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5.2 A experiência do Módulo 2

5.2.5 Oficina Jogo de reescritas

Na última oficina deste Módulo, os objetivos eram: mobilizar os conhecimentos construídos na leitura crítica da própria produção textual; analisar a construção narrativa do próprio texto, fazendo registros do processo de escrita; comparar a linguagem do texto escrito físico com a linguagem do stop motion.

Iniciamos apresentando as etapas e os objetivos da Oficina. Em seguida, tendo destacado que se tratava da última Oficina do Módulo 2, solicitamos que os alunos registrassem no Diário qual foi o momento mais interessante e o mais difícil e, depois, entregassem os Diários para uma primeira análise da professora-pesquisadora.

Figura 39 - Momento de registros nos Diários

Fonte: Acervo da pesquisadora (2019).

Dentre os Diários entregues, selecionamos um registro para análise a seguir.

Figura 40 - Diário 6/registro 6

Fonte: Diário 6 (2019).

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O momento mais legal foi a história das formigas e os livros e o momento mais dificil foi reescrever o texto várias vezes foi muito difícil

Nesse registro, a aluna aponta dois momentos que, segundo ela, foram legais: a história das formigas e o momento de empréstimo dos livros, ambos correspondem à Oficina 1, na qual tínhamos como foco a leitura subjetiva e fizemos uma abordagem explorando o suspense. Isso nos leva a inferir que essa Oficina representou uma experiência significativa para ela.

Quanto ao momento mais difícil, a aluna cita “reescrever várias vezes”, ou seja, ela remete-nos à Oficina de revisão e reescrita. Isso nos permite concluir que ela se identifica mais com as atividades de leitura e tem mais dificuldade com as de escrita. Quanto a isso, chamou-

nos a atenção o fato de a aluna usar a expressão “mais difícil” (linha 1) e a expressão “muito

difícil” (linha 2), sugerindo a sua tentativa de reforçar a sua dificuldade no processo de

reescritas.

Após esse momento, começamos a compartilhar a 1ª versão da narrativa produzida na Oficina 4, inclusive a professora-pesquisadora. Nessa atividade, eles se colocaram na posição de leitores dos próprios textos: o riso, a curiosidade, a surpresa, o envolvimento pelo universo fantástico e a dúvida foram compartilhados, mas não pela leitura de um escritor de referência. Foi um momento interessante porque eles poderiam trazer sugestões para os textos uns dos outros. Houve uma boa interação, com boas intervenções, exceto por uma ou duas críticas mais irônicas, as quais foram descartadas pelo próprio grupo.

Dando continuidade, as duplas se reuniram para avaliar possíveis ajustes nos seus textos, considerando as sugestões dadas pelos colegas no momento de socialização e a ficha de autoavaliação. Como essa atividade já havia sido realizada no final do Módulo 1, percebemos mais segurança das duplas ao realizá-la. Nas figuras abaixo, representamos duas das fichas preenchidas para uma breve análise. Quanto às fichas de autoavaliação, distribuídas para facilitar o olhar das duplas para o próprio texto, também percebemos mais familiaridade e mais segurança em algumas duplas. Embora para outras o preenchimento da ficha tenha se dado sem muita reflexão, notamos algum avanço no sentido de proporcionar alguma autonomia na avaliação da própria produção.

Figura 41 - Ficha de autoavaliação preenchida 1

Figura 42 - Ficha de autoavaliação preenchida 2

Fonte: Ficha de autoavaliação 2 (2019).

As fichas de autoavaliação foram adotadas como um instrumento para facilitar o olhar das duplas para o próprio texto. Diferentemente da primeira vez que utilizamos na oficina de revisão e reescritas do primeiro módulo, percebemos mais familiaridade com o instrumento e mais segurança.

Na ficha 1, por exemplo, diante da afirmativa “organizei a história causando expectativa no leitor”, a dupla assinala que não, reconhecendo que esse ponto precisará ser revisto no momento da reescrita. Já na ficha 2, diante da afirmativa “me preocupei com a compreensão do leitor do texto”, a dupla assinala que não, admitindo que isso precisará ser retomado na nova versão. Nesse sentido, a ficha de autoavaliação colaborou, ainda que primariamente, para que os alunos planejassem a narrativa considerando, desde aspectos formais da língua até aspectos relacionados à recepção do texto.

Outro avanço notado nessa oficina diz respeito a quatro duplas que solicitaram alguma sugestão da professora-pesquisadora para o desfecho; isso mostra a compreensão de escrita como processo e como atividade colaborativa.

No tocante aos pontos negativos, assim como no final do primeiro Módulo, uma dificuldade enfrentada nesse momento de reescrita foi o fato de termos produções em situações bem distintas. A questão das faltas é um fator que, desde o início da intervenção, atrapalha muito a condução das atividades porque impossibilita a continuidade e o acompanhamento progressivo. Vejamos a situação da turma no quadro a seguir:

Quadro 11 - Situação geral das produções do Módulo 2

Situação das duplas

Motivo Orientação Quantidade

Incompletas e em 2ª versão

Um dos alunos ausente na Oficina 5.

Analisar os ajustes sugeridos pela turma na socialização.

02 1ª versão Aluno(s) ausente(s) ou

sem par na Oficina 4.

Narrar uma história de suspense ocorrida com alguém da dupla ou agum conhecido.

04 1ª versão Presentes na Oficina 4

que não concluíram.

Concluir a narrativa e chamar a professora para compartilhar a 1ª versão.

01 1ª versão Alunos fugiram da

proposta e reiniciaram.

Retomar o comando da produção: narrar uma história de suspense.

01 Completas e

em 2ª versão

Alunos concluíram a escrita na Oficina 4.

Avaliar ajustes propostos; negociar possíveis alterações, a partir da ficha.

03 Fonte: Elaborado pela autora (2019).

Mesmo em uma turma não muito numerosa (apenas 27 alunos), as diferentes situações das duplas impossibilitaram um melhor acompanhamento, sobretudo daquelas que ainda estavam na primeira versão. Além disso, as duplas que iam concluindo a 1ª versão ao longo da Oficina 5 e passariam para a fase de revisão e reescrita só tinham a própria professora- pesquisadora como interlocutora imediata para os textos, já que no momento da socialização para a turma as narrativas ainda estavam incompletas. Essa situação nos gerou preocupação no sentido de que a nossa prática não incidisse sobre o que este trabalho critica veementemente, ou seja, preocupamo-nos em não tornar a escrita sem sentido pelo fato de não termos outros interlocutores reais; todavia, ressaltamos a intenção de organizarmos um livro com as produções das duplas, o que prevê pensarmos nos interlocutores prováveis: outros alunos, professores, pais/responsáveis etc.

Apesar das dificuldades, os aspectos positivos se sobressaíram, tendo em vista o histórico da turma em relação aos entraves quanto à escrita. Ademais, a tendência comum de imitar um texto tomado como modelo pareceu-nos um obstáculo vencido, pelo menos, nessa Oficina, uma vez que não vimos nenhuma narrativa que copiasse o conto que usamos como motivador, ou outro texto lido em outros momentos da intervenção.

Alguns alunos, particularmente, apresentaram avanços significativos. Três alunas e um aluno que não se expressavam oralmente de jeito nenhum, no início do ano letivo, já conseguiram se expressar e interagir nas duplas para realizar as atividades propostas, ainda que com alguma dificuldade. Ademais, três alunos com resistência acentuada à escrita também apresentaram avanços, considerando que conseguiram participar mais ativamente das atividades de escrita, revisão e reescrita.

Figura 43 - Momento de reescrita do Módulo 2

Fonte: Acervo da pesquisadora (2019).

Como no módulo anterior, o momento da reescrita se estendeu além do que esperávamos e não foi possível exibir o vídeo de stop motion do conto “As formigas”. Apesar de o vídeo ter menos de 2 minutos de duração, o tempo gasto para organizar e montar projetor, notebook e caixa de som não nos permitiu realizar essa etapa. Então, fornecemos o link de acesso ao vídeo para que os alunos assistissem em casa e vimos nisso uma oportunidade de ampliar a utilização dos recursos digitais.

Encerrado o módulo, passamos à análise de cinco das narrativas produzidas, para as quais usamos o código: M2.1, M2.2, M2.3, M2.4 e M2.5, sendo M2 referente a Módulo 2 e os números seguintes (1, 2, 3, 4 e 5) correspondentes à identificação das duplas.

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Transcrição M2.1: Noite sombria

Em uma noite, já era umas 10 horas, saí de casa com uns colegas. Íamos andar pelo bairro; na volta para casa, já passava das 3 horas da madrugada, eu e Andrey vínhamos um pouco mais à frente dos outros com uma lanterna, clareando o caminho por entre o mato.

Quando reparamos melhor, tinha uma pessoa de preto agachada. Tentamos olhar para o rosto, querendo identificar, mas não conseguíamos ver. Notamos que a pessoa não tinha pés, então ficamos assustados e saímos correndo para avisar aos outros que vinham atrás. Ninguém acreditou em nós, aí resolvemos levá-los até lá para mostrar.

Chegando, já não estava mais lá. No lugar, só havia um bilhete escrito assim: “eu vou voltar... ah!”

Nós morremos de medo daquele bilhete, saímos correndo para o condomínio, onde havia palavras escritas com sangue nas paredes: MORTE. TERROR.

O medo só crescia. Seguimos para casa, enquanto ouvíamos barulhos estranhos nos acompanhando; mas não queríamos nem olhar para trás.

Entramos todos, apavorados, na casa de Andrey e, quando batemos a porta, escutamos um grito

bem forte. Era um grito de mulher. Era aterrorizante.

Já de início, os alunos aproveitam o tempo e o ambiente para gerar expectativa no leitor, como observamos nas expressões “Em uma noite, já era umas 10 horas”, “já passava

das 3 horas da madrugada” e “clareando o caminho por entre o mato” (linhas 1-3). No

mistério em torno da personagem, conforme as expressões “tinha uma pessoa de preto

agachada”, “a pessoa não tinha pés” e “ficamos assustados e saímos correndo” (linhas 4-7).

Essas características são dadas para revelar um ser entre os mundos real (a pessoa) e fantástico (não tinha pés), conforme a linha 5, especialmente.

Em outro ponto do texto, eles dão continuidade ao suspense através do trecho

“Chegando, já não estava mais lá. No lugar, só havia um bilhete escrito assim: ‘eu vou voltar... ah!’” (linhas 8 e 9), inserindo o bilhete como um elemento intensificador da relação entre os

mundos real e fantástico, uma vez que o ser sem pés se comunica na linguagem dos garotos. Embora os alunos tenham repetido a expressão saímos correndo, nos parágrafos 2 e 4 (linhas 6 e 10) e normalmente entendamos a repetição como uma dificuldade de progressão do texto; nesse caso, entendemos como uma tentativa de reforçar o medo das personagens, o que configura como uma estratégia interessante.

Um recurso muito bem empregado pela dupla foi a grafia das palavras MORTE e

TERROR em caixa alta. Podemos observar que além de destacar que as palavras foram “escritas com sangue” (linha 11), a dupla não se satisfaz e explora graficamente as palavras, o que sugere

maior ênfase, contribuindo para o suspense.

Outro recurso de efeito muito enigmático para o leitor foi o desfecho aberto:

“Entramos todos, apavorados, na casa de Andrey e, quando batemos a porta, escutamos um grito bem forte. Era um grito de mulher. Era aterrorizante” (linhas 14 e 15). Ou seja, em virtude

das experiências de leitura construídas através dos contos As formigas e A cabeça, é possível concluir que esses alunos não esqueceram de dar um desfecho à narrativa, mas deixaram o desfecho a cargo do leitor, intencionalmente, a fim de manter o suspense.

Passamos agora à análise de outra narrativa.

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 M2.2: O boneco de louça

Na velha cidade, havia um senhor chamado Bernardo. Ele tinha uma loja de brinquedos. Ele mesmo fabricava os bonecos que não agradavam muito as crianças do lugar. A sua loja era

empoeirada, escura, estava sempre vazia. Os bonecos eram feios, mas Seu Bernardo os adorava.

O seu boneco preferido era o de louça, seu nome era Jason. Era macabro, era grande, o seu corpo parecia com o de uma criança de verdade. Tinha a aparência de um menino de 6 anos.

Em uma noite de lua cheia, deu uma tempestade na velha cidade, com direito a raios e trovões e as chuvas acompanhadas de vento davam pancadas fortes na loja do Senhor Bernardo, o qual foi

ao porão onde guardava seu boneco de louça. Parecia buscar uma companhia.

Ao chegar lá, o boneco tinha mudado de lugar. Seu Bernardo notou e foi pegá-lo para colocar de volta na prateleira de sempre. Mas quando o homem deu as costas, Jason chamou o seu nome bem baixinho:

“Senhor Bernardo”. ̶ Quem está aí? O boneco riu baixinho.

O senhor Bernardo, sempre tão corajoso, estava apavorado. Saiu correndo para o seu quarto que ficava nos fundos da loja.

Ele ouviu passos que o seguiam. Era constrangedor. Estava tremendo muito e não tinha por quem chamar. A cidade inteira parecia dormir, embora não fosse tarde.

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Depois de alguns segundos, houve uma queda de energia. O homem só contava agora com a luz da lua para lhe conduzir ao escuro quarto. Os passos estavam cada vez mais próximos, ele podia sentir. Então, gritou:

̶ QUEM ESTÁ AÍ? ME DEIXE EM PAZ!

O boneco não respondeu. Deu uma risada assustadora, avisando que não tinha razão para deixar o seu criador em paz naquela noite.

Nessa narrativa, o ambiente criado pelo aluno (cidade velha, loja empoeirada, tempestade, raios e trovões, queda de energia) permite ao leitor a construção do plano imagético da história. Observamos que a forma como a ambientação foi construída não parece ser somente uma questão composicional, ou seja, uma tentativa de obedecer à estrutura, mas uma necessidade de comunicar.

Notamos que a apropriação do conto “As formigas” contribuiu para que o aluno percebesse uma estratégia de construir o suspense sem que isso signifique uma mera imitação. Embora ele tenha utilizado a estratégia de fornecer informações gradativamente ao longo do texto, assim como a autora do conto motivador, isso não foi feito da mesma maneira, pois Lygia não deu nomes a todas as personagens, por exemplo, enquanto os alunos optaram por nomear as personagens, o que revela que se trata da internalização de um conhecimento sobre como construir o suspense. Assim, as pistas são dadas durante o desenvolvimento da história (boneco macabro, noite de lua cheia, loja vazia etc) e contribuem para a instalação do clima de suspense. Outra diferença, assim como a autora do conto motivador personificou o esqueleto e as formigas, na narrativa há a personificação do boneco; porém, isso se constrói em outro nível de complexidade, pois além de nomeá-lo (Jason), os alunos lhe conferem ações mais próximas de ações humanas: o boneco fala, ri e interage com o seu criador. Ou seja, eles não copiaram o texto motivador, mas o acesso às estratégias usadas e a percepção dos efeitos provocados permitiu-lhes construir as próprias estratégias.

O uso das letras em caixa alta dentro do discurso direto “QUEM ESTÁ AÍ? ME DEIXE

EM PAZ!” (linha 19) reforça o grito anunciado pelo verbo gritou (linha 18) e acrescenta

desespero à ação de Seu Bernardo. Já o desfecho adiciona suspense à história porque dá ideia de continuidade e isso nos pareceu intencional. Não se trata de uma narrativa sem desfecho, como comumente encontramos nos textos produzidos pelos alunos nesse nível de ensino, mas da escolha por um desfecho aberto para provocar um efeito no leitor.

O uso dessa estratégia no texto remete ao conto motivador, porém não se trata de imitação, os alunos têm um modo próprio de desenvolver a narrativa, isso nos permite defender que o texto literário constitui uma possibilidade de ensino de escrita criativa. Os alunos percebem as estratégias utilizadas pela autora do conto lido e os efeitos de sentido produzidos

por elas e, a partir desse reconhecimento, podem desenvolver um modo de dizer próprio. Assim, eles não fazem uma atividade escolar para adquirir apenas uma nota, mas mobilizam conhecimentos adquiridos em torno do que querem comunicar e conseguem traçar estratégias para fazê-lo.

Vejamos outra produção.

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Transcrição M2.3: A criança amaldiçoada Eu era mais novo quando aconteceu algo aterrorizante comigo.

Da minha casa. eu olhava todo dia para uma janela perto e todo dia eu via uma velha branca, de

cabelos brancos, de olhar vesgo, boca sem dentes. Eu nunca tinha prestado atenção, mas naquele

dia notei que a velha me olhava com um olhar estranho daquela janela.

Um dia, saí para passear num parque que ficava a uns dois quilômetros da minha casa. Eu já voltava do passeio, cansado, e me deitei no chão para descansar. Olhei para a janela de sempre, agora de outro ângulo, e a velha estava lá me olhando. Passou um carro, atrapalhando a minha visão, e quando ele se foi, voltei os olhos para a janela novamente e a velha havia sumido. Achei que era

coisa da minha cabeça e segui pra casa.

Um dia apareceu uma menina diferente na minha rua, com cabelos curtos e usando uma saia. Quando fitei meus olhos nela, vi que falava com alguém enquanto me encarava. Achei que, mais

uma vez, era coisa da minha cabeça.

Mas, numa noite qualquer, escutei gritos. Ouvi que meu pai e minha mãe também acordaram. Saí do quarto para encontrar com eles no corredor, mas o que vi foi uma criança e um corpo no chão. Na rua, a criança estava com as mãos cheias de sangue.

Eu, aterrorizado com a cena, desmaiei antes mesmo de qualquer reação. Na manhã seguinte, quando acordei, eu estava na minha cama. Então, dei um pulo, lembrando da noite anterior e olhei para a rua. Não havia criança ou corpo ou qualquer marca de sangue. Também não havia ninguém em casa. Só havia a janela de sempre, de onde a velha misteriosa gritou:

̶ A criança amaldiçoou você.

Eu estava tremendo de pavor. Então, para distrair a minha mente, liguei o meu computador. Quando acessei a internet, havia uma pesquisa sobre “a criança amaldiçoada”. A curiosidade foi mais forte que eu, então eu li a lenda da criança amaldiçoada que dizia: quem vir a criança, escutará gritos todas as noites...

O narrador em 1ª pessoa, anunciando que a história é aterrorizante, “Eu era mais novo

quando aconteceu algo aterrorizante comigo” (linha 1), convida-nos à leitura e confere

credibilidade à história. Feito o convite, o narrador caracteriza a personagem no trecho “via

uma velha branca, de cabelos brancos, de olhar vesgo, boca sem dentes” (linhas 2 e 3) e essa

caracterização contribui para instaurar o quadro aterrorizante, antes anunciado, que se repete até que um dia, marcando a complicação na sequência narrativa (parágrafo 3, linhas 5-9), um fato novo acontece, trazendo desequilíbrio.

Pelo menos, é isso que o leitor pensa inicialmente, até que, no 4º parágrafo, surge uma outra personagem, conforme o trecho “Um dia apareceu uma menina diferente na minha rua,

com cabelos curtos e usando uma saia” (linha 10), sem relação aparente com a velha sumida,

introduzindo outra complicação à história. Podemos pensar que se trataria de um problema pontual na sequência narrativa sem continuidade. Porém, seguindo a leitura, podemos entender como uma estratégia criativa para manter a expectativa do leitor, o que pode ser comprovado

pelo uso da expressão “Achei que era coisa da minha cabeça” (linhas 8 e 9) retomada mais adiante, “Achei que, mais uma vez, era coisa da minha cabeça” (linhas 11 e 12). Essa retomada liga os dois episódios e garante a coerência.

Continuando, outro elemento entra na história “um corpo no chão” (linhas 15). Talvez, o aluno quisesse ressaltar que fenômenos misteriosos eram comuns na sua vida, por isso citou a velha e a menina; porém, considerando essa intenção, seria necessário esclarecer melhor a relação entre um episódio e outro. Nesse caso, usar estratégias de articulação entre períodos e parágrafos favoreceria a construção de sentidos pelo leitor e não se trataria de mera questão estrutural, mas de uma questão relevante para conduzir a trajetória interpretativa do leitor. Esse é um bom exemplo de que a análise dos aspectos formais da língua colaboraria para a organização do texto.

Mais adiante, a velha reaparece (linha 19) fazendo menção à menina (linha 20) e, agora sim, houve articulação de forma mais clara entre os episódios. Em seguida, o aluno chega ao desfecho do narrador-personagem, mas não revela o desenlace para a velha e a criança ou mesmo para os seus pais, mencionados uma única vez na narrativa. Embora entendamos que o objetivo talvez fosse provocar reações no leitor quanto ao final, as lacunas deixadas poderiam ter sido mais bem articuladas, a fim de colaborar para uma leitura mais eficiente.

Apesar disso, o ambiente de mistério está construído, criativamente, através da caracterização da velha, da menina, da casa vazia, da descrição detalhada na cena do corpo ensanguentado e, finalmente, do desfecho que apresenta a lenda e retoma o título.

Passemos à análise no próximo texto.

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 Transcrição M2.4: A bruxa

O dia era chuvoso. Uma bruxa andava sozinha pela floresta quando encontrou, em uma das suas

armadilhas, uma menina.

A garota aparentava ter uns 12 anos, estava assustada e cansada. A bruxa, dando uma de