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4.3 A Internacionalização das Instituições de Ensino Superior

4.3.2 Internacionalização ou comercialização?

O processo de globalização impulsionou a internacionalização do ensino superior, mas esse não é um fenômeno único. As universidades dos países desenvolvidos criaram modelos e estratégias diferentes para estabelecerem sua presença global. De acordo com o professor e chanceler da Universidade de Berkeley, Nicholas Dirks,13 uma das estratégias de

internacionalização adotadas por algumas universidades norte-americanas foi o estabelecimento counselors offices, ou Columbia Global Centers, em várias cidades do globo. Um deles foi criado na cidade do Rio de Janeiro em 2013.14 Explica o Professor:

“Estávamos tentando deliberadamente estabelecer uma presença real por meio de um escritório, staff, mas não seria o caso de construir um branch campus com todo o volume de comprometimentos e responsabilidades que eles representam; mas também sem nenhuma participação direta com alguma instituição específica de ensino superior local. A ideia era ser móvel, um modelo de networking. Uma das coisas que tínhamos em mente era que poderíamos estabelecer esse tipo de forma relativamente fácil e poderíamos também facilmente desistir dela e ir embora do 13

Vídeo: Insights from Leaders in Higher Education | Globalization of Higher Education. Youtube: https://www.youtube.com/watch?v=772clhBuGbI . Acesso em 10/12/2014.

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O Columbia Global Centers está presente em todos os Continentes.Africa Nairobi, Quênia. Pequim, Paris, Istambul, Rio de Janeiro, San Tiago, Amã na Jordânia, Mumbai.

país se assim conviesse [...] […] Havia a vantagem de se ter uma estratégia extra, dependendo das circunstâncias” (DIRKS, 2014).

Em destaque, os Estados Unidos, a Europa Ocidental e a Austrália adotam a dupla estratégia para atrair alunos de outros países, principalmente daqueles em desenvolvimento, como China, Índia e Brasil para seus programas de pós-graduação. O professor de Berkeley defende essa estratégia de recrutamento de alunos estrangeiros para as universidades norte- americanas, pois seria valioso ter esse tipo de aluno em seus campus universitários e de pesquisa por causa da educação que elas poderiam lhes oferecer e, também, das experiências culturais que os alunos estrangeiros trazem para as universidades, ajudando a globalizar as vivências nos campus (DIRKS, 2014). Essa estratégia de recrutamento já representa uma parcela relevante do número de alunos matriculados nos cursos de graduação e pós- graduação. De acordo com o presidente da Rice University, David Leebron (2014), “[...]dentro dos EUA se percebe o aumento dos alunos vindos da China. De forma que algumas universidades terão sérios problemas financeiros se o governo chinês decidir parar de enviar esses alunos” (LEEBRON, 2014).

O estudo do fenômeno da internacionalização do ensino superior e da pesquisa aponta que se trata de um processo complexo, que precisa ter seus fundamentos revistos, no sentido de que estes estão, muitas vezes, ancorados na replicação de uma perspectiva eurocêntrica e ocidental. Visto que há um fluxo maior do fornecimento dos serviços educacionais por parte do Ocidente, de um lado, e o recebimento desse modelo educacional pelos países emergentes, de outro. Não obstante, a internacionalização precisa ser compreendida uma via de mão dupla. Ou seja, implica que os alunos e pesquisadores norte- americanos, europeus e australianos também vivenciem a internacionalização se matriculando, frequentando e atuando nas escolas de ensino superior desses países que são grandes emissores estudantis, como a Índia, China e Brasil. Mas não é isso que ocorre e tal constatação levanta a questão se esse seria um processo de internacionalização ou de comercialização do ensino superior, já que os alunos estrangeiros significam oportunidades de grandes lucros, conforme um executivo que entrou no ramo da gestão da internacionalização do ensino superior: […] We can make a lot of money in Singapore. You would be surprise how

much university life is like my previous life in business.15 Corrobora com esse fato a fala do Co-fundandor e Editor da Inside Higher Ed, Scott Jaschik, que relata que presidentes de universidades dos EUA visitaram seu escritório em Washington pedindo direções para lidar com as embaixadas de países emergentes como China, Arábia Saudita e Brasil porque esses países estavam investindo muitos recursos na internacionalização do ensino superior, entendida por eles estritamente como mobilidade estudantil. Ou seja, se tratam de países em desenvolvimento que possuem uma classe média substancial com condições de pagar pelo ensino.

“Os presidentes das universidades pediram orientações para lidar com a Embaixada Saudita porque os sauditas estavam investindo muito dinheiro. Pediram também orientações para lidar com a Embaixada Brasileira, porque o Brasil está investindo muito dinheiro, mas nunca me perguntaram sobre as embaixadas dos países pobres que possuem muitos alunos que poderiam se beneficiar de uma formação acadêmica nos EUA” 16 (JASCHIK, 2014).

Nesse debate, quando Jaschik (2014) levantou a pergunta: será que as instituições de ensino superior dos EUA estão focadas principalmente nas possibilidades de obtenção de lucros quando pensam sobre o que os alunos estrangeiros podem trazer para seus campus e a construção branch campus? O presidente da Rice Unvirsity, David Leebron afirmou objetivamente que sim. “Yes, So here we get the chance to get one-word answer to your question.17

Essa discussão dos gestores ligados à internacionalização do ensino superior demonstra que os benefícios da globalização podem ser vários, por exemplo: como melhorar o currículo; estimular à elaboração de pesquisas mais fortes e relevantes; e entender melhor outras formas de pensamento. Mas há também os riscos, como: aumento da comercialização do ensino superior, da criação de fornecedores e promovedores do ensino superior de baixa qualidade, da persistência do fenômeno de brain drain, da exclusão, pois alguns alunos e instituições não tem as competências necessárias para se beneficiarem da globalização.

Michael Shattock (2007) também aponta alguns aspectos que chamam atenção com 15

Trecho extraído da apresentação do Professor da Universidade de Londres a fala de um executivo que atua ramo da gestão da internacionalização do ensino superior. Disponível em: https://www.youtube.com/watch? v=DGzhDhk3lZA

16

Insights from Leaders in Higher Education | Globalization of Higher Education.

https://www.youtube.com/watch?v=772clhBuGbI. Publicado em 2014. Vistiado em 08/02/2016. 17

relação à forma como as universidades britânicas e australianas operam dentro nesse contexto de globalização do ensino superior. Parte da teorização da globalização do ensino superior representa a comercialização do ensino superior em termos de recrutamento de alunos estrangeiros de fora do país e de estabelecimento de branch campuses em outros países (SHATTOCK, 2007, 2008).

Com relação à Inglaterra, uma importante mudança nas políticas públicas ocorreu no governo de Margaret Thatcher, quando determinou que não mais subsidiaria os alunos estrangeiros que frequentavam as universidades britânicas, de modo que eles deveriam pagar a mensalidade integral por seus estudos na Inglaterra (SHATTOCK, 2008). Essa mudança deu início à estratégia de recrutamento de estudantes de todas as partes do mundo com condições de pagar as mensalidades. O perfil contemplaria indivíduos de classe alta e média de países emergentes ou, mesmo, desenvolvidos que falavam inglês, conforme aponta Shattock.

“Minha universidade tinha cerca 200 alunos estrangeiros nessa época, logo no início dos anos 1980. Em 2007, possuia cerca de 3 mil alunos... Em 1981 estabeleceram-se vários escritórios em Hong Kong e em outras regioões do globo para recrutamento de alunos como nunca se viu antes” (SHATTOCK, 2007).

Por que esse aumento? “Não foi porque nós estávamos interessados na globalização. Era porque nós precisávamos do dinheiro das mensalidades deles”. Eram tempos difíceis para as universidades britânicas, devido aos grandes cortes governamentais para a educação superior. De outro lado, abriu-se a possibilidade de novas estratégias de alavancagem de recursos, porque o inglês era o idioma internacional da ciência e dos negócios e as universidades britânicas poderiam recrutar o tanto de alunos que desejassem, pois o governo não impunha restrições quanto a isso. Assim as universidades o fizeram. Elas puderam se expandir, contratar mais professores e fazer mais pesquisa com os recursos que os alunos estrangeiros traziam para o país. Também estabeleceram agências de recrutamento em várias partes do mundo, concedendo descontos variando segundo o número de alunos que eles eram capazes de recrutar (SHATTOCK, 2007).

Com relação à segunda geração da globalização do ensino superior e consequente estabelecimento de filiais de campus universitários em outros países, Shattock (2007) afirma

que essa estratégia garantia, de certa forma, o monopólio das universidades tradicionais europeias, britânicas e australianas, por meio da construção de franquias no além-mar. Ou seja, com a revolução da tecnologia da informação não se poderia somente contar que os alunos estrangeiros dos países periféricos se mudariam para esses países centrais. Era preciso que as universidades chegassem também até eles, seja fisicamente, por meio da construção de franquias de campus universitários em países distintos, seja por meio do ensino a distância.

Ainda de acordo com Shattock (2007), the motives of the British University were in fact strictly commercial. As universidades britânicas queriam proteger seu mercado consumidor de educação superior mediante a criação desses campus além-mar. Mas o discurso construído era de que isso não significaria um empreendimento comercial, mas sim globalização, internacionalização de que elas se autointitulam universidades globalizadas e de que, isso era parte fundamental de sua missão. Mas a pergunta que levantada era: “Este é o tipo de atividade que as universidades deveriam ter”? Segundo o professor, o corpo docente britânico demonstrou forte resistência em se mudar da Inglaterra para esses países. Dessa forma, as universidades contrataram os professores locais, que receberiam salários equivalentes aos dos professores locais, que são menores do que os professores recebem no Reino Unido e na Austrália. A maioria desses campus não se constituiu ainda enquanto universidades de pesquisa. Entretanto, os alunos recebiam diplomas com os nomes e a reputação dessas universidades. Ou seja, o aluno recebia um diploma britânico da Oxford University sem nunca ter visitado essa instituição no Reino Unico, apenas estudando em alguma franquia na China ou na Malásia (SHATTOCK, 2007).