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Eu ainda me incomodo com esse modo de chamar de informantes aos colaboradores, justamente porque, na relação estabelecida entre os pesquisadores e os “informantes”, como

contam esses autores, parece haver uma hipótese de que, ao ouvir a história de vida, será

facilmente possível, ao pesquisador, fazer as relações com o tema em estudo. Ou seja, os

pesquisadores farão essas relações, pois a história é extremamente relacionável, já que é contada

sob demanda. Durante nossa conversa, esperei os estagiários fazerem as suas próprias relações, e

isso é também um aspecto colaborativo, também relacionado com a ética, mas, sobretudo,

vinculado ao meu posicionamento teórico e metodológico em relação às narrativas. Embora eu

tenha esse incômodo com o termo “informante”, parece-me muito adequada essa conexão entre

colaboração e ética e, como eu sou parte da experiência, talvez essa conexão tenha se mantido

desde lá, de quando se deu o processo formativo.

relações teóricas para explicar o processo formativo que vivemos juntos? Ou melhor: por que, como doutorando a legitimidade me é dada? Por que não a eles?

– Você é doutorando, então você pode!

– Não é essa a continuação da história que eu queria dar à nossa relação. Eu queria manter o aspecto colaborativo e o tom respeitoso que construímos antes. Eu não queria impor, agora, um pressuposto de que eu ouviria algo que eles me informariam. O fato de ter feito parte do processo formativo coloca uma outra dimensão relacional. Por isso agendei as conversas em dupla, pois eu não queria me informar sobre a história, mas contar junto, negociar a história em trio.

– Ah, mas que ingenuidade a sua em achar que sua voz soa em pé de igualdade com a dos estagiários!

– Não, não... parece-me que a relação entre o pesquisador e os colaboradores sempre será assimétrica, tanto aqui como em outros tipos de relação dessa natureza. Porém, as assimetrias também mudam, e procurei estar aberto a essas mudanças, inclusive procurei estar aberto a, de repente, perscrutar em trio o processo que vivenciamos. Claro que quem tem o tempo disponível e vem construindo as ferramentas teóricas e metodológicas para levar a cabo esta tese sou eu. Mas a produção da história durante a conversa foi, assim, uma investigação nossa.

De fato, eu não posso contar sozinho,

MAS CONTO.

De qualquer maneira, o que quer que se faça, conte-a quem quiser contar, fale quem quiser falar, dê voz a quem assim desejar, enquanto for eu a escrever estas linhas, esta sempre será a minha história, a minha versão, a minha reorientação, segundo meus critérios. Não é que eu conte sozinho, como quem bate

cara no pique-esconde, virando de costas para todos e dizendo em voz alta: um,

dois, três, quatro ... lá vou! Mesmo no esconde-esconde, a contagem sempre depende daqueles que a ouvem. Mas, além disso, de eu contar também para os estagiários, tenho procurado ouvi-los, ouvir o que escrevemos nos cadernos, no

TFC, nas conversas – enfim, eu não conseguiria contar o que conto não fosse essa escuta sensível94. Porém, é como diz o professor Guilherme Prado, eu tenho o

privilégio de ter, na minha voz, a voz dos estagiários95.

Eu sou o autor.

Tanto é que posso escolher, por exemplo, interromper repentinamente o texto com uma carta. É, uma carta para você:

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94

Contando a história do que vivemos, desenvolvendo essa pesquisa narrativa,

we become part of participants’ lives and they part of ours. Therefore, our lives, and who we are and are becoming on our and participants’ landscapes, are also under study. We are not objective inquirers . We are relational inquirers, attentive to the intersubjective, relational, embedded spaces in which lives are lived out. We do not stand metaphorically outside the inquiry but are part of the phenomenon under study. (CLANDININ, 2013, p.24)

CARTA

Londrina, PR, 07 de julho de 2014 A/C Marcos Antonio Gonçalves Júnior

Querido Marquinhos,

Como anda a sua espera, meu jovem?

Que bom imaginar que você, em vão, andou me procurando, telefonando, mandando

email e até enviando uma carta. Provavelmente, eu me mudei. Pode ser também que

estivesse curtindo minha aposentadoria, viajando por aí, reencontrando familiares e amigos. Porém, se me conheço bem, na certa eu devia estar na escola, atuando em sala de aula. Você sabe, né, “se a gente para de vez, envelhece 30 anos em uma semana”96... seria como assim dizer: “Não vamos fazer nada. É o mais prudente”97.

Mesmo com esses desencontros, eu gostaria de dizer uma primeira coisa após todos esses anos, que é: Não. É isso mesmo, Não, eu não li sua dissertação! Quer dizer, li, mas não li. Lembro-me de você e até das aulas que você acompanhou e daqueles “meninos espertos”, “uma das turmas mais difíceis da escola”98, para quem lecionamos e esperamos, lembra? Lembro-me de receber uma cópia de sua dissertação, como presente, mas... bom... talvez ela ainda esteja por aqui em algum lugar juntando poeira. Afinal, “não

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96

Fala da Professora oriunda do áudio, de 2002, da entrevista que fiz com ela durante o mestrado.

97

Essa é da personagem Estragon (Gogo), do Esperando Godot, de Beckett (2006, p.36). Nessa

obra de dramaturgia, Estragon (Gogo) e Vladimir (Didi), dois vagabundos, maltrapilhos,

esperam, dia após dia, a chegada de Godot, com quem supostamente haviam marcado um

encontro. Para mim, uma boa metáfora do que fazíamos, a Professora e eu, ao procurar

compreender a sua prática.

dá pra ficar andando com essas coisas por aí”99, elas são pesadas, grandes, “o lugar delas

é nas bibliotecas”.100

Não é que esses catataus empoeirados não devam ser interessantes. Na certa são, afinal vocês se dão tanto trabalho para produzi-los... Mas é que, para mim, olhe, entenda- me, eu tenho mais o que fazer, tenho coisa mais urgente para resolver, sabe, não dá pra acompanhar esses produtos acadêmicos cuja “tendência é seguir uma linearidade que

aponta sempre para um tempo cronológico”, pois “a gente já sabe onde vai chegar, a gente tá cansado de ver onde vai dar isso. E isso, bom, isso eu já conheço”101. Claro que se “pode !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!

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Fala do Prof. Vicente Garnica. Os trechos em itálico e entre aspas dentro dessa carta são

recortes das falas dos professores avaliadores, proferidas durante a banca de qualificação da

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