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Imagines

se chega ao primeiro. Mas há as classes em que o professor se torna inviolável em relação a esses dois grupos: aquelas nas quais há um sabe-tudo, um responde tudo. Aí o professor jamais se sente do último grupo e não advoga para si os emblemas do primeiro, porém, nunca se atreve a fazer perguntas quando o sabe- tudo está ausente. Há, claro, também os que, por entrarem no último, procuram inventar novos grupos, por vezes muito interessantes. Mas é preciso problematizar e elaborar essas entradas e saídas para lidar com a cômoda tentação de gerar um ciclo de silêncios.

Quais são as angústias de ser professor? E as alegrias? Será possível conseguir a participação de todos os alunos? Poderia ser ruim, se alguns alunos da sala de aula fossem chamados para participar? Aqueles que nunca participam?

(Daniel, Aula 18, 05maio2009, p.59) Não é somente a aula, né, Daniel? O que incomoda é a atitude do estagiário, do professor, enfim, do “homem em face de sua situação no mundo”, é “o sentimento puro da possibilidade”263. E viver num mundo de possibilidade não

significa que basta escolher alguma ou que quaisquer estratégias possam ser escolhidas para uma aula. Mas, sim, que depois de pensadas, escolhidas, justificadas, planejadas “só por piedosa ilusão elas se lhe apresentam como possibilidades agradáveis, felizes ou vitoriosas”. Mesmo se preparando, escrevendo as aulas, estudando-as, debruçando-se sobre o futuro delas, as possibilidades não oferecem “garantia alguma e ocultam sempre a alternativa imanente do insucesso, do fracasso ...”264. Afinal, “é possível fazer com que os alunos consigam aprender?”

(Daniel, Aula 19, 11 maio 2009, p.61).

Você pensa uma coisa, planeja. Mas você está interagindo com os alunos e a interação não acontece do jeito que você imaginava. E a gente também, não é, por inexperiência... [...] E eu nunca tinha dado aula, então, aquilo era uma frustração incrível. Você tinha um projeto, um plano na sua cabeça, que não dava

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263 Uma das definições de angústia, segundo o Dicionário de Filosofia (ABBAGNANO, 2007, p.63). 264 Também de Abbagnano (2007, p.61).

só sua. Tem todo um histórico que vai contribuir para que os alunos chegassem daquela forma e a gente, por ser inexperiente, tentava fazer as coisas de um jeito que às vezes não dava certo.

(Eva, Áudio da Conversa, 2013, 33min) A partir daí, só a fé ou o suicídio265, pois não há garantia alguma!

Mas, como o caso não era para tanto a ponto de desfazer-se de vidas, vocês escreviam. Talvez até com fé nesses escritos, mas não fé cega, pois escreviam e liam266.

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265

Isso também é sugestão do verbete “angústia”, ou seja, a angústia leva à fé ou ao suicídio.

266

Faca amolada!

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IMAGINE

Imagine, então, como esse processo formativo vivido o fez pensar em boas ideias para uma pesquisa de doutorado. Isso o leva a escrever um projeto de pesquisa planejando a realização de uma investigação bastante similar ao que você vem fazendo. Porém, sua ideia é realizar um ano de coleta de dados, ao receber outra dupla de estagiários no CEPAE. Seria assim uma pesquisa-ação, na qual você e uma futura dupla de estagiários se envolveriam num processo de formação de professores, sendo você o professor da turma como supervisor de estágio, sendo também o orientador e, por fim, o pesquisador.

Sua ideia é que toda a pesquisa, como pesquisa-ação, tenha os olhos voltados para a sua prática conjunta com os estagiários. Essa é uma decisão importante para você como pesquisador, pois você procurava uma prática de pesquisa que fizesse algum sentido para os próprios envolvidos, na qual estivesse presente uma dimensão ativa e reativa em relação à própria prática investigada. Você vem construindo esse posicionamento com o passar de sua experiência com a pesquisa, e isso realmente lhe parece importante, pois, antes de pesquisar, você passou a se perguntar: Pesquisar?

Em seu projeto, então, você planeja coletar dados267 de diversas maneiras:

fazer um diário de campo de pesquisador, além do diário de aulas conjunto com a dupla, videogravar algumas aulas, entrevistar os estagiários, coletar os materiais que vão usando, coletar também informações sobre os alunos, entre outros. Com esse prospecto, você inicia o processo de escolher uma instituição, pensar em possíveis orientadores, cidades, distâncias, bolsas de estudo e pensar em tudo o que isso acarretaria na sua vida profissional e, principalmente, familiar. Não esqueça que você e sua esposa têm dois filhos para criar!

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267

Coletar dados!? Bom, isso ficou assim por um bom tempo, até o início do processo de

orientação com a Profa. Dione, que sugeriu pensar a respeito, como já contei na nota de rodapé

45. Parece que, durante o estágio, produzimos muitos dados sobre as nossas aulas. E, agora, vejo-

me fazendo o mesmo, ao olhar para esse nosso processo formativo. Disse isso em uma de nossas

primeiras orientações... Aff... como demorei para ouvir!

UNICAMP, em 2011, e tem o privilégio de ter a Profa. Dra. Dione Lucchesi de Carvalho como sua orientadora e os integrantes do Grupo de Pesquisa PRAPEM268

como interlocutores na realização de sua pesquisa. Contudo, são eles mesmos que o fazem olhar com mais cuidado para o seu passado recente e imaginar o inimaginável. Passado algum tempo desde os eventos que você havia vivido como professor e supervisor no CEPAE, aos olhos de outrem, os caderninhos revelam-se como um rico material no qual há personagens, no interior de um texto repleto de vozes269, vivendo um processo de formação de professores de matemática cuja

história você pode contar no encalço270 dos próprios caderninhos. Com isso, você

se dá conta de que não se trata de planejar uma nova coleta de dados, mas de olhar para aquilo que você já viveu e produzir os seus dados.

Parece que, outra vez, a lua ficou cris! Pois o que fazer agora... antes você ainda faria uma pesquisa, mas agora parece que ela já aconteceu...

Você se pergunta: Qual o sentido de olhar para isso? E aquela ideia de pesquisa-ação, como fica agora? Pesquisar?

Imagine, então, que toda vez que a conversa é sobre pesquisa em formação de professores, você se lembra de um episódio vivido e já começa a contar. Era uma vez dois estagiários e um professor de matemática ... Imagina que, quando alguém lhe pergunta qual vai ser a sua pesquisa, você diz: eu tenho uma história !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!

268 Grupo de Pesquisa Prática Pedagógica em Matemática. 269 Amorim (2002)

270

Esse encalço tem a cara de Ginzbug (1999): um dos autores que andamos estudando no

PRAPEM, por volta de agosto de 2011, especialmente o capítulo intitulado “Sinais: raízes de um

paradigma indiciário”, em que ele usa uma metáfora: “O caçador teria sido o primeiro a ‘narrar

uma história’ porque era o único capaz de ler, nas pistas mudas (se não imperceptíveis) deixadas

pela presa, uma série coerente de eventos.” (GINZBUG, 1999, p.152). Eu me perguntava: que

série coerente de eventos é essa para qual eu olho? Eu olho para pistas e indícios como quem olha

um evento do qual não participou ou eu olho o meu próprio umbigo? Pois que, na segunda opção,

a dificuldade não reside em estar de fora, em não ter experimentado o evento, como o caçador

que não viu a presa, mas sente o seu odor no rastro. A dificuldade reside em olhar para o próprio

umbigo de tal forma impregnado pelo próprio cheiro, incapaz de ver o fundo contrastando o meu

corpo, sem ver o meu todo. E aí a gente chega em Bakhtin (2011), como de fato chegamos

também a estudar no PRAPEM.

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pra te contar, quer ouvir? Você até passou a dizer: deixe-me contar... deixe me contar... deixe-me contar-me ... e tal.

Mas como é que essa história pode vir a ser uma tese? Você viveu uma experiência com os estagiários. Ok. Você não tem dúvida de que foi um processo em que todos aprenderam muito. Ok. Entretanto, quem são esses estagiários hoje? O que aconteceu com eles depois? O que o estágio significou para eles? O que significou pra você? Como se identificam com essa história hoje?

Você estava realmente em busca de compreender o que estava acontecendo com você enquanto professor, formador de professores e pesquisador. Você precisava contar a sua história, pois contá-la seria uma modo de reconhecer-se, de te aproximar do coração de sua própria experiência.

“E por que o ato de contar me aproximaria do coração de minha experiência?”, você se pergunta. Talvez seja porque sua própria existência não possa ser separada do modo como você conta sobre ela, de como você a relata. É contando sua própria história que você se dá uma identidade. Você reconhece a si mesmo nas histórias que conta sobre você.271

A princípio, você tinha os olhos voltados para os estagiários, para a formação por que passaram, para o processo de identificação deles em relação à profissão. A sua narrativa te levou a ver como, por mais que você contasse sobre eles, por mais que desse a ver como vivenciaram aquelas experiências, você contava mesmo é sobre si próprio.

Por ser narrador e personagem ao mesmo tempo, por narrar de dentro da experiência, por ser o autor, ao narrar os outros você narrou a si mesmo, deu-se a

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271

Todo esse parágrafo foi baseado na citação a seguir, porém com algumas alterações, sobretudo

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