma vez que lhe cabe a ele o processo de mediação479.

O guia é a ponte entre as colecções e os visitantes480.

O guia poderá ser um conservador, um gestor de colecções, mas, não sendo da área de conservação ou museologia deverá receber formação específica para o efeito. Ele tem a incumbência de estabelecer o horário da visita, o programa, assim como o percurso / circulação. Garante que tudo corra bem e assegura a transmissão de conteúdos. O museu por seu lado, deve-lhe fornecer informações completas e fiáveis, e as ferramentas necessárias para que este desempenhe plenamente e de forma adequada o seu ofício. O guia deve garantir que a sua intervenção deixa um grau de autonomia para cada visitante, pré-requisito indispensável para o desenvolvimento de uma relação privilegiada com o museu e as colecções, e elemento desencadeador de uma futura prática individual481.

477 Ibidem, p. 135-136.

478 Vd. PERIER-D'IETEREN, Catheline - Public et sauvegarde du Patrimoine: Cahier de sensibilisation à

l'intention des guides. Bruxelles: Université Libre de Bruxelles, 1999.

479 Vd. Item 4.3.1.3. Considerações sobre procedimentos a ter na visita à reserva.

480 WRESSNIG, Felicitas – The professional guide: building bridges between conservation and tourism. Museum

International. Paris: UNESCO. Nº 201 (vol. 51, nº1, 1999), p. 40.

481 MUSÉE DU LOUVRE. Le project scientifique et culturel du Louvre-Lens. 2008, p. 61. [Consulta: 6.08.2012].

Http://www.louvrelens.fr/documents/10181/14273/Le+projet+scientifique+et+culturel+du+Louvre- Lens/ba69bbd5-d130-496e-917e-eb8ae5939bc4?version=1.0&type=pdf

Assim deve-se conferir um estatuto activo aos visitantes no processo interpretativo e de aprendizagem de conhecimento. Note-se que os visitantes têm diferentes motivações de contexto de uma visita, seja de índole pessoal, profissional ou sociocultural.

Este é um equilíbrio delicado de alcançar, mas a fórmula combina um tempo de visita em grupo e um tempo de visita individual, dando espaço para o diálogo, sendo esta uma maneira de dar resposta a este desafio482.

Um outro factor importante que o guia deve ter no exercício da sua função é saber adaptar-se ao tipo de visitantes. Veja-se o exemplo do Musée Louvre-Lens, que na sua estratégia de mediação definiu três grandes grupos de visitantes: o noviço, o conhecedor ou amador, e o perito483. Todos eles podem auferir de uma visita às reservas, porém o discurso terá de ser

totalmente diferente, porque representam expectativas e graus de conhecimento distintos.

482 Ibidem, p.61.

483 «Le novice: Il ne connaît rien du sujet, n’a pas de connaissances en histoire de l’art et connaît très peu les

oeuvres. C’est peut-être aussi la première fois qu’il entre au musée. Forcément, il n’est pas à l’aise et a besoin d’être rassuré sur sa légitimité. Son capital culturel est faible et restreint son degré d’autonomie. De plus, il ne sait pas comment « entrer en contact » avec les oeuvres. Le musée doit lui proposer une diversité de points de vue qui peut créer une passerelle entre ses connaissances dans un autre domaine et ce qui lui est proposé. Le plaisir d’être ensemble peut dans certains cas, comme le couple, la famille ou le groupe, servir de levier. Le Louvre-Lens lui fournira les outils de médiation qui l’aident à repérer, à décoder, à lire pour pouvoir construire du sens. Ce n’est qu’à ces conditions qu’il pourra s’approprier les contenus, développer une compétence de visiteur de musée et s’exposer à la rencontre avec l’oeuvre. Au sein de sa cellule de visite, il ne se mettra pas spontanément en position de médiateur, mais il en a peut-être envie et il peut apprendre pour la prochaine fois.

Le connaisseur ou l’amateur: Il aime le(s) musée(s) et connaît globalement le sujet. Sa pratique de ce genre d’institutions fait qu’il s’y sent à l’aise. Il est un visiteur exigeant qui se sent autorisé à avoir un avis sur la qualité de la programmation et les services offerts par le musée. Son capital culturel le rend autonome, mais il sait plus ou moins bien le mettre à contribution. Il attend, espère et peut idéaliser la rencontre avec l’oeuvre. Si elle se produit, il saura la reconnaître et en profiter, ce qui viendra conforter sa compétence de visiteur et le justifier dans sa pratique. Le musée doit aussi le surprendre et l’amener à découvrir autre chose que ce qu’il connaît ou avait imaginé. Le musée doit lui donner toutes les conditions qui permettent la rencontre avec l’oeuvre qu’il attend. Contrairement au novice, il peut venir seul au musée. S’il vient accompagné, il peut se mettre spontanément en position de médiateur.

L’expert: Il connaît très bien le sujet et/ou les oeuvres; c’est un spécialiste. Il vient au musée parce que l’exposition correspond à un événement incontournable ou parce qu’il vient voir ou revoir une « vieille connaissance ». Il ne peut pas laisser ses connaissances et sa compétence à l’entrée du musée. Ainsi, il sera particulièrement attentif aux contenus, vérifiant forcément, et parfois malgré lui, qu’ils ne comportent pas d’erreur et que la médiation ne fait pas de raccourcis préjudiciables au savoir. S’il est venu pour voir ou revoir une oeuvre qu’il connaît bien, il sera sensible à sa présentation. Son capital culturel est important, mais il porte souvent sur un aspect bien précis. Le musée doit le surprendre par une approche différente et par la richesse des points de vue. Il doit l’amener à découvrir autre chose. Il vient souvent seul au musée. S’il vient accompagné, les autres voient en lui un expert qui peut expliquer, ce qui n’en fait pas forcément un médiateur» (MUSÉE DU LOUVRE. Le project scientifique et

Não osbstante, a visita ao espaço de reserva constitui por si só uma oportunidade de sensibilização do público para os problemas básicos da conservação do património.