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Nesta seção, o objetivo é explicitar a indissociabilidade existente entre leitura e escrita e defender as consequências dessa visão de indissociabilidade na nossa prática. Partimos, pois, da visão de leitura e escrita como práticas sociais indissociáveis, isto é, só se lê porque alguém escreveu e só se escreve com base no que se leu e porque se tem algo a dizer para alguém que lerá.

Geraldi (2003) explicita essa ideia de indissociabilidade ao falar do processo dialógico usando a metáfora dos fios de um bordado que tecem outros bordados, de modo que o encontro dos fios gera uma cadeia. Ou seja, o leitor é sempre marcado pelas experiências dos autores dos textos que leu e essas experiências que o marcam podem gerar outros textos. Essa relação está ilustrada na Figura 1 abaixo:

7 Castrillón, em seu livro O direito de ler e de escrever, de 2011, defende a leitura e a escrita como direitos dos indivíduos para a atuação na sociedade. Na obra, a autora destaca a necessidade de tratamento das práticas como políticas públicas.

Figura 1 - A indissociabilidade entre a leitura e a escrita

Fonte: Elaborada pela autora (2019).

Ademais, essa indissociabilidade está pressuposta também no que o autor chama de movimento equilibrado entre as tendências da diferenciação e da repetição (GERALDI, 2003, p. 12). A primeira, refere-se à possibilidade do uso de expressões novas, que ampliem os seus modos de dizer com base nas leituras de mundo do sujeito e que imprimam as marcas da identidade de quem escreve; já a segunda, refere-se ao emprego de expressões já usadas e legitimadas, as quais são conhecidas do sujeito pelas experiências adquiridas nas interações com outros textos.

A nossa intervenção acredita nessa indissociabilidade, por isso pretende ampliar as estratégias de escrita por meio da leitura sob essa perspectiva de necessidade do equilíbrio entre as tendências da diferenciação e da repetição quanto aos modos de dizer, respeitando os usos dos estudantes, mas também fornecendo-lhes acesso a outros modos de dizer por meio do discurso literário, isto é, defendemos que leitura e escrita são práticas inseparáveis e complementares e que a indissociabilidade é premissa para o planejamento das atividades das aulas de Português que se prestam a um ensino significativo.

Entendemos que um provável entrave nessa proposta, evidentemente, diz respeito ao reposicionamento dos estudantes, uma vez que exige deles o entendimento de que, sendo a língua uma construção histórica e social, cabe-lhes o papel de sujeitos ativos no processo de construção dos usos, em oposição à sua adesão à escrita por imitação dos modelos estabelecidos. Sobre a produção de textos, Geraldi (2003, p. 135) explicita a importância da escrita na sala de aula:

E isto não apenas por inspiração ideológica de devolução do direito à palavra às classes desprivilegiadas, para delas ouvirmos a história, contida e não contada, da grande maioria que hoje ocupa os bancos escolares. Sobretudo, é porque no texto que a língua — objeto de estudos — se revela em sua totalidade [...]

Concordamos com essa visão do autor, tanto pelo caráter social conferido ao fazer docente ao interromper o ciclo de silêncio das classes marginalizadas, quanto pela dimensão interacionista da linguagem subjacente. O autor (GERALDI, 2012, p. 118) destaca que “a língua é o meio privilegiado de interação entre os homens” e explica que a escola desconsidera a natureza dialógica da língua quando propõe atividades de escrita sem um interlocutor real. Ele trata essa atividade simulada de escrita como redação escolar, diferenciando-a de produção textual, referente à escrita com finalidade comunicativa.

O desafio que se apresenta aos professores é, pois, tornar o ensino de escrita significativo para os estudantes, a fim de que estes reconheçam a escrita escolar também como uma das práticas sociais de compartilhamento de suas experiências, ou seja, como uma forma de agir no mundo, de se fazer ouvir. Isso se contrapõe à ideia de escrever para obter uma nota, pois se fundamenta em dar voz ao estudante para que a escrita escolar faça sentido e ultrapasse o caráter técnico e avaliativo.

Diante da solicitação de um texto, é muito comum ouvirmos dos alunos: “não sei

escrever” ou “como eu começo?”. Isso revela uma concepção negativa de escrita, cuja

construção se deu, involuntariamente, no espaço escolar e romper esse paradigma não é simples, porque significa, para os professores, repensar a própria identidade profissional.

Há quem pense, por exemplo, que para desenvolver a escrita basta escrever. Para um professor com essa concepção, as atividades de escrita pela escrita serão priorizadas nas aulas e o resultado será muita escrita e pouca ou nenhuma produção de texto. Quanto a isso, acreditamos que quem escreve com mais frequência provavelmente terá mais chances de ampliar a proficiência na escrita, pelo fato de poder testar construções e descobrir empiricamente as melhores escolhas. Todavia, somente o exercício repetitivo, desarticulado da compreensão das funções sociais da escrita, dos contextos, das sutilezas dos recursos da linguagem, não garante a proficiência, tendo em vista que, sem uma ação reflexiva, sem a percepção do caráter dialógico dos textos, sem a compreensão da relativa estabilidade dos gêneros resultante dos processos interativos ou sem a projeção do sujeito, a escrita pode se tornar uma atividade vazia, mecânica e sem sentido.

É interessante retomarmos a necessidade de equilíbrio entre o diferente e o repetido, entre a estabilidade e a mudança, que explicitamos. Para um aluno de EF, é natural a busca pelo

modelo. Isso lhe dá mais segurança, até mesmo pela concepção de escrita que foi construindo nos anos de escolarização, segundo a qual há uma forma de “escrever bem”. No entanto, um professor adepto de uma visão interacionista da linguagem pode e deve provocar reflexões sobre os diferentes usos de recursos expressivos e as suas implicações na produção de sentidos com base nas diferentes formas de representação do mundo de cada sujeito; pode e deve provocar reflexões sobre os diferentes propósitos comunicativos e a necessidade de adequação dos modos de dizer aos interlocutores e às intenções dos textos; pode e deve provocar reflexões sobre a singularidade dos textos e a consequente impossibilidade de qualquer uso modelar.

Acreditamos, pois, que, a partir de um trabalho de leitura e análise dos diferentes modos de dizer dos autores dos textos lidos e da compreensão da própria posição de sujeitos participantes do processo de construção da língua, os alunos desenvolverão maior autonomia na escrita.

Para Freire (2018, p. 109): “O ensino da leitura e da escrita da palavra a que falte o exercício crítico da leitura e da releitura do mundo é, científica, política e pedagogicamente, capenga.”. De fato, o ensino de leitura e escrita exige uma prática crítica, reflexiva e significativa. Essa prática, para nós, pressupõe: o distanciamento de qualquer tentativa de imitação de um modelo; o uso da forma/estrutura a serviço do conteúdo e da intenção e não o inverso; e a compreensão do próprio sujeito como participante ativo do/no processo, como constituidor da e constituído pela linguagem.

Desse modo, partimos da visão de Geraldi (2003, p. 98), segundo a qual “um texto é o produto de uma atividade discursiva onde alguém diz algo a alguém”; e adotamos a concepção concernente à produção textual — o estudante tem o que dizer e, por isso, escreve — de que “é para o outro que se produz o texto” (2003, p.102). Ainda segundo o autor, o outro se insere no texto tanto no processo de construção de sentidos quanto na produção, uma vez que é a condição básica para que o texto exista. Então, para ele, e para nós também, o ensino de escrita precisa definir os interlocutores, precisa encontrar razões para dizer o que se quer dizer. Nesse sentido, a intervenção configura como possibilidade de respeitar o direito dos discentes de se fazer ouvir, de compartilhar as suas experiências, colocando-os como sujeitos ativos.

Logo, a concepção que defendemos é a que considera a leitura e a escrita como indissociáveis e, por isso, partimos da leitura como meio de chegar a experiências de escrita que desenvolvam diferentes estratégias. Tal concepção serve como paralelo à escrita modelar e superficial e à escrita mais objetiva e utilitarista, com a qual eles já convivem em outras instâncias de interação (na esfera de consumo, por exemplo, através de panfletos, anúncios, letreiros etc), sobretudo no ciberespaço, particularmente nas redes sociais.

Assim, passamos à sessão que trata da relação entre as orientações das práticas de ensino e o papel das novas tecnologias da informação e da comunicação nas interações dos adolescentes, bem como das implicações dessa relação no contexto de aula de LP.