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CAPÍTULO I. O Advento da Reserva Museológica

1.5. O advento das Reservas Nacionais

1.5.1. O arrolamento dos bens das ordens religiosas

Em Portugal, o arrolamento dos bens das ordens religiosas da primeira metade do século XIX, no parecer de Maria Isabel Roque ocorreu em duas fases: a primeira, em 1834, com a extinção das ordens masculinas com implicações imediatas; a segunda, com o encerramento dos conventos femininos após a morte da última freira de cada comunidade, pelo que se tratou de um processo que se prolongou entre a década de 1830 e os primeiros anos do século XX240.

238 Ibidem, p. 213.

239 Vd. GILABERT GONZÁLEZ, Luz María – La gestión de museos: Análisis de las políticas museísticas en la

Península Ibérica. Murcia: Departamento de Historia del Arte da Faculdade de Letras da Universidad de Murcia,

2011. 811 p. Tese de Doutoramento.

240 ROQUE, Maria Isabel - Museologia oitocentista do património religioso em Portugal. Idearte – Revista de

Teorias e Ciências da Arte. Vol. 6 (2010), p. 117. [Consulta: 15.05.2014].

No caso específico dos mosteiros e conventos femininos, o Decreto de 7 de Fevereiro de 1822241

e mais tarde o Decreto de 5 de Agosto de 1833242, vão originar um processo faseado de extinção

das ordens, porém neste último decreto é feita menção à incorporação das propriedades nos bens nacionais, aquando da cessação. O Decreto de 30 de Maio de 1834 que estabeleceu a extinção «em Portugal, Algarve, Ilhas adjacentes, e Dominios Portuguezes todos os Conventos, Mosteiros, Collegios, Hospicios, e quaesquer Casas de Religiosos de todas as Ordens Regulares, seja qual fôr a sua denominação, instituto, ou regra»243 também determinou que os

respectivos bens fossem incorporados na Fazenda Nacional. O Estado viria a publicar instruções para o cumprimento do referido decreto na Chronica Constitucional de Lisboa. Neste domínio é relevante a Portaria de 4 de Junho de 1834244, da qual destaca-se a 6.ª Instrucção que

241 Este Decreto definiu a redução do número de mosteiros e conventos de freiras, decretando a extinção dos

tivessem um número inferior a quinze religiosas.

242 Este Decreto proibiu a entrada de noviças nas ordens religiosas e impôs a extinção dos mosteiros, conventos e

casas seculares que tivessem menos de doze religiosas.

243 PORTUGAL. Decreto de 28 de Maio de 1834. In Collecção de Decretos e Regulamentos Mandados publicar

por Sua Magestade Imperial o Regente do Reino Desde a sua Entrada em Lisboa até á Instalação das Camaras Legislativas: Terceira serie. Lisboa: Imprensa Nacional, 1835, p. 189.

244 «Instrucções para cumprimento do Decreto de 30 de Maio de 1834.

1.ª Tomar posse, sem demora, para a Fazenda Póblica, de todos os bens que por qualquer modo constar serem pertencentes a Conventos, Mosteiros, Collegios, Hospicios, e casas de Religiosos de todas as Ordens regulares, seja qual fôr a sua denominação, pondo em prática todas as medidas de segurança, que se tornarem necessarias para prevenir o extravio dos sobreditos bens.

2.ª Exigir, debaixo de juramento, dos Religiosos, Chefes, Superiores, ou Administradores de cada uma das ditas casas, além dos inventários dos respectivos bens que possa haver, as precisas declarações desses bens, e das dívidas activas ou passivas.

3.ª Proceder, com audiência de um Fiscal por parte da Fazenda (requerendo a nomeação delle nos logares onde o não houver) a formalizar inventarios parciaes de todos os objectos das mesmas casas, classificados pela maneira seguinte:

1.º Vasos sagrados, e paramentos. 2.º Objectos precisos não sagrados.

3.º Objectos de refeitório, cosiuha, enfermaria, e mais mobilia do commum.

4.ª Avaliar todos os predios rústicos e urbanos, e seus rendimentos, bem como os dominios directos de quaesquer prasos; e arrendar, precedendo os annuncios e formalidades do estilo, pelo tempo que decorre até o fim do presente anno, todos aquelles desses predios, que se acharem

vagos.

5.ª Se porém alguns predios ficarem por arrendar, nomear depositários de reconhecida probidade, que se constituirão responsáveis pela arrecadação, e venda dos fructos, e pela conservação dos mesmos predios, vencendo por seu trabalho o que está determinado por lei.

6.ª Quanto aos moveis pertencentes ao commum, vende-los prontamente em hasta pública com excepção dos vasos sagrados, paramentos, livrarias, e objectos preciosos não sagrados; tudo o que deverá ser conservado em seguro deposito até ulterior determinação.

explicita os objetos a guardar: «quanto aos moveis pertencentes ao commum, vende-los prontamente em hasta pública com excepção dos vasos sagrados, paramentos, livrarias, e objectos preciosos não sagrados; tudo o que deverá ser conservado em seguro deposito até ulterior determinação»245. Apenas uns dias mais tarde, a 20 de Junho, surgem novas

«lnstrucções para por ellas se regular a arrecadação dos bens pertencentes ás Casas Religiosas extinctas pelo Decreto de 30 de Maio ultimo»246.

Segundo Paulo Barata, a arrecadação de livrarias, cartórios, pinturas e demais objectos artísticos resultantes do processo de desamortização dos bens da Igreja, deveria ser realizada em articulação com as autoridades locais247.

Em portaria de 30 de Dezembro de 1836 o governo encarrega a Academia de Bellas-Artes de Lisboa de classificar as pinturas e elaborar um catálogo a ser publicado pela imprensa, escolher para a dita academia as que tivessem interesse para estudo e indicar as que deveriam ser enviadas para museus das capitais de distrito, reparar os quadros deteriorados e litografar e gravar uma colecção dos melhores pintores portugueses. Também se ordenava que a Comissão responsável pelo Depósito dos bens móveis enviasse para as Academias de Belas- Artes de Lisboa e Porto uma relação das pinturas ainda não recolhidas que se encontrassem nos distritos do sul e do norte, respectivamente. (…) Ainda em 1836 (portaria de 10 de Maio) o governo manda proceder á elaboração de mapas dos objectos de culto que farão parte da

7.ª Formalisar relações circumstanciadas de todos os individuos, moradores, ou pertencentes ás mesmas casas, com a devida classificação dos que estiverem, ou não comprehendidos nas excepções marcadas no artigo 4.° do predito Decreto. Thesouro Público 4 de Junho de 1834. = José da Silva Carvalho. Iguaes Officios e Instrucções se enviaram aos Prefeitos das Provincias do Minho, Traz-os-Montes, Beira Alta, Beira Baixa, Algarve, e Estremadura, declarando se no Officio dirigido ao Prefeito desta Provincia que os arrendamentos de bens situados em Lisboa e Termo serão feitos no Tribunal do Thesouro» (PORTUGAL. Portaria de 4 de Junho de 1834. In

Collecção de Decretos e Regulamentos Mandados publicar por Sua Magestade Imperial o Regente do Reino Desde a sua Entrada em Lisboa até á Instalação das Camaras Legislativas: Terceira serie. Lisboa: Imprensa

Nacional, 1835, pp. 192-193.).

245 Ibidem, p. 193.

246 PORTUGAL. Portaria de 20 de Junho de 1834. In Collecção de Decretos e Regulamentos Mandados publicar

por Sua Magestade Imperial o Regente do Reino Desde a sua Entrada em Lisboa até á Instalação das Camaras Legislativas: Terceira serie. Lisboa: Imprensa Nacional, 1835, pp. 216-218.

247 BARATA, Paulo J. S. – Os livros e o Liberalismo: Da livraria conventual à biblioteca pública. Lisboa:

Fazenda Nacional e serão distribuídos para o serviço religioso ou entrarão na Casa da Moeda para reverterem a favor do estado248.

Não obstante as medidas tomadas, o processo de nacionalização de bens patrimoniais ainda que de menor escala em comparação com o caso francês, desencadeou em termos organizativos uma gestão complexa que de acordo com António Martins da Silva «o país não estava preparado, estrutural e culturalmente»249.

Na opinião de Lúcia Cardoso Rosas «as medidas eram tardias e nem sempre cumpridas», dando como justificação para o desaparecimento de grande parte dos objectos a mobilidade dos bens e o seu valor de troca, a legislação tardia e os tempos de agitação social e política250.

Com efeito, António Martins da Silva considera ser impossível avaliar a quantidade de objectos extraviados, citando de acordo com o mapa de 1840 a existência de 17.861 objectos que englobavam utensílios de culto e peças de uso diário, das quais: 6.575 deram entrada na Casa sa Moeda, 10.387 foram repartidas pelas igrejas, 735 foram vendidas nos respectivos distritos, e 164 foram dadas como extraviadas251.