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CAPÍTULO II Os Novos Paradigmas de Reserva Museológica

2.1. O local de armazenamento das colecções: Condições usuais

2.1.1. Inadequação vs sobrelotação dos espaços

Muitos museus criados no decorrer do século XX, não dispunham de uma reserva, apesar de esta funcionalidade ser uma das consequências do novo programa museológico resultante do advento do “Musée Français”. As transformações ocorridas no sistema museográfico com a reformulação do processo expositivo (diminuição do número de obras em exibição), bem como a ampliação das colecções forçaram diversas instituições a criar uma reserva para aí acondicionarem uma parte do seu espólio. Porém em termos de gestão nem sempre os distintos sectores de um museu trabalharam em parceria. Com efeito, as políticas de aquisição não se coadunaram com as políticas de gestão da reserva, o que originou problemas no espaço de reserva, originando a sobrelotação dos recintos de armazenamento. Martin Jaoul recorda que «it is often said that a museum that has stopped adding to its collection is a dying museum. But one should perhaps add that an acquisitions policy without a reserve collection policy will condemn the museum to death by suffocation»315. Por seu lado, Michael M. Ames

refere que o Museum of Anthropology da University of Bristish Columbia (UBC), em Vancover – Canadá, fundado em 1946, seguia o típico padrão de museu «as its holdings increased through donations and purchases, more and more items were pushed into dead storage», antes da construção do novo edifício em 1976316.

Na grande maioria dos casos existe um motivo central que despoleta o conflito – a questão do espaço. O espaço é sempre um recurso limitado. Por norma dá-se primazia às zonas de exibição e áreas públicas, negligenciando-se por vezes os recintos que não são acessíveis aos visitantes, em concreto zonas como as reservas.

Em virtude da reserva poder não ter sido um espaço contemplado de raiz, foi recorrente a sua implementação em áreas “menos nobres” dos edifícios, sendo usual encontrarmos reservas localizadas em sótãos ou caves, os quais e por conseguinte, acarretam mais riscos para

315 JAOUL, Martine - Why preserve collections? Museum International. Paris: UNESCO. Vol. 47, Nº 188, (1995),

p. 5.

316 AMES, Michael M. – Visible storage and public documentation. Curator: The Museum Journal. San

a conservação das colecções317. Recorde-se o alerta de E. Verner Johnson e Joanne C. Horgan

ao considerem que «probably more harm has been done to museum collections through improper storage than by any other means»318.

Na perspectiva de Simon Lambert e Tania Mottos319 a sobrelotação das reservas

museológicas pode agravar riscos existentes ou gerar novos danos: dada a dificuldade de manipulação adequada, infestações de pragas não detectadas, roubo ou extravio de objectos, ou por uma ineficaz resposta de emergência. Ambos consideram que a superlotação também pode diminuir a capacidade de um museu para usar as colecções para o benefício da sociedade, por meio da aprendizagem, interpretação, exposições e pesquisa.

Todavia, diversas instituições apenas apresentam em exposição uma limitada parcela de todo o espólio de que são detentores. A Tate Gallery, em Londres, apenas tinha quinze por cento da sua colecção em exposição, antes da bifurcação em Tate Britain, no velho edifício em Millbank, na margem norte do Thames, e a Tate Modern, na renovada central elétrica, em Bankside, na margem sul. Tendo angariado fundos para completar a Tate Modern, a direcção anunciou que doravante o público poderia passar a observar sessenta por cento da colecção internacional da Tate, em Bankside320. «Now the increased space will allow important works to be brought out of storage. Artists such as Bacon, Gilbert and George, Gainsborough, Blake and Turner will be given more space» 321

O rácio entre a quantidade de objectos em exposição e em reserva pode variar de acordo com Heather Maximea entre «1:0 (all objects are on exhibit) to 1:10.000 or less (only one in 10.000 items is on exibit)»322. Esta autora justifica reduzido rácio exposição / reserva isto é,

poucos objectos em exposição comparando com os existentes em reserva pelo facto de muitos

317 MAXIMEA, Heather – Planning for collections storage. In LORD, Barry; LORD, Gail Dexter; MARTIN,

Lindsay (edit.) - Manual of Museum Planning: Sustainable Space, Facilities, and Operations. 3ª ed. Maryland: AltaMira Press, 2012, pp. 252-254.

318 JOHNSON, E Verner; HORGAN, Joanne C. – Museum collection storage. Paris: UNESCO, 1979, p. 9. 319 LAMBERT, Simon; MOTTUS, TANIA - Museum storage space estimations: In theory and practice. In ICOM-

CC, 17th Triennial Conference, 2014, Melbourne - Preventive Conservation. [Consulta: 6.10.2014].

Https://www.academia.edu/8051693/2014._Museum_storage_space_estimations_In_theory_and_practice. 320 LORD, Barry – Permenent collection display. In LORD, Barry; LORD, Gail Dexter (dirt.) - The Manuel of

Museum Exhibitions. Walnut Creek: Altamira Press, 2002, p. 262.

321 BBC NEWS Website. Tate Britain unveils new galleries. [Consulta: 11.05.2009].

Http://news.bbc.co.uk/2/hi/entertainment/1626500.stm .

objectos ou espécimes estarem em duplicado, ou não se encontrarem em estado de conservação adequado para serem exibidos. Em oposição, uma elevada densidade de exposição/reserva, com muitas peças em exibição e poucas em reserva, pode reflectir uma colecção de obras de arte de grande qualidade, ou pode indicar que a área da exposição permanente é muito densa, com as peças apresentadas num sistema de armazenamento visível, com paredes ou estantes superlotadas de obras. Através da implementação do método de armazenamento visível ou da versão de reserva visível pode-se aumentar a proporção da colecção visível ao público, maximizando o número de objectos em exibição.

Em termos efectivos uma reserva deverá permitir que as colecções estejam bem organizadas e fisicamente protegidas em locais destinados para o efeito, contemplando facilidades de acesso e movimentação, e possibilidade de expansão323. Mas será que isto de

facto acontece?

Tome-se como exemplo no panorama francês324 - o relatório de informação elaborado

por Philippe Richert, em 2003, em nome da Comissão dos Assuntos Culturais do Senado Francês, visando o estudo da gestão das colecções dos museus franceses. Analisando os resultados, a situação das reservas suscitou preocupação. A inspecção revelou que o estado geral das reservas dos museus em França podia ser considerado em termos globais “insatisfatório”, apresentando graves disparidades entre tipos de museus, meios técnicos, financeiros e humanos. A adjectivação de “insatisfatório” aplicou-se tanto aos locais, como às respectivas modalidades de organização e funcionamento325.

Gaël de Guichen considera que «un nombre considérable de reserves de musées dans le monde sont dans un état lamentable. Seulement le public ne le sait pas et les responsables n’en parlent pas et n’y emmènent jamais les décideurs politiques»326. E nesta linha de pensamento

Gaël de Guichen estima que 60% das reservas dos museus a nível mundial estão muito longe

323 KNELL, Simon - Introduction: The context of collections care. In KNELL, Simon (edit). - Care of collections.

London: Routledge, 1994, p. 8.

324 Vd. MAY, Roland - De la réserve au pôle de conservation: Le cas de la France. ICOM España Digital –

Colecciones en depósito: Experiencias en reservas nacionales e internacionales. N.º 4 [s. d.], pp. 44-49.

325 RICHERT, Philippe - Rapport d’information. Paris: Sénat, Nº 379 (2003). [Consulta: 07.02.2013].

Http://www.senat.fr/rap/r02-379/r02-3791.pdf.

326 HERRERO DELAVENAY, Alicia; RALLO GRUSS, Carmen – Entrevista a Gaël de Guichen. ICOM España

de estarem em correctas condições327. O certo é que, continuam a existir museus cujas reservas

estão inadequadas às funções a que se destinam, como comprovam estudos mais recentes 328.

Segundo os resultados do relatório do Internacional Storage Survey 2011, do ICCROM- UNESCO329, realizado entre os meses de Junho e Setembro do ano 2011, no qual participaram

136 países, num total de 1490 respostas, destaca-se que dois em cada três museus tinham falta de espaço; um em cada dois museus tinha falta de unidades de armazenamento e as unidades existentes estavam sobrelotadas; um em cada três museus era pouco claro a identificar quem detinha a responsabilidade pela reserva, assim como os procedimentos pela gestão da mesma, havia falta de limpeza, e o edifício achava-se em mau estado, a necessitar de obras; um em cada quatro museus a circulação na reserva era difícil ou impossível, os movimentos dos objectos não eram registados, não havia registos de novas incorporações, as unidades de armazenamento não estavam identificadas, não existia um catálogo quer em papel ou computadorizado, havia objectos em contacto directo com o chão. Este relatório vem demonstrar que ainda há muito trabalho a desenvolver em termos de conservação preventiva, em concreto na área de reserva. Recorde-se neste contexto que a primeira Conferência Internacional sobre Reservas Museológicas ocorreu em 1976, em Washington D. C.

Both the Conference and the handbook were intended to alert the museum community to the dangers inherent in inadequate, ill-conceived storage systems. Surprisingly enough, this question remains as timely today as it was nearly twenty years ago, as museums face new challenges330.

327 Ibidem, p. 52.

328 Embora não sendo da área específica de reserva salientamos o estudo de conservação de bens patrimoniais de

âmbito mundial, realizado por Richard Veillon (Vd. VEILLON, Richard – Etat de conservation des biens du

patrimoine mondial: Une analyse statistique (1979-2013). Paris: Centre du Patrimoine Mondial de l’UNESCO,

2014.

329 ICCROM-UNESCO. International Storage Survey 2011: Summary of results. [Consulta: 16.10.2014].

Http://www.iccrom.org/wp-content/uploads/RE-ORG-StorageSurveyResults_English.pdf.