• Nenhum resultado encontrado

5.2 A experiência do Módulo 2

5.2.4 Oficina Suspense compartilhado

Na oficina 4, tínhamos como objetivos: desenvolver a oralização e a escuta; resgatar experiências sobre histórias de suspense; analisar a construção do suspense e do desfecho na narrativa; projetar a subjetividade através da escrita.

Não foi fácil realizar esta oficina: no dia anterior, havia sido a Festa Junina da Escola e os alunos estavam visivelmente cansados; muitos faltaram, só 20 estavam presentes; vários não demonstravam interesse pela aula.

Iniciamos compartilhando a atividade da Oficina 2, na qual os grupos deveriam reescrever os primeiros parágrafos do conto “As formigas” acrescentando a caracterização das personagens e do ambiente, segundo as estratégias mais adequadas para o grupo. Não houve muito empenho em compartilhar as estratégias pensadas pelos grupos, embora fossem incentivados com perguntas e sugestões.

Dando sequência, iniciamos os jogos de leitura do conto “A cabeça”, também em grupos. Porém, também não funcionaram tão bem pelo fato de os grupos estarem conversando sobre a Festa Junina. Notando isso, repensamos a metodologia, desfizemos os grupos, organizamos a turma em círculo e passamos a uma leitura com pausas estratégicas para perguntas e levantamento de hipóteses. As conversas paralelas diminuíram e alguns alunos se concentraram mais. Esse é mais um exemplo de que os aspectos teórico-metodológicos considerados no planejamento das ações docentes sofrem influências do contexto real da sala de aula.

Figura 36 - Leitura do conto “A cabeça”

Nesse novo formato, houve maior participação dos alunos e a discussão girou em torno das reações diversas diante de fatos ruins, como acidentes e assassinatos. Em tempos de celulares com câmeras, é bastante comum a divulgação de imagens de acidentes e mortes sem qualquer responsabilidade quanto ao conteúdo do que se compartilha, então aproveitamos o surgimento do assunto para tratar da responsabilidade ética de quem compartilha algum texto nas redes sociais e das consequências negativas que as nossas publicações podem ocasionar. Como o assunto era bem próximo da realidade dos estudantes, a oficina começou a funcionar melhor. Reforçamos que aquela era a nossa proposta: a apropriação do texto pelos sentidos que podemos construir com base nele.

Eles foram contando as suas histórias, relacionando ao texto lido, como exemplos de que, muitas vezes, a vida humana é colocada em 2º plano e o objetivo é filmar, tirar fotos e publicar. Considerando a importância dada pelo grupo às redes sociais como espaço de interação, conforme resultados do questionário aplicado, foi uma discussão bem relevante porque levantou questões presentes na vida cotidiana dos alunos, favorecendo experiências éticas significativas.

Após relacionar o conteúdo do texto com as experiências individuais, pudemos fazer uma análise da narrativa em relação à construção, aos efeitos provocados por elementos linguísticos, quanto ao modo como as falas das personagens eram introduzidas, sobre o desfecho dado pelo narrador, a importância do suspense etc. Nesse momento da Oficina, o papel da mediação da professora ficou evidente pela necessidade de avaliação e reorientação contínuas das discussões, no sentido de conduzir os estudantes durante a leitura rigorosa.

Logo em seguida, pedimos que os estudantes contassem histórias inusitadas ou de mistério que tivessem presenciado ou ouvido. Como eles não estavam tão envolvidos como nas outras oficinas, iniciamos contando as nossas próprias histórias de adolescência. Só então, surgiram algumas histórias: passos na cozinha, acidentes, vozes de pessoas mortas etc.

Chegando à última parte da Oficina, solicitamos que se organizassem em duplas, escolhessem alguma das histórias compartilhadas oralmente e escrevessem uma narrativa explorando o suspense. Também com a finalidade de motivá-los, avisamos à turma que também escreveríamos a nossa narrativa, enquanto eles escreviam as deles.

Figura 37 - Narrativa produzida pela professora-pesquisadora

Fonte: Acervo da pesquisadora (2019).

Esse foi um momento interessante. Já havíamos nos colocado no papel de leitores quando levamos parte da nossa biblioteca particular para a sala (na Oficina A hora do suspense) e agora estávamos nos colocando na condição de produtores de textos. Assim, pudemos mostrar para a turma que a escrita era um processo também para a professora, de modo que reler e reescrever eram estratégias necessárias para qualquer sujeito que escreve. Enquanto eles escreviam, nós também escrevíamos e quando avisamos que tínhamos concluído e queríamos compartilhar, os alunos se surpreenderam pelo fato de já termos terminado.

Diante disso, aproveitamos para lhes mostrar que, quanto mais escrevemos, mais facilidade adquirimos para escrever. Isso não era o resultado da aquisição de uma técnica, mas da apropriação das habilidades que desenvolvemos, à medida que lemos e escrevemos, com as experiências de leitura e escrita que vivenciamos. Então, compartilhamos a nossa narrativa com a turma, transcrita abaixo:

Meu avô e sua Morena

Bruna Faustino de Souza O meu avô era um homem forte, grande, corajoso. Gostava de andar a cavalo desde a meninice e, na velhice, tinha uma égua da sua inteira confiança como companheira. Em um dia qualquer de sol, saiu na égua para o Zumbi (esse era o nome da propriedade que herdara do seu pai), como era de costume fazer.

Apesar das terras estarem arrendadas para a plantação de cana-de-açúcar, ele sempre ia por lá para olhar como as coisas estavam ou apenas para ficar um tempo só. Gostava de cavalgar por ali e arrumar os pensamentos, enquanto olhava o velho açude ou as ferragens, desgastadas pelo tempo, de um trator velho, onde moravam a vegetação seca e a poeira. Aquela paisagem, ora verde, ora amarelada, decorada por galhos e por pássaros barulhentos, por alguma razão, lhe trazia quietude e satisfação.

A estrada de barro que acompanhava as terras era larga e o caminho que dava para o açude tinha uma trilha estreita por atalho. Iam os dois, ele e a Morena, por ali, devagar. Bem perto da grande fenda que recortava o chão do terreno, a égua empacou decidida.

“O que é isso? Você nunca deu pra ruim, Morena! Ande, vamos...”. Dizia meu avô, sem querer usar as esporas, raramente necessárias. Após insistir, agora já com mais irritação na voz, deu-lhe de leve, com a macaca de couro: “Bora, Morena. Que coisa é essa agora? Diacho de teimosa mais besta”.

Então, diante da completa recusa em prosseguir, usou finalmente as esporas, relutante: “EIA, MORENA!”.

A égua, estática, não demonstrou qualquer intenção de seguir caminho. Foi então que ele, impacientando-se, desviou o olhar para os cantos da velha trilha. No meio do mato, por entre pés de araçá, a fenda se acabava. Como quem desconfia dos próprios olhos, ele olhou mais uma vez na direção e descobriu o motivo da indolência da Morena. Era lenta, lisa, brilhante, grossa, de couro artisticamente desenhado. Linda! Deslizava, sem pressa, terminando de entrar na fenda.

Meu avô, homem corajoso que era, virou estátua. Paralisado de espanto, acompanhava a imponência da grande cobra que descia para a sua toca. Somente depois de concluída a saída gloriosa da protagonista de cena, a dócil égua seguiu o caminho estreito na direção do açude, sem que o seu companheiro de andanças chegasse a lhe pedir.

Depois de um longo período de silêncio, só interrompido pelo trote tranquilo da sábia Morena, o meu avô recobrou a razão e disse: ̶ Boa menina. Boa menina!

Após compartilharmos a nossa história, notamos mais interesse de algumas duplas. Todos seguiram com o momento de escrita, cada dupla no seu ritmo. Passamos nas cadeiras para acompanhar o processo de negociações e aproveitamos para participar do desenvolvimento de alguns textos, fazendo sugestões, respondendo a alguma pergunta (quase sempre sobre ortografia).

Observamos que uma das duplas usava o celular enquanto escrevia. Então, aproximamo-nos para entender como o aparelho era utilizado. Elas nos mostraram que digitavam quando tinham alguma dúvida porque o corretor do celular as ajudava a ver a escrita adequada de algumas palavras “mais difíceis”. Elogiamos a estratégia escolhida para as questões ortográficas e orientamos quanto ao uso crítico do corretor que, às vezes, não trazia a escrita adequada. Nessa situação, pudemos notar que o aparelho estava sendo usado com outras funções e que isso representava um avanço para uma turma na qual muitos passavam mais de 6 horas nas redes sociais, diariamente. Isso nos pareceu um bom exemplo de outros usos para o aparelho tão popular entre eles.

Diante das dificuldades enfrentadas, reconhecemos que a Oficina 4 foi muito desafiadora; no entanto, comparando as dificuldades com os objetivos definidos, podemos afirmar que atendeu aos fins propostos, especialmente porque as duplas conseguiram entregar a primeira versão da narrativa.

Figura 38 - Primeira versão das narrativas do Módulo 2

Fonte: Acervo da pesquisadora (2019).

Para encerrar a aula, retomamos as orientações para participação no concurso de fotos e solicitamos que todos trouxessem os Diários na última Oficina do Módulo para que pudéssemos acompanhar os registros feitos. E, finalmente, partimos para a última Oficina.