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Emergir também, talvez, as mesmas relações anteriores – estagiário e professor, estagiários e supervisor, estagiários e orientador, supervisor e orientador85 –, as quais, porventura, influenciaram as escritas dos diários.

Entretanto, as coisas mudaram, transformaram-se.

Com Bruna e Eva foi quase como o reencontro de velhos amigos tentando lembrar o passado, perscrutá-lo, jogando pedras no poço fundo, à espera de ouvir o estalo de um impacto, nem sempre audível. Cada um seguiu um destino diferente, fez coisas que os fazem muito diferentes agora, a não ser pela história conjunta que construíram no passado. Daniel tornou-se também pesquisador, pelo menos aspirante, da área de matemática aplicada e não mais o vi como meu aluno, ele que fez Estágio I comigo, foi bolsista de projetos os quais coordenei, enfim. Marciene manteve a firmeza de sempre, com sua preocupação com a educação de seu filho. Era a mais estabelecida dos seis, no sentido de já ter emprego, filho, casamento e ter um pouco mais de idade do que os outros, embora pouco mais, e manteve o peso dessa sabedoria em sua fala. Relatou-me a experiência frustrante que teve como professora e me mostrou como existe vida fora da academia, fora da sala de aula, como existem outras profissões também interessantes. E revelou que, embora a licenciatura tivesse sido proveitosa, ela preferia seguir na área administrativa da empresa em que sempre trabalhou. Com Thieza e Siely foi quase como conversar com colegas de profissão, aliás, foi isso. É que elas têm faces muito joviais e custei a acreditar que estão em sala de aula sem a minha presença. Elas foram as últimas estagiárias com quem trabalhei, as do ano de 2010, e eu ainda tinha aquela sensação de ter soltado os filhos no mundo cedo demais. Mas é puro paternalismo meu, pois me contaram coisas muito interessantes que fazem em sala de aula e me senti extremamente dispensável, muito mais do que na narrativa “Dispensável”. Dos seis, durante as conversas, somente elas me chamavam de Professor, o que talvez tenha me dado essa impressão paternalista. Daniel não !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!

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– O quê!? Supervisor e orientador? Havia uma relação entre eles? Vocês conversavam?

– Não é difícil imaginar que conversávamos de algum modo... há sempre uma saída

literária para isso. Mas o fato é que, por vezes, o orientador sugeria ações que afligiam o

supervisor. E este, por sua vez, também por vezes, fazia coisas não tão exemplares aos olhos do

orientador. Eles tinham muito o que conversar.

mais me chamou assim, como costumava fazer até mesmo em chats de redes sociais, mas usou Marcos, você e, raramente, Professor. Marciene sempre me chamou Marcos e, ainda, às vezes, como antes, chamou-me Professor Marcos. Com Bruna e Eva, o Marcos apareceu sempre, algumas vezes o Marquinhos, embora, sinceramente, eu não me lembre de como elas me nomeavam na época do estágio. Bobagens à parte, no CEPAE a maioria dos colegas e alunos me chama Marquinhos ou Professor Marquinhos. O Marcos é muito raro, talvez porque haja outro Marcos, professor também de matemática e também do CEPAE. Mas são essas pequenas bobagens que marcam uma conversa, um modo de se relacionar ou de pensar em como se relacionar ou, mais interessante ainda, um modo de lidar com a participação no grupo em que estamos e, assim, lidar com as relações de aprendizagens que posso ou não manter com aquelas pessoas86. Afinal, o modo de

chamar tem relação com uma identidade social. E era estagiando – fazendo, praticando – na sala do Marquinhos, do Professor, do Marcos, cuja ocupação era professor de matemática (e ainda é), num papel, naquele momento, de mais experiente, recebendo os novatos professores, ou futuros, no mundo da escola87.

Assim como eu, hoje, procuro modos para me referir a eles neste texto (o primeiro nome de cada um, os estagiários, os alunos da graduação, os licenciandos, os

futuros professores, eles etc.). Até quando vou me referir a eles como se ainda

fossem estudantes da universidade? É, não me parece que são só bobagens...

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!

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Ah, mas sem dúvida é Lave (1996) que ajuda a pensar nessas belas bobagens!

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É interessante notar como essa discussão também pode ser feita em relação a “Uma

introdução”, pois, nessa história, a identidade social está em conflito: afinal, que tipo de práticas

Thieza, Siely e eu atribuímos a uma aula com resolução de problemas? Que tipo de professores?

Mas, nos dois casos, podemos pensar em aprendizagens situadas e até procurar similaridades.

Lave, ao comparar a prática dos alfaiates da Libéria com a vida escolar de uma mesquita, afirma

que uma efetiva prática de aprendizagem se caracteriza por uma quebra de distinções entre o

aprender e o fazer, entre a identidade social e o conhecimento, entre educação e ocupação, entre

forma e conteúdo e, ao mesmo tempo, as intrínsecas “relações entre práticas, espaço, tempo,

corpos, relações sociais, trajetórias de vida – facetas onipresentes na continuidade das

comunidades de prática – são o conteúdo e o princípio da eficiência da aprendizagem” [at the

same time they suggest that intricately patterned relations between practices, space, time, bodies,

social relationships, life courses – ubiquitous facets of ongoing communities of practice – are

both the content and principle of effectiveness of learning] (LAVE, 1996, p.153).

As relações mudam. Eles não estavam ali, naquela conversa, para serem avaliados no fim do ano. Eles não iriam assistir às minhas aulas ou eu à deles dali a alguns instantes. Eles não tinham a obrigação de estar ali. Mesmo assim, aceitaram meu convite e colaboraram muito para que a conversa acontecesse. Talvez até mais que isso. Eles perscrutaram junto comigo esse nosso passado comum. Ao contá-lo, reorientando as histórias, procuraram compreender o que vivemos, contrastando ou não com o hoje, percebendo se a continuação se encaixava ou não, ou procurando desencadear de um modo a dar sentido aos episódios que se sucederam, identificando na história aquilo com que eles se identificam hoje. Nesse sentido, perscrutamos em conjunto nosso passado.

Eu fico me perguntando até onde eu posso ou não afirmar isso. Qual o limite? Eles pesquisaram comigo? Eles não escrevem este texto, e isso é compreensível, uma tese é algo de um autor só. Então, eu me lembro como Goodson e Sikes88, ao discutirem questões éticas em relação à pesquisa sobre

histórias de vida, atestam, muito sem rodeios, a participação colaborativa dos informantes. E talvez tenham razão, pois chamam de “participação colaborativa” e não de “pesquisa colaborativa”. É importante ressaltar que a pesquisa que faço nesta tese não é uma pesquisa colaborativa89. Mas há nela uma dimensão

colaborativa, nesse sentido colocado por Goodson e Sikes.

É incrível como, nessa história, tudo se inverte. Antes, eu observava a prática da Professora. Depois, os estagiários observaram a minha prática como Professor. Logo depois, eu passei a observar as aulas dos estagiários.

Antes, a Professora cooperava comigo em minha pesquisa de mestrado. Depois, eu cooperava com os estagiários integrando uma prática colaborativa de

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Goodson, Sikes (2001, p.90): “Depending on the specific study, the exact amount of

involvement will vary, but even in those cases where there is only one, relatively brief, interview

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